A volta de Bolsonaro ao Brasil e o tráfico de agrotóxicos nas fronteiras
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🔸 A nova regra fiscal vai prever um limite para que as despesas do governo cresçam mais lentamente que as receitas. As primeiras informações sobre o arcabouço fiscal que vai substituir o teto de gastos circulavam ontem e indicavam que o limite de despesas do governo federal poderia estar atrelado ao crescimento do PIB per capita do país, como informa o Metrópoles. Há ainda outra hipótese – a de que o crescimento das despesas poderia ser limitado a 70% do avanço das receitas. Mas nenhum dos caminhos está garantido. O Ministério da Fazenda convocou a imprensa para apresentar o novo modelo fiscal hoje.
🔸 O ex-presidente Jair Bolsonaro desembarcou hoje em Brasília. A segurança na Praça dos Três Poderes havia sido reforçada ontem à tarde. Segundo a CartaCapital, na chegada, ele não se encontrou diretamente com apoiadores e seguiu para a sede do PL por uma saída reservada do aeroporto. Bolsonaro retorna ao país três meses depois de ter partido para os Estados Unidos, em dezembro passado, após a derrota nas eleições. A volta ocorre em meio à apuração do caso das joias avaliadas em milhares de reais que teria recebido de presente da Arábia Saudita. Sobre isso, aliás, o ex-presidente foi intimado a prestar depoimento à Polícia Federal no próximo dia 5.
🔸 “Bolsonaro está voltando tarde demais. Saiu fortalecido [das eleições 2022] e não teve maturidade emocional para lidar com essa derrota, e se isolou. O isolamento teve a tentativa de ele se colocar como mártir, o que acabou enfraquecendo o grupo político dele. Agora, há o potencial de o grupo ser ativado novamente.” A avaliação é de Nara Pavão, professora do departamento e da pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). No Nexo, ela analisa, ao lado de David Magalhães, professor de Relações Internacionais da PUC de São Paulo e coordenador do Observatório da Extrema Direita, o lugar de Bolsonaro na oposição.
🔸 A Volkswagen fez milhares de pessoas vítimas do trabalho escravo no Pará, entre os anos 1970 e 1980. Os crimes cometidos pela empresa numa fazenda de gado no estado, adquirida com subsídios do governo, podem estar perto de uma reparação, segundo o Headline. Nesta semana, quando familiares de mortos e desaparecidos da Ditadura Militar se reuniram com o ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos), o antropólogo e padre Ricardo Rezende Figueira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), falou sobre os crimes. “A Volkswagen deveria pagar por dano moral individual, porque ofendeu individualmente aquelas pessoas. Mas deveria pagar por dano moral coletivo, porque ofendeu o Brasil. Ela humilhou o Brasil. Tornou brasileiros pessoas escravizadas”, afirma Figueira. A empresa, porém, informou que não tem interesse em firmar acordo com o Ministério Público do Trabalho e se retirou da mesa de negociação.
🔸 Golpeflix: um catálogo digital sobre as mentiras que levaram aos atentados de 8 de janeiro, em Brasília. Criada pelo Aos Fatos, a iniciativa traça uma linha do tempo entre as eleições de 2022 e os ataques golpistas no Distrito Federal, quando apoiadores de Bolsonaro depredaram os prédios dos Três Poderes. Tudo é ilustrado com vídeos, áudios e imagens, formando uma memória digital do extremismo brasileiro. Como o próprio projeto se apresenta, trata-se também de “uma lembrança de como algoritmos e ferramentas de monetização usam a indignação seletiva como caixa registradora”.
📮 Outras histórias
Renato Freitas (PT) segue como alvo de perseguição política no Paraná. Como deputado estadual, ele sofre uma tentativa de cassação, acusado de “infringir o regimento interno” da assembleia estadual por supostas “ilações infundadas, descabidas e distorcidas da realidade proferidas a militares estaduais e à Polícia Militar do Paraná”. Isso porque, em discurso na Casa, Freitas comentou dados divulgados pelo Ministério Público do Paraná, segundo os quais o estado registrou 17,3% mais mortes em confrontos com policiais em 2022 do que em 2021. A revista Afirmativa lembra que não é a primeira vez: no ano passado, quando Freitas era vereador em Curitiba, houve um pedido de cassação dele por ter entrado na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e São Benedito durante um protesto contra as mortes de imigrantes como o congolês Moïse Kabagambe.
Em imagens: a Pedra do Peixe, em Belém (PA), recebe entre 70 e 80 toneladas de peixes todos os dias. No período da Semana Santa, o número aumenta e pode atingir 100 toneladas diárias. Parte do Complexo Ver-o-Peso, maior mercado a céu aberto da América Latina, a Pedra foi registrada pelo fotógrafo Anderson Barbosa durante a madrugada, nos dias 19 e 20 de março. A Amazônia Latitude mostra o ensaio.
