As vítimas da violência policial e as emendas parlamentares nas festas juninas
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🔸 O estado de São Paulo teve o maior aumento do país em mortes causadas por policiais em 2024. O salto foi de quase 61% com relação a 2023 e, ao todo, as ações da polícia no estado levaram 831 pessoas à morte no ano passado. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado ontem pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A Agência Pública mostra que São Paulo vai na contramão da média nacional, que apresentou queda de 3% na letalidade policial de 2023 para 2024. O aumento da violência no estado coincide com a posse de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e a nomeação de Guilherme Derrite para a Secretaria de Segurança Pública. Foi durante a gestão do governador, aliás, que se deu a Operação Verão, a mais letal da história de São Paulo depois do massacre do Carandiru (1992) e que levou Santos e São Vicente aos postos de segundo e o terceiro municípios do país com a maior proporção de mortes causadas por policiais dentro do total de mortes violentas.
🔸Pessoas negras foram maioria tanto entre as vítimas de letalidade policial quanto de vitimização de policiais no ano passado: 82% dos mortos por policiais eram negros (pretos ou pardos), assim como 65,4% dos policiais mortos em confrontos. A Ponte ressalta que os homens jovens, com idade entre 18 e 24 anos, são as principais vítimas. Entre todas as mortes violentas intencionais no país (44.127 em 2024), 79% foram de pessoas negras. Quando se trata de crimes contra as mulheres, o documento mostra que houve aumento das taxas nacionais de feminicídio e de tentativa de feminicídio, com altas de 0,7% e 19%, respectivamente. Nesses casos, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública também aponta seletividade racial: as vítimas são sobretudo “mulheres, negras (63,6%), jovens (de 18 a 44 anos), que são mortas dentro de casa (64,3%) por seus companheiros ou ex-companheiros (79,8%), que utilizam de arma branca (48,4%) ou arma de fogo (23,6%) como instrumento do crime”.
🔸 O ministro Alexandre de Moraes decidiu não ordenar a prisão preventiva de Jair Bolsonaro (PL) pelo descumprimento de medidas cautelares impostas ao ex-presidente pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O Congresso em Foco explica que a aparição de Bolsonaro e as declarações que fez à imprensa na segunda-feira, no Congresso Nacional, foram consideradas pelo magistrado uma “irregularidade isolada”. Ainda assim, Moraes reconheceu que o réu, de fato, descumpriu as medidas, já que as redes sociais de Eduardo Bolsonaro foram utilizadas a favor do pai. O ministro do STF, por fim, advertiu Bolsonaro e afirmou que se houver novo descumprimento, a conversão em prisão será imediata.
🔸 A propósito: o STF autorizou a investigação sobre possível “insider trading” ligado ao anúncio de tarifas de 50% de Donald Trump contra o Brasil. A suspeita surgiu depois de uma operação atípica de compra de dólares horas antes do anúncio oficial das taxas, em 9 de julho – e posterior venda com lucro de até 50%, segundo analistas. O Nexo detalha como funciona a apuração que busca saber se alguém com informações privilegiadas lucrou ilegalmente. No Brasil, o crime é investigado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pelo Banco Central, com penas de até cinco anos de prisão e multa. As operações foram feitas por robôs e pulverizadas, com volume suspeito. Já nos Estados Unidos, os órgãos responsáveis são o Departamento de Justiça e a SEC (sigla da comissão de valores mobiliários), mas, segundo especialistas, a instabilidade de cargos e o esvaziamento das agências sob Trump podem dificultar investigações.
🔸 “Os ataques [de Trump] ao Brasil integram uma estratégia mais ampla de defesa e avanço internacional da desregulação do setor de tecnologia e plataformas digitais no mundo, bem como completa aversão a regras que possam avançar no sentido de uma governança equilibrada dos avanços de sistemas de IA”, defendem Alexandre Arns Gonzales, Bruna Martins dos Santos e Rafael Zanatta Membro, integrantes da Coalizão Direitos na Rede. Em artigo no Le Monde Diplomatique Brasil, eles explicam que Trump tem usado sanções e pressões unilaterais para enfraquecer esforços de regulação digital em países como o Brasil e também na União Europeia. No Brasil, segundo os autores, esse movimento se manifesta na resistência à regulação das plataformas e da inteligência artificial, com o apoio de aliados internos da extrema direita.
📮 Outras histórias
“Quero ser lembrada como alguém que deu o melhor de si pelo bem comum.” O desejo expresso por Dona Glória nesta frase já se realizou: aos 76 anos, ela é uma referência histórica na luta por direitos no Jardim Herplin, em Parelheiros, distrito do Extremo Sul de São Paulo. Ela já protestou por água encanada levando à sede da prefeitura trouxas de roupas sujas. A repercussão forçou o início da canalização no bairro. Em outra ocasião, coletou, ao lado de mulheres do bairro, 1.200 assinaturas em três dias para reivindicar o direito à creche para as crianças. A Periferia em Movimento narra a história da heroína urbana, viúva, mãe de dois filhos e avó de um neto. Nascida em Pirajuí (SP), ela chegou à capital aos 18 anos, trabalhou como doméstica e, diante da precariedade do bairro onde passou a viver em 1979, iniciou a inspiradora trajetória de militância comunitária.
