A inércia da ONU diante da guerra e o colonialismo na ciência
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🔸 “Tanques e tropas estão no terreno em Gaza, e o tempo para agir está se esgotando. Minhas perguntas a todos aqui são: se não agora, quando? Quantas vidas mais serão perdidas até que finalmente passemos da retórica à ação?” O discurso do chanceler brasileiro Mauro Vieira na Organização das Nações Unidas (ONU) ontem foi duro. Diante da inércia do Conselho de Segurança do órgão, o ministro das Relações Exteriores do governo Lula afirmou que “o fato de o conselho não ser capaz de cumprir sua responsabilidade de salvaguardar a paz e segurança internacionais devido a antigas hostilidades é moralmente inaceitável”. A CartaCapital traz os principais trechos do discurso e lembra que bombardeios israelenses contra a Faixa de Gaza provocaram mais de 8.300 mortes.
🔸 Em áudio: Israel fez ontem seu maior bombardeio aéreo na Faixa de Gaza desde o início do conflito com o Hamas, no início de outubro. Em 24 horas, os caças israelenses atingiram 600 alvos. As incursões por terra também se intensificaram. O “Durma com Essa”, podcast do Nexo, reúne os últimos acontecimentos na guerra e debate o atual nível das hostilidades na região.
🔸 Um grupo de brasileiros completa três semanas de espera para sair da Faixa de Gaza, nas cidades de Khan Younes e Rafah. São ao todo 18 crianças, dez mulheres e seis homens espalhados em casas alugadas, como descreve o colunista Guilherme Amado, do Metrópoles. Shahed al-Banna, brasileira de 18 anos, conta em vídeo enviado à coluna: “É difícil encontrar água e gás. A comida também está acabando no país. Ontem à noite foi terrível, a gente não conseguiu dormir. Todas as noites são terríveis”.
🔸 Um ano se passou desde a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas a polarização do país permanece. Pesquisa feita pela Quaest em outubro deste ano mostra que 64% dos brasileiros enxergam no Brasil um cenário de divisão, e 27% de união. No mesmo mês do ano passado, 72% viam o país dividido, e 19%, unido. O Congresso em Foco conversa com Felipe Nunes, professor de ciência política na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor da Quaest, sobre a pesquisa. Para ele, a polarização tende a continuar. “A maneira como as pessoas estão se colocando em relação ao governo passa pela identidade que elas formaram na última eleição. Ser lulista ou ser bolsonarista deixou de ser uma opção política, passou a ser uma identidade. Ninguém larga tão facilmente a própria identidade”, afirma.
📮 Outras histórias
Indígenas de Santa Catarina estão em condições precárias desde que o governo do estado fechou uma barragem no rio Itajaí-Açu, no início de outubro. O objetivo das autoridades era reduzir o impacto das inundações nas cidades vizinhas, como Rio do Sul e Blumenau. O plano alagou parte da Terra Indígena Ibirama/LaKlãnõ, onde vivem cerca de 4.700 indígenas de povos como Xokleng, Guarani e Kaingang. A Repórter Brasil conta que dezenas de famílias tiveram que deixar suas casas às pressas e estão isoladas em uma área com risco de deslizamentos. Lideranças indígenas afirmam que os impactos poderiam ter sido minimizados se o governo tivesse seguido um plano de contingência criado em parceria com as comunidades indígenas e prefeituras vizinhas.
📌 Investigação
Ao apoiar a inclusão de uma adolescente trans, a orientadora educacional Juliana Andozio, da Escola de Educação Básica de Muquém, em Florianópolis (SC), foi perseguida por pais e parlamentares. Chegou a ser denunciada pela Ouvidoria Geral do Estado e afastada do cargo sem remuneração por 15 dias. O Portal Catarinas e o Intercept Brasil relatam as investidas contra a profissional tanto pelo seu apoio a uma aluna trans quanto por sua atuação no planejamento da criação do grêmio estudantil da escola. Além de ameaças na internet e em reuniões de pais, o carro de Juliana foi alvo de ovos, pedras, limões e xingamentos, inclusive de cunho sexual. Em um dos vídeos do ataque, uma das pessoas grita: “É para matar mesmo!”.
