A vitória de Lula – e os novos desafios do lulismo
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🔸 “Não é uma vitória minha, do PT ou dos partidos que me apoiaram. É a vitória de um imenso movimento democrático.” Com um discurso em tom conciliador, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aos 77 anos, comemorou a terceira vitória — ele governou entre 2003 e 2010 — numa eleição para presidente da República ontem. O petista obteve 51% dos votos válidos nas eleições mais apertadas da História, como descreve o Nexo em reportagem que percorre os principais temas do pleito, o que esperar do próximo governo e os desafios de Lula no Congresso com forte presença da direita. “Não existem mais dois Brasis”, afirmou Lula. O Metrópoles traz em vídeo a íntegra do discurso de Lula pouco depois da vitória.
🔸 A vitória não era dada como certa. Como escreve o pesquisador e urbanista Roberto Andrés na revista piauí, “a ampla coalizão que se montou em torno da candidatura de Lula foi chave para que o país evitasse o rumo do caos”. Mas os novos desafios do lulismo são muitos. Andrés repassa o que foi feito nos governos de Lula em áreas como educação e cultura, mas aponta para o que está por vir: “O bolsonarismo não é somente um fenômeno ligado ao ressentimento, mas também ao desejo. Esse projeto reacionário foi capaz de dar coesão às tendências conservadoras, apontando para um futuro. Um futuro ilusório e inviável, mas é o que hoje está sobre a mesa. Enfraquecê-lo demandará produzir perspectivas de futuro reais que vão além do retorno aos anos de ouro do primeiro lulismo”.
🔸 A Polícia Rodoviária Federal fez pelo menos 560 operações pelo país ontem. As blitze em transporte de eleitores estavam proibidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Quase metade delas era na região Nordeste, de onde emergiram os relatos de prefeitos e parlamentares com a preocupação sobre obstáculos para o eleitor se dirigir às seções de votação no segundo turno em diversas cidades, como descreveu a CartaCapital.
🔸 O PT e o União Brasil são os partidos que mais elegeram governadores em 2022 ao longo dos dois turnos. É o que mostra levantamento do Congresso em Foco, que criou um mapa onde se pode conferir os governadores de cada Estado. Segundo O Antagonista, das 12 disputas de segundo turno pelos governos estaduais ontem, quatro terminaram com viradas.
🔸 Em São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi eleito governador de São Paulo com 55,34 % dos votos válidos, encerrando os 28 anos de governo do PSDB à frente do estado. Desafios como o aumento da extrema pobreza, o alto número de furos e a defasagem escolar estão no horizonte do governador eleito. A partir da análise em seis diferentes áreas, a Lupa apresenta o cenário que ele vai encontrar em 2023. Em entrevista após a vitória, Tarcísio já indicou que buscará se aproximar de Lula: “Para que a gente possa trazer políticas públicas, é fundamental o alinhamento com o governo federal.”
🔸 A cena ganhou as redes sociais no fim de semana: Carla Zambelli empunha uma pistola e persegue um homem negro numa rua nobre em São Paulo. A deputada federal reeleita, que é colega de partido e uma das principais aliadas de Bolsonaro, disse ter sido agredida e empurrada por um homem – mas não. Um vídeo confirma que ela caiu quando ele já não estava perto dela. O homem é o jornalista Luan Araújo, de 32 anos, com quem, na saída de um restaurante, ela discutiu no fim de semana na capital. Quatro testemunhas negam que ela tenha sido agredida, segundo a Agência Pública, que detalha o caso.
🔸 “Favelado não é bandido”. Foi a resposta de René Silva, jornalista e líder comunitário do Complexo do Alemão, depois de Bolsonaro afirmar, em debate na TV Globo com o adversário do PT, que Lula havia comparecido à favela carioca para se “encontrar com chefes do narcotráfico”. O Portal Terra lembra que René Silva foi o articulador da visita de Lula ao Alemão, onde o petista se reuniu com lideranças do Voz das Comunidades. Silva disse que pretende processar o candidato do PL.
📌 Investigação
No fim de semana do segundo turno, centenas de anúncios irregulares, que não poderiam ser veiculados pela Meta por terem sido pagos por apoiadores de Bolsonaro e Lula — e não pelas campanhas —, continuaram a circular no Facebook e no Instagram mesmo após o início do período em que a Lei Eleitoral proíbe qualquer propaganda de candidatos. Levantamento conjunto feito por Agência Pública, Aos Fatos e Núcleo Jornalismo constatou que 281 publicações de campanhas impulsionadas permaneciam ativas entre sexta-feira e sábado.
