A descriminalização da maconha e as candidaturas LGBTQIA+
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🔸 O Supremo Tribunal Federal descriminalizou o porte de maconha para consumo próprio. Foram nove anos de julgamento para chegar à decisão ontem, com um placar de 6 a 3 a favor da descriminalização. A maioria dos ministros votou pela definição de critérios objetivos para diferenciar usuários e traficantes. Contrários à descriminalização, Cristiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça votaram para que a quantidade de maconha seja limitada 25 gramas. Já ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber, e Cármen Lúcia defendem que 60 gramas. O Jota informa que o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, sinalizou que pode haver consenso no valor médio de 40 gramas – até que o Congresso legisle sobre o tema. “Não estamos legalizando a maconha, estamos deliberando sobre qual é a melhor forma de lidar com esse problema”, afirmou Barroso. Os ministros também votaram para descontingenciar o Fundo Nacional Antidrogas, que terá recursos voltados para uma campanha nacional contra as drogas.
🔸 Em vídeo: nada disso significa que o uso de maconha em local público foi liberado. “Nós não estamos liberando o uso em lugar nenhum, apenas não estamos punindo”, afirmou Barroso. O Portal Terra traz os trechos das falas do presidente do STF e de Alexandre de Moraes que enfatizam a diferença entre o porte para o uso e o uso em si.
🔸 A reação do Legislativo veio em seguida. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), nem sequer esperou o julgamento acabar para se manifestar, segundo a CartaCapital. Autor da PEC das Drogas, que criminaliza o porte e a posse de qualquer quantidade de substância, ele disse discordar da decisão da Corte e acusou o STF de “invadir a competência do Parlamento”. À noite, foi a vez do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), oficializar a abertura de uma comissão especial para discutir a Proposta de Emenda à Constituição. O documento já estava assinado desde 17 de junho, mas foi inserido no sistema da Câmara só ontem, depois da decisão do STF.
🔸 Pessoas negras têm mais chances de serem indiciadas como traficantes. O viés racista e classista da guerra às drogas é explícito também em números: de 2010 a 2020, a Polícia de São Paulo enquadrou como traficantes 31 mil negros, em situações semelhantes a que brancos foram tratados como usuários. Uma pesquisa do Centro de Estudos Raciais do Insper evidencia a disparidade nas abordagens policiais. O Notícia Preta conta que os pesquisadores analisaram 3,5 milhões de boletins de ocorrência da Polícia Civil paulista. O resultado mostra que a probabilidade de indivíduos negros serem indiciados como traficantes é 1,5% maior do que a de brancos.
🔸 De volta à Câmara: a Casa dá uma “enorme contribuição” ao crime organizado. A conclusão é da edição de 2024 do Atlas da Violência e se refere a textos aprovados pelos deputados, como o projeto de decreto legislativo (PDL) para reverter restrições estabelecidas em 2023 para o comércio de armas. O PDL agora tramita no Senado. Para os pesquisadores, “a flexibilização a favor da difusão de armas de fogo na sociedade gera efeitos perversos, como aumento de crimes e facilidades para o crime organizado”. O Congresso em Foco destrincha o estudo segundo o qual as medidas tomadas pelo Legislativo acabam por enfraquecer a capacidade do próprio Estado de combater o crime.
📮 Outras histórias
Na Grande São Paulo, as cidades com mais jovens têm mais pessoas pretas e pardas. Nessa região, a população negra cresceu e representa 45,4% dos 20 milhões de habitantes. A partir de dados do IBGE, a Agência Mural analisa a distribuição de negros na Grande São Paulo e mostra que Francisco Morato, na zona norte da Região Metropolitana, lidera o ranking com 62,1% de pretos e pardos. É também a cidade com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região, segundo dados de 2010, e apresentava a menor renda em 2020. Embu das Artes, Itapevi e Itaquaquecetuba também têm altos índices de população negra.
