A volta do PL da Devastação e a queda de verbas para a cultura negra em SP
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🔸 O Congresso derrubou 56 dos 63 vetos do presidente Lula (PT) ao PL da Devastação. Assim, os parlamentares reavivaram a pior versão do projeto de lei 2.159/2021, que afrouxa as regras do licenciamento ambiental no país. A Sumaúma detalha cada ponto do texto e mostra que a nova lei acelera licenças, enfraquece estudos de impacto, reduz a participação de comunidades afetadas e devolve mecanismos como a Licença por Adesão e Compromisso (ou autolicenciamento), além de restringir a consulta prévia a povos indígenas e quilombolas apenas a áreas já demarcadas ou tituladas. A sessão de ontem expôs o confronto entre Executivo e Legislativo e o peso da bancada ligada ao agronegócio, à mineração e às indústrias da carne e da soja, com ataques aos povos originários, ao Ibama e ao ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Para a coordenadora de políticas públicas do Observatório, Suely Araújo, a votação significa um “retrocesso criminoso na legislação ambiental”.
🔸 Mas o debate não deve se encerrar com a votação. É o que indicou o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), conta a Agência Eixos. O senador afirmou que a estratégia agora passa por ajustes via Medida Provisória, projeto de lei e ainda a judicialização: “O governo vai continuar persistindo em, sobretudo, temas que são constitucionais para que sejam preservados conforme os termos que foram vetados pelo presidente da República. Se for o caso, até recorrendo à Justiça”. O Ministério do Meio Ambiente também reagiu. Em nota, afirmou: “Um país que acabou de sediar a COP30, que conseguiu reduzir pela metade o desmatamento da Floresta Amazônica e é exemplo para o mundo na utilização de fontes energéticas renováveis, merece uma legislação robusta e avançada sobre o licenciamento”.
🔸 A propósito: a Funai emitiu um alerta após a derrubada dos vetos no Congresso. Segundo o órgão, 297 terras indígenas – cerca de 40% das que ainda estão em processo de homologação – ficarão desprotegidas, já que a Funai passa a ter papel apenas “observador” nos licenciamentos, sem parecer vinculante. O Metrópoles informa ainda que a medida fortalece a aplicação do Marco Temporal, dificultando a regularização de terras não homologadas.
🔸 A ministra Marina Silva decidiu não disputar a reeleição para deputada federal por São Paulo em 2026. Em entrevista exclusiva à Cenarium, ela afirma que se coloca “a serviço da reeleição do presidente Lula”, sem descartar a possibilidade de concorrer a outro cargo. Segundo ela, os partidos progressistas em São Paulo têm quadros qualificados para disputar as eleições, como o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). Marina faz ainda um balanço da COP30 e avalia que a conferência “revelou muitas verdades” sobre a resistência global à transição energética.
🔸 Uma operação ontem mirou mais de 190 alvos ligados ao grupo Refit, dono da antiga refinaria de Manguinhos, no Rio de Janeiro, e de dezenas de empresas do setor de combustíveis. O Terra explica que o grupo é responsável por um esquema de fraude fiscal que gerou dívida de mais de R$ 26 bilhões em tributos estaduais e federais. Segundo as investigações, o grupo, comandado por Ricardo Magro, é o maior devedor de ICMS de São Paulo e usava empresas, offshores, holdings, fintechs e fundos de investimento para ocultar patrimônio e lavar dinheiro.
📮 Outras histórias
Ameaças, constrangimentos, violência e fake news rondam o processo de homologação da Terra Índigena (TI) Xukuru-Kariri, em Palmeira dos Índios, no agreste de Alagoas. Nas últimas semanas, como mostra a Marco Zero, a violência escalou com servidores da Funai ameaçados e até um ataque a tiros contra a escola indígena Pajé Miguel Celestino. Um grupo anti-indígena formado por políticos locais, posseiros e empresários organiza protestos e tenta barrar a demarcação, alegando que milhares de pequenos agricultores seriam expulsos. A Funai registrou cerca de 400 ocupações não indígenas dentro da TI, que já foi declarada de posse permanente em 2010 e teve a demarcação física concluída em 2013. Para o coordenador regional do órgão, Cícero Albuquerque, o conflito expõe a herança coronelista da região. “Com o avanço da posse indígena sobre o território de Palmeiras dos Índios, estamos mexendo com riqueza, porque terra é riqueza, com poder, porque terra é poder, e com o prestígio social, porque terra é prestígio social. Essa combinação é inflamável.”
