A violência policial em SP e o envelhecimento das mulheres negras
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🔸 Um agente da Polícia Militar de São Paulo jogou um homem de uma ponte, em Cidade Ademar, na zona sul da capital. Ao todo, 13 policiais foram afastados da corporação depois do ato de violência, informa o Metrópoles. A cena foi registrada em vídeo, e as imagens foram classificadas como “estarrecedoras” e “absolutamente inadmissíveis” pelo procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa. Segundo ele, os registros deixam evidente que o homem já estava dominado pelos agentes de segurança “que tinham o dever funcional de conduzi-lo, intacto, a um distrito policial”. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), escreveu nas redes sociais que sua administração não vai “tolerar nenhum tipo de desvio de conduta de nenhum policial no Estado de São Paulo.”
🔸 Porém… Um em cada quatro assassinatos em SP foi cometido pela PM entre janeiro e outubro deste ano. Ao todo, as polícias Civil e Militar mataram 676 pessoas, como destaca a Ponte. Trata-se de uma alta de 66% em relação ao mesmo período do ano passado. Só em outubro foram três vítimas por dia. A tendência de alta acentuada na letalidade policial vem desde o início da gestão de Tarcísio de Freitas e seu secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite. Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), afirma que houve uma institucionalização da matança como política do governo: “Esse aumento da letalidade policial não foi causado por um ou dois policiais, foi causado por uma mudança de estratégia, por uma mudança de modelo de policiamento mesmo, uma mudança de percepção do que deve ser segurança pública”.
🔸 No Rio de Janeiro, o dia foi marcado por uma operação policial: no Complexo da Penha, zona norte da capital, seis pessoas ficaram feridas e uma morreu quando a Polícia Civil fazia uma ação contra o tráfico. O Voz das Comunidades mostra como a operação policial afetou a rotina dos moradores. Ágatha Alves de Souza, de 22 anos, foi baleada quando estava num ponto de ônibus e está internada em estado grave. Felipe Barcelos, de 26 anos, tomava café em uma padaria quando foi alvejado, e Manuel Rodrigues de Sousa, de 74 anos, foi atingido enquanto esperava atendimento em uma fila de fisioterapia. Dezesseis escolas na região tiveram que suspender as aulas.
🔸 Os conflitos por terra nas áreas de expansão do agronegócio aumentaram no primeiro semestre de 2024 com relação ao mesmo período do ano passado. Já o número total de conflitos agrários no país teve uma redução de 6%. O acirramento das disputas no campo neste ano se concentra na Amazônia Legal e nas áreas conhecidas como Amacro (cerca de 45 milhões de hectares na divisa entre o Amazonas, Acre e Rondônia) e Matopiba (nos territórios dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). A Repórter Brasil detalha os números recém-divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Os dados mostram que o campo “não é um lugar seguro para se viver”, como afirma Cecília Gomes, da Coordenação Nacional da CPT. O relatório mostra ainda que os casos de contaminação por agrotóxicos cresceram 857%, e o Maranhão é o estado que concentra mais registros.
🔸 Oitenta por cento da área agrícola e de pastagens no Brasil depende da chuva gerada pelas florestas em terras indígenas da Amazônia. É o que mostra um estudo liderado por cientistas brasileiros e holandeses que calcularam a quantidade de água dos “rios voadores” gerados nesses territórios. Na revista piauí, o repórter Bernardo Esteves destrincha o estudo e lembra que a umidade das florestas irriga terras em 18 estados e no Distrito Federal, com efeito direto na renda do agronegócio brasileiro. O Paraná é o mais impactado pelos “rios voadores”: 25% das chuvas no estado têm origem nas terras indígenas da Amazônia. Apesar disso, setores do agronegócio pressionam pela exploração econômica dessas áreas – a principal linha de frente da disputa é a tese do marco temporal. “O estudo sobre as chuvas produzidas nos territórios indígenas comprova que abrir essas áreas para arrendamento ou exploração econômica é um tiro no pé do agronegócio”, afirma Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
📮 Outras histórias
“A capoeira é mais do que um esporte ou arte marcial: é uma forma de vida que transforma pessoas e comunidades”, afirma William Pereira Silva. Aos 17 anos, o estudante do Ensino Médio acaba de ser campeão da Copa Ginga Itagibá de Capoeira, na Bahia. O Site Coreto conta que ele integra o projeto escolar “Mais Educação”, orientado pelo Mestre Didi e pela professora Mocinha. “Ao entrar na capoeira, acabei superando, com o tempo, a insegurança em interagir com as pessoas”, diz o jovem campeão. Mestre Didi lembra da importância histórica da prática: “A capoeira nos ensina que devemos ter consciência de nossos deveres e direitos, além de resgatar, preservar e dar continuidade a essa herança deixada pelos povos escravizados”.