📌 Investigação
O general Augusto Heleno terá de se explicar na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos. Ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e figura-chave do bolsonarismo, Heleno recebeu no Palácio do Planalto pessoas envolvidas nas manifestações golpistas. Documento obtido pela Agência Pública revela que a lista de visitas inclui um dos presos em flagrante na invasão aos prédios dos Três Poderes em Brasília, pelo menos dois agitadores do acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, disseminadores de fake news e militares que questionaram o sistema eleitoral. Os encontros ocorreram entre a derrota de Jair Bolsonaro e o fim de seu mandato. A CPI vai apurar também a relação de funcionários ou ex-funcionários do GSI com os acampamentos.
🍂 Meio ambiente
Herança dos conhecimentos dos povos indígenas, os sistemas agroflorestais são um caminho que alia a conservação do meio ambiente com produção de alimentos, madeira, sementes ou frutos. Em artigo para A Economia B, o engenheiro florestal Rodrigo Condé, especialista no uso de espécies nativas, explica que o Brasil tem potencial de se posicionar como protagonista global em “economia regenerativa”. “Essa solução sempre esteve presente nas comunidades tradicionais e entre os povos originários sul-americanos, que possuem um riquíssimo conhecimento sobre como cultivar alimentos em harmonia com a floresta”, escreve.
O tráfico de agrotóxicos cresceu nas fronteiras entre Brasil, Paraguai e Argentina. As apreensões junto à fronteira brasileira desses produtos vindos do Paraguai saltaram 549% em 2022 em comparação com o ano anterior. Foram quase 190 toneladas apenas entre junho e setembro. O Mato Grosso do Sul é o estado campeão de confisco, seguido por Rio Grande do Sul e Mato Grosso. Em reportagem especial, O Eco reúne dados e conversa com especialistas sobre a expansão do contrabando de agrotóxicos, sua relação com o crime organizado e com o avanço da produção de monoculturas. O aumento do tráfico coincide com o governo Bolsonaro, que bateu recorde na liberação de pesticidas – foram 2.182 novas substâncias durante o mandato.
📙 Cultura
Formado por jovens artistas do Jardim Dona Sinhá, na zona leste de São Paulo, o Projeto Encosta reúne talentos para produzir conteúdos audiovisuais, materiais de divulgação e reportagens jornalísticas para mostrar a periferia como ela é. A Emerge Mag conta que a iniciativa surgiu da necessidade de ocupar espaços com foco em novas ideias e linguagens. A inspiração veio do Odd Future, coletivo estadunidense de hip-hop liderado pelo rapper Tyler, The Creator, que tem como princípio reunir artistas com pouca visibilidade e produzir conteúdo que traga a periferia para o centro das atenções. Em 2022, o Encosta foi premiado no concurso Perifa em Cannes, da ONG PerifaLions, que possui parceria com o Cannes Lions, o festival de publicidade mais importante do mundo.
O poeta e escritor Michel Yakini-Iman lançou campanha de financiamento coletivo para colocar o livro “Futebol Não É Coisa de Menino” em campo. O Desenrola e Não me Enrola explica que a obra reúne 22 prosas divididas em dois tempos. No primeiro, o autor narra histórias de meninos que sonham em se tornar jogadores profissionais e vivem pelos campos de várzea, arquibancadas, quadras e ruas. No segundo, os textos, escritos em 2022 durante Copa no Mundo do Qatar, refletem sobre futebol, tabus de gênero, arte, política, racismo e a mercantilização do jogo. O livro tem prefácio do escritor, poeta e cineasta de futebol de várzea Akins Kintê, que afirma: “Yakini-Iman nos traz temas relevantes sobre a sensibilidade dos jogadores: o choro, a paternidade, a presença das mulheres no futebol varzeano”. É possível contribuir com a edição e impressão da obra até dia 10 de abril.
🎧 Podcast
Da condição de miséria das periferias à espetacularização nos programas policiais, a violência marcou a adolescência de meninos de Manaus, no Amazonas. Marginalizados, eles formavam as “galeras”, como eram chamadas gangues de adolescentes. O podcast “Afluente”, produção da Rádio Guarda-Chuva, conversa com a jornalista Kátia Brasil, que cobriu o tema por anos, o professor, poeta e ativista Rojefferson Moraes, criado na periferia de Manaus, e Alonso Júnior, fotógrafo e universitário. Tanto Moraes quanto Júnior vivem o processo de engajamento social de jovens periféricos para ressignificar a palavra “galeroso”, que também se tornou um termo preconceituoso. Segundo Júnior, “galeroso” é hoje uma estética, com modos de vestir e atividades de lazer: “O Sudeste tem os crias, e a gente tem o galeroso. Vejo como um paralelo visual”.
🏃🏾♂️ Esporte
Os times de várzea fazem parte da identidade das periferias e criam uma demanda pela produção de camisetas, calções, meias, bonés e outros artigos esportivos que traduzem histórias de cada quebrada. Com camisas inspiradas em grandes clubes, como Barcelona e Corinthians, misturados em elementos das próprias periferias, profissionais movimentam a economia local. A Periferia em Movimento narra a história de Rafael Heyn, designer de 36 anos e um dos fundadores d’A Fábrica Cria, uma das principais fornecedoras de material esportivo para a várzea de São Paulo.