📌 Investigação
Uma empresa que faz reconhecimento facial em Gaza anunciou parceria com Alagoas. A Corsight foi contratada pelo exército de Israel para desenvolver um programa de identificação de reféns na região do conflito. Em fevereiro, sites de tecnologia informaram que a empresa havia feito negócio com a brasileira Teltex, do ramo de soluções em segurança eletrônica. Esta, por sua vez, tem um contrato de R$ 18 milhões com a Secretaria de Educação alagoana, com o objetivo de implantar um sistema de gestão de controle de entrada e saída de alunos. O Intercept Brasil avaliou documentos via Lei de Acesso à Informação e não encontrou registros da contratação da Corsight em documentos públicos de Alagoas. A Teltex também informou que desconhece a parceria e alega que fez apenas testes com a Corsight.
🍂 Meio ambiente
Os indígenas Wajuru e os quilombolas da comunidade Rolim de Moura do Guaporé denunciam o estado de Rondônia e o município de Alta Floresta D’oeste pelo incentivo à pesca turística nos territórios sem o consentimento dos povos. As comunidades, junto ao Ministério Público Federal do estado, abriram uma ação civil pública contra a União, o Incra e a Funai por omissão. A InfoAmazonia aponta que as invasões e os conflitos na região cresceram nas últimas décadas – há 426 cadastros de imóveis rurais sobrepostos ao território. “Até 2008, ainda era pouca [a invasão], não tinha tanta gente aqui dentro. Depois, construíram uma estrada. Aí foi que entrou muita gente mesmo, fizeram igreja, fizeram hotel, nunca pediram para conversar com a gente. Todo mundo tem terra no nosso território”, conta a indígena Taila Wajuru.
📙 Cultura
“Estão querendo transformar as festas juninas em festival de música”, afirma o cantor Sergival, considerado um dos maiores embaixadores da cultura sergipana. “Quem faz as programações das cidades, pensando no turismo, pensando na geração de renda, pensando numa série de coisas, não está pensando na tradição. Ou seja, os artistas que se dedicam a esse gênero [forró] estão sendo relegados a um segundo plano em detrimento do que eu hoje estou chamando de festival”, completa. Em entrevista à Mangue, o artista revisita sua trajetória artística, sua proximidade com Dominguinhos, reivindica mais apoio e políticas públicas aos fazedores de cultura tradicionais e destaca a diversidade do São João. “Os festejos juninos não são só uma música. Eles têm a fogueira, a tradição das bandeirinhas, dos licores… São nove estados nordestinos.”
🎧 Podcast
A política de segurança pública baseada na violência do Estado e nas operações policiais em favelas e periferias atravessam todas as áreas da vida das crianças que moram nessas regiões, desde a invasão das casas até o cancelamento de serviços de educação e saúde. O “Papo Preto”, produção da Alma Preta, conversa com a assistente social Tainá Alvarenga, da Redes da Maré, Letícia Leobet, gestora de projetos do Geledés, e Huri Paz, coordenador institucional do Afrocebrap, para debater políticas públicas para a primeira infância a partir do eixo da segurança pública e seu impacto nas vivências de crianças negras e periféricas.
✊🏽 Direitos humanos
Não existem dados oficiais sobre a candidaturas e políticos LGBTQIA+ no país. Essa identificação não é coletada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que leva a mapeamentos próprios feitos por pesquisadores e organizações da sociedade civil. Na Gênero e Número, o pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (NEPEM/UFMG) Pedro Barbabela traça um perfil histórico da participação da população LGBTQIA+ nas eleições. Ele mapeou aqueles que se elegeram em nível municipal desde 1992 – quando os dois primeiros casos ocorreram – até 2020, ano do último pleito.
A propósito: a partir de dados do Programa Voto com Orgulho, da Aliança Nacional LGBTI+, e do Cidades +LGBT, mapeamento realizado pela parceria entre VoteLGBT e Associação Nacional de Transexuais e Travestis (Antra), a Agência Diadorim apresenta o perfil de dez pré-candidaturas LGBTQIA+ a prefeituras de todo Brasil. A maioria ainda está concentrada no Sudeste, e o maior número é de homens cisgêneros e pessoas brancas.
Correção: O bairro de São José pertence ao município de Esteio, na Região Metropolitana de Porto Alegre, e não ao município de Porto Alegre, como foi publicado erroneamente na editoria de Podcast na edição de ontem.