📮 Outras histórias
Na Terra Indígena Xingu, no Mato Grosso, indígenas de seis etnias denunciaram o prefeito Fernando Gorgen (União), aliado de Bolsonaro, por suspender o transporte público, responsabilidade da Prefeitura, para ao menos nove aldeias, o que teria impedido os grupos de votar no município de Querência. “Os ônibus deveriam ter chegado ontem [29]. Eles [os motoristas] iriam dormir aqui e hoje cedo seguíamos a viagem para chegar em Querência por volta das 8h”, afirmou o cacique Siraium Kayabi à Amazônia Real. Em nota, Gorgen negou que tenha impedido indígenas de votar.
“Tem muita gente sabendo que a favela não é lugar de bandido, é lugar de gente trabalhadora”, diz Antônia Cleide, presidente da Unas, associação de moradores em Heliópolis, maior favela de São Paulo. A Agência Mural mostra como estava o clima nas periferias da capital paulista, desde votos virados até o enfrentamento ao preconceito.
🍂 Meio ambiente
De Carlos Minc sobre as primeiras ações de Lula para o meio ambiente: “Serão revogados decretos e portarias que cancelam multas ambientais; que restringem a ação dos órgãos ambientais; que facilitam a liberação de agrotóxicos, muitos proibidos na Europa; que estimulam o desmatamento, a grilagem e o garimpo ilegal”. O Projeto Colabora lista 15 propostas elaboradas pela área de Meio Ambiente da campanha de Lula e conversa com Minc, que foi ministro do setor de 2008 a 2010.
Se Bolsonaro foi o único presidente desde a redemocratização a não demarcar terras indígenas, eles o fazem por conta própria. Sem ajuda da Funai, passaram os últimos quatro anos se arriscando para fazer a autodemarcação e organizando sistemas de proteção territorial contra invasores por meio de seus guardiões das florestas, como narra o InfoAmazonia. “É muito perigoso fazer essa vigilância, mas não adianta lutar para demarcar uma terra indígena depois que já não tiver mais nada dentro”, afirma o cacique Railson Nawa.
📙 Cultura
Uma derrota nas urnas não implicará no fim do bolsonarismo ou de seu legado na erosão da democracia, escreveram o cientista político Miguel Lago, a historiadora Heloisa Starling e o filósofo Newton Bignotto no livro “Linguagem da Destruição”, resenhado pela Quatro Cinco Um. A obra mergulha na ampla adesão popular aos ideais bolsonaristas, que se respaldam em um “passado idealizado”, com linguagem truculenta e transgressora para legitimar a passagem da violência verbal para a física e política.
Pela primeira vez, a Semana de Arte Favelada (SAF) acontecerá no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e no Complexo de Favelas da Maré, entre os dias 2 e 29 de novembro, com programação totalmente gratuita. Em releitura da Semana de Arte Moderna, que completou 100 anos, com objetivo de dar protagonismo aos artistas favelados e periféricos. O Notícia Preta conta como o evento carrega o universo cultural das favelas brasileiras.
🎧 Podcast
Com o genocídio da guerra civil em Ruanda, a escritora Scholastique Mukasonga narra memórias que reconstroem sua comunidade. Seu livro “A Mulher de Pés Descalços” traz as figuras das mulheres que se reúnem para as trocas sociais, os rituais, o cuidado aos filhos e rotas de fuga. A obra é tema do novo episódio do “Põe na Estante”, produção da Rádio Guarda-Chuva.
✊🏽 Direitos Humanos
“Aqui ninguém jogou granada em policial, aqui ninguém deu tiro de fuzil no policial! Cadê o ministro?”, perguntava um dos moradores do Complexo do Chapadão, no Rio de Janeiro, em protesto pela morte do adolescente negro Lorenzo Dias Palhinhas, 14 anos. Ele era entregador e foi baleado na cabeça durante uma operação da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Ao tratar sobre o que chama de “bolsonarização da PRF”, a Ponte Jornalismo lembra outras operações fatais com a participação de policiais rodoviários federais no Rio. No mesmo Complexo do Chapadão, em março deste ano, uma ação em parceria com o Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar fez seis mortos. No Complexo da Penha, foram duas as chacinas recentes aos moldes de ação conjunta.