📌 Investigação
O dinheiro destinado a festas juninas de São Paulo via emenda parlamentar passou de R$120 mil, em 2017, para R$ 4 milhões, em 2024. Quase 70% da verba foi endereçada para festejos nas periferias da capital paulista. Levantamento da Agência Mural a partir de documentos da prefeitura e do Tribunal de Contas revela para onde foram as emendas parlamentares e quais os vereadores e partidos que mais usaram esse recurso. O vereador Adriano Santos (PT), por exemplo, dedicou no ano passado R$ 470 mil para um evento na zona leste, o maior valor destinado. A reportagem explica que um dos motivos para destinar essa quantidade de dinheiro para os eventos de junho e julho é por serem mais fáceis de serem liberados. “O mais óbvio seria que a distribuição de recursos fosse para locais com a maioria da população e com índice socioeconômico menor, no caso as periferias. O que ocorre é que as verbas tendem a ser alocadas em regiões onde os vereadores têm uma base política mais organizada e fortalecida”, afirma Fábio Pereira dos Santos, doutor em administração pública e governo,
🍂 Meio ambiente
A COP30 se aproxima com o mesmo imbróglio de décadas: o financiamento climático, considerado um pilar fundamental para viabilizar os investimentos necessários à mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Segundo o Colabora, um estudo do Grupo de Especialistas Independentes de Alto Nível em Financiamento Climático mostrou que é necessário mobilizar, em média, US$ 6,5 trilhões anuais até 2030 e US$ 8 trilhões até 2035. Para a economista Maria Netto, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), os países desenvolvidos devem aumentar suas contribuições públicas internacionais, mas é necessário ir além do arcabouço tradicional da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. A especialista defende outras alternativas como maior envolvimento dos bancos multilaterais de desenvolvimento, acesso facilitado dos países emergentes aos fundos climáticos e uma governança global adequada que inclua fóruns como o G20, reformas do sistema financeiro internacional e maior integração entre agendas de clima, desenvolvimento e estabilidade financeira.
📙 Cultura
“A presença das ganhadeiras ao longo da História do Brasil é marcante e, hoje, o interesse em relação a essa figura tem crescido, assim como a curiosidade em relação às marcas que elas deixaram na cultura nacional. O Ofício das Baianas do Acarajé, por exemplo (produção e comércio do acarajé e outros alimentos), foi inscrito no Livro dos Saberes em 2004 e tornou-se patrimônio cultural brasileiro”, escreve Taina Silva Santos, historiadora e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Social – Afrocebrap. Em coluna na revista AzMina, ela resgata a história das ganhadeiras – comerciantes africanas e afrodescendentes comuns nas regiões urbanas do Brasil desde o período colonial – e analisa as narrativas em torno dessas figuras, além da sobrecarga de trabalho histórica vivida por mulheres negras.
🎧 Podcast
Nos anos 1980, Avel de Alencar passava noites fazendo cópias de milhares de páginas de processos judiciais retirados do Superior Tribunal Militar. Avel foi empregado pelo advogado Luiz Carlos Sigmaringa Seixas – defensor de presos políticos durante a ditadura civil-militar e grande nome da redemocratização – em uma engrenagem para preservar documentos que revelam violações de direitos, incluindo tortura, mortes e desaparecimentos cometidos por agentes do Estado no período. O “Nunca Mais”, produção da NAV Reportagens, narra a missão proibida de Avel. Da sala no sétimo andar de um prédio comercial de Brasília, as cópias chegavam a Genebra em forma de microfilmes que funcionavam como backup caso os arquivos em território brasileiro fossem descobertos e destruídos. Atualmente os documentos estão no acervo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
Com mais de 250 integrantes, o coletivo Bitonga Travel incentiva mulheres negras a viajarem pelo mundo por meio do compartilhamento de experiências. A iniciativa foi idealizada por Rebecca Aletheia quando viajou com um grupo de mulheres para o Guarujá, litoral de São Paulo, em 2019. Ela, aliás, já visitou 50 países e conhece todos os 26 estados brasileiros. “Nós entendemos que mulheres negras estão doentes por não terem tempo de viajar, passear, porque muitas vezes nós estamos imersas no nosso cotidiano e em tentar suprir a demanda que o sistema nos dá, de ser 10 vezes melhor”, afirma ao Nós, Mulheres da Periferia. Marcado por uma diversidade de gerações, o coletivo acolhe mulheres com mais de 80 anos. Além dos destinos internacionais, a idealizadora promove tours afrocentrados pelo Brasil, focando no protagonismo negro na construção das cidades.