📌 Investigação
Professor de Direito da USP, Alysson Mascaro é acusado de assédio e abuso sexual por dez homens – todos alunos ou ex-alunos. Os episódios, que teriam ocorrido entre 2006 e o início de 2024, incluem condutas inadequadas, beijos forçados e até estupro. O Intercept Brasil ouviu os relatos das vítimas, que também compartilharam e-mails, documentos e prints de mensagens. Considerado referência no pensamento marxista no Brasil e conhecido por ter um canal no YouTube com mais de 50 mil seguidores, o professor se aproximava com promessas de apoio profissional e reafirmava com frequência seu poder de influência. “Tinha momentos que eu pensava: ‘vou entrar no jogo, vou fingir que estou amando porque aí ele goza logo e acaba essa porra desta merda que está acontecendo comigo”, conta uma vítima.
🍂 Meio ambiente
Na contramão de diversos estados brasileiros, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou ontem um projeto de lei que garante a pulverização aérea de agrotóxicos. Segundo o Sul21, a proposta, de autoria do deputado Marcus Vinícius (PP) e outros 23 parlamentares, avançou com uma vitória de 31 a 12. A mobilização contra o PL foi feita pelas bancadas do PT, do PCdoB e do PSOL, que destacaram as pesquisas científicas sobre os impactos sociais, ambientais e econômicos da pulverização aérea, como os prejuízos relacionados à intoxicação de agrotóxicos que chegam ao sistema público de saúde. “Precisamos atentar para a vida. A Europa já proibiu a pulverização aérea há 15 anos”, lembrou o deputado Adão Pretto Filho (PT).
📙 Cultura
Desde 2023, o projeto Cine Onça leva filmes ao público infantil e infantojuvenil do bairro de Sussuarana, em Salvador (BA). A iniciativa foi idealizada por duas moradoras: a bacharel em artes e estudante, Dricca Silva, e a historiadora e mestra em educação, Caroline dos Santos. A Entre Becos narra como o projeto oferece acesso à cultura para crianças e jovens da região a partir da abordagem de temas do dia a dia. “Pensamos nos filmes que realmente dialogassem com o cotidiano dessas crianças e adolescentes, tocando em temas como a identidade negra, a história indígena e até as relações sociais do nosso dia a dia”, explica Caroline.
🎧 Podcast
“Para falar sobre raça no Brasil, a gente não pode deixar de olhar para a nossa história, não é uma coisa que surgiu agora. Como a gente tem uma história muito bem contada, e que muitas pessoas acreditaram, sobre democracia racial, a gente precisa desmistificar”, afirma a advogada Juliana Souza. Nascida na periferia de Itapevi, na Grande São Paulo, Souza ficou conhecida por conseguir a primeira condenação à prisão por crime de racismo no Brasil – no caso envolvendo a filha do casal de atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank. O “Fio da Meada”, produção da Rádio Novelo, recebe a advogada, para quem a justiça precisa enegrecer o sistema por dentro.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
Jornadas de trabalho exaustivas e exclusão previdenciária marcam o envelhecimento de mulheres negras no país. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2016, 19,2% dessa população estava desprotegida pela Previdência e sem capacidade contributiva. Em 2022, o percentual subiu para 21,2%. A Revista Afirmativa mostra como mulheres negras são excluídas do mercado de trabalho formal. Para Antônio Teixeira, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, a pandemia aumentou o desemprego entre esse grupo: “Com a desestruturação das redes formais e informais de cuidado, a atribuição socialmente auferida às mulheres do trabalho de cuidado causou impacto mais significativo em sua taxa de participação na força de trabalho, motivo pelo qual muitas mulheres migraram para a desocupação ou para a inatividade”.
Primeiro é fundamental ressaltar que mortes decorrêntes de ações policiais não podem ser sumáriamente definidas como assassinatos. Na grande maioria dos casos se trata do uso legítimo da força para impedir a morte do policial de serviço ou de outra pessoas que esteja ameaçada por um criminoso. Ignorar este fato, além de ser injusto, é também irresponsável e preconceituoso. Sem contar que o Brasil é um dos países com maior número de assassinatos de policiais, superando vizinhos nossos como Equador, Bolívia e Chile (https://montecastelo.org/mortalidadepolicial2024/).