📌 Investigação
Os eventos de cultura negra e LGBTQIA+ são os mais cancelados pela Prefeitura de São Paulo. Mas não só: o investimento da secretaria municipal nessas ações também caiu 70% nos últimos dois anos. Por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o Nonada revela que, nos projetos voltados à população LGBTQIA+, os recursos passaram de R$ 236,5 mil em 2023 para R$ 67 mil em 2025, com o total de eventos reduzido de 64 para 17. No caso das culturas negras, houve alta pontual em 2024, com R$ 623,8 mil e 157 ações, mas o número de eventos despencou em 2025 para 60, com o orçamento reduzido a R$ 276 mil. A mesma tendência aparece no eixo de povos originários, que teve 113 eventos, em 2023, e apenas 21, em 2025, com queda de mais de 60% no investimento. “Esse tipo de arbitrariedade não é isolado. A política cultural da atual gestão municipal tem se mostrado hostil à produção independente e às expressões populares”, afirma Rafael Limongelli, um dos diretores da Flipei, festival cancelado pela prefeitura sem nenhum aviso prévio ou reunião.
🍂 Meio ambiente
As 11 ararinhas-azuis em vida livre em Curaçá, na Bahia, estão contaminadas com o circovírus, causador da Doença do Bico e das Penas dos Psitacídeos – altamente contagiosa e sem cura. As aves fazem parte do programa de reintrodução da espécie, administrado pela empresa brasileira Criadouro Conservacionista Ararinha Azul, em parceria com a Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados, da Alemanha. Segundo o Conexão Planeta, os animais só foram retirados da vida livre para serem testados por pressão do ICMBio, que conseguiu a medida judicialmente. “É lamentável. E toda essa demora para capturar essas ararinhas de vida livre colaborou para a disseminação do vírus. O que a gente espera é que o ambiente não tenha sido comprometido, ameaçando a saúde de outras espécies de psitacídeos da nossa fauna”, diz Cláudia Sacramento, coordenadora da Coordenação de Emergências Climáticas e Epizootias do ICMBio.
📙 Cultura
“O samba valoriza muito a mulher preta, o nosso corpo, nossa história. Isso mexe muito comigo e fortalece minha autoestima. Não é só aprender passos, é também sobre se sentir bem, se sentir livre e empoderada”, diz Ana Carolina Lopes, 20 anos, que participa do projeto Samba à Vista. A iniciativa foi criada em 2021 por Tati Rosa, rainha de bateria da Acadêmicos da Rocinha, e mantém a cultura do samba o ano todo como parte da identidade das favelas. O Fala Roça conta que o projeto se firmou como espaço de valorização cultural e de protagonismo local. “É totalmente sobre a nossa identidade. Ele mostra o nosso jeito de sambar, de se expressar, de viver a cultura. É a nossa voz sendo ouvida. Quando a gente ensina e compartilha o que é nosso, a gente valoriza a Rocinha. Mostra que daqui também sai coisa boa, linda, com verdade. Isso fortalece a comunidade e faz todo mundo se reconhecer com mais orgulho”, diz Lelê Martins, instrutora do Samba à Vista.
🎧 Podcast
Entre passado colonial, enorme território e sabedoria indígena, o Brasil e a Austrália são as duas maiores nações do Hemisfério Sul e compartilham uma grande sociobiodiversidade, apesar de economia e cultura distintas. A partir de memórias do passado, aspectos do presente e ideias de futuro, o “Vozes do Sul”, produção do Conversation Brasil, analisa as proximidades entre os dois países, seus povos originários e suas diversidades ambientais. O episódio narra como as soluções locais – algumas delas milenares – são capazes de enfrentar os problemas globais para reduzir os efeitos das mudanças climáticas.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
No Dia da Consciência Negra, mais de 2 mil pessoas se reuniram no centro de São Paulo para a primeira edição da Corrida Kilombo, com percursos de 5 km, 10 km e uma caminhada de 3 km por lugares vinculados à história negra. Idealizada pelo coletivo Corre Kilombo, a iniciativa buscou promover o esporte entre pessoas negras, criando espaços de acolhimento, pertencimento e representatividade. A Alma Preta conta como foi a corrida e as expectativas do evento para o futuro. “Um coletivo para pessoas pretas realizar sua primeira corrida no centro de São Paulo, onde o povo preto construiu a nossa cidade, é um lugar onde a gente não imaginava, mas estamos muito felizes de estar aqui. Tenho certeza que as próximas edições vão dobrar de atletas”, afirma Gisa de Oliveira, cofundadora do Corre Kilombo.