🍂 Meio ambiente
“As mulheres são responsáveis pela manutenção do Cerrado vivo, pelo manejo das sementes, pela produção de alimentos, pela reprodução dos modos de vida e das práticas culturais e agroecológicas”, afirma Franciléia Paula, quilombola, mestra em Saúde Pública pela Fiocruz e organizadora do livro “Racismo e Sistemas Agroalimentares”. A Gênero e Número e o Nós, Mulheres da Periferia mostram como as mulheres são as principais guardiãs da biodiversidade e da agricultura familiar, enfrentando as monoculturas e o agronegócio para garantir também a soberania alimentar das comunidades da região.
Em Carajás, no Pará, plantas nativas são capazes de fazer a recuperação do solo em áreas de mineração. Pesquisadores do Instituto Tecnológico do Vale (ITV) e da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) apontam que espécies conhecidas como jureminha (Mimosa acutistipula) e lacre (Vismia baccifera) cumprem os critérios adequados para a função, como crescer de forma rápida, ter tolerância às condições ambientais da região e produzir muitas sementes. A Agência Bori detalha que o processo de fazer a recuperação do solo degradado não é tão rápido, mas pode ser favorecido pelo uso de espécies de plantas nativas.
📙 Cultura
Para os Guarani, o Saci Pererê não é parecido com a figura folclórica popularizada por Monteiro Lobato, que o descreveu como “moleque endemoninhado”, “perneta” e com “olhos de fogo”. Conhecido como Jaxy Jaterê ou Djatchy pelos indígenas, ele é um ser ligado à sabedoria da floresta e da medicina. “Para nós, o Jaxy Jaterê é o protetor da floresta, moradia dos espíritos e, desde criança, aprendemos a respeitá-lo”, explica Olivio Jekupe, escritor guarani de literatura nativa. O Lunetas narra a história da origem do Saci Pererê e como se tornou um personagem no imaginário popular, inclusive envolto em estereótipos racistas.
Dança folclórica afro-brasileira vindo de áreas rurais, o Samba Lenço de Mauá já carrega mais de 70 anos de tradição no município da Grande São Paulo. “Nosso grupo é tradicional, tem um legado transgeracional que passa de geração, começou com meus avós, pais e tios. A dança é caracterizada como samba de bumbo”, conta a coordenadora do samba Fabiana da Rocha Camargo à Agência Mural. A manifestação remete à época da escravidão, quando os escravizados dançavam na porta das senzalas após as colheitas. O Samba Lenço de Mauá é reconhecido como patrimônio imaterial do Estado de São Paulo e atualmente passa pelo processo de registro no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para se tornar patrimônio imaterial nacional.
🎧 Podcast
A ciência também é um espaço afetado pelo racismo e pelo colonialismo, desde amostras de sangue de indígenas que foram vendidas sem autorização para fins de pesquisa a homens e mulheres de populações marginalizadas que foram usadas de cobaias para estudos sobre diferentes doenças e tratamentos. A nova temporada do “Ciência Suja”, produção da Rádio Guarda-Chuva, mergulha no colonialismo científico. O primeiro episódio questiona “para quem é a ciência?” e como essa falta de representatividade levam a caminhos antiéticos e racistas.
🧑🏽🏫 Educação
O Grupo de Mulheres do Alto das Pombas (Grumap) atua para que adolescentes em Salvador (BA), tenham acesso à formação por meio de oficinas e encontros, além de aulas preparatórias para o processo seletivo do Instituto Federal da Bahia (IFBA). Segundo o Entre Becos, o acesso à educação está na origem da iniciativa, em 1982, quando mães da comunidade lutaram pela criação de creches. “Além de apoiar as escolas e exigir do poder público ações para o Alto das Pombas, temos uma história muito forte de formação. Muitas mulheres e crianças passaram por algum curso, palestra ou oficina aqui. Isso interferiu bastante na autoestima da comunidade, pois possibilitou, principalmente, que as pessoas tivessem uma forma de ter renda em seus lares”, relata Luciana Silveira, integrante do Grumap.
Correção: Em nota na edição de ontem (30/10) sobre o sistema de reconhecimento facial adotado na rede pública de ensino do Paraná, o link foi publicado erroneamente. Para ler a reportagem da Agência Pública, o link correto está aqui.