As vítimas dos temporais e o trabalho escravo na safra de uva no RS
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 Após sete dias de buscas por desaparecidos, o número de mortos nas chuvas no litoral norte de São Paulo chegou a 65 ontem. Mais de 2.200 pessoas precisaram deixar suas casas e estão instaladas em escolas, creches e igrejas em São Sebastião, município mais atingido pelo desastre. As principais vítimas são trabalhadores que prestam serviços para as casas de veraneio e os estabelecimentos que vivem do turismo na região. São “refugiados da especulação”, como define Francisco Comarú, professor e coordenador do Laboratório Justiça Territorial da Universidade Federal do ABC, em artigo no Le Monde Diplomatique Brasil. Para ele, o jogo dos interesses imobiliários, “onipresente em todo litoral”, está na base das catástrofes desse tipo. Ele conta que, vinte anos atrás, quando entrevistava um funcionário de uma imobiliária na região, perguntou sobre os preços dos lotes em diferentes bairros: “Ao notar a menção repetida a loteamentos com terrenos de alto padrão, indaguei onde seria possível para uma família de classe trabalhadora comprar um lote ‘simples’ e produzir sua moradia. Ao que ele me respondeu: ‘Ah, meu amigo, aqui ninguém faz coisa pra pobre não’”.
🔸 “As principais vítimas desses desastres são pobres, pretos, pardos e indígenas que vivem em áreas urbanas. Esse é o recorte da população brasileira que predomina nas áreas mais vulneráveis das cidades, onde não há infraestrutura. São pessoas que estão lá não porque querem, e sim porque não têm escolha: são forçadas a ocupar encostas, beira de rios e canais – áreas menos valorizadas.” Na revista piauí, Natalie Unterstell, presidente do think tank Talanoa, dedicado às políticas de mudança do clima no Brasil, e Sergio Margulis, matemático e doutor em Economia Ambiental, defendem que “tratar da questão das chuvas, no Brasil, é tratar de ocupação e uso do território” e lembram que, desde janeiro de 2019, mais de um terço dos municípios brasileiros (35%) enfrentaram situações de emergência por tempestades, inundações, enxurradas ou alagamentos.
🔸 Em Roraima, garimpeiros estão tentando retornar à terra indígena Yanomami. Vão em busca de ouro e minérios como a cassiterita que esconderam em áreas de garimpo. A tentativa de retorno tem provocado confrontos, como informa a CartaCapital. A Polícia Federal deve intensificar nesta semana as operações de retirada dos criminosos da região. O Ibama já tinha, em anos anteriores, um plano de retirada dos garimpeiros da área, mas não havia executado, segundo Ricardo Agostinho, novo presidente do órgão. Em entrevista à Agência Pública, ele afirma que a crise humanitária no território Yanomami foi a “primeira prova de fogo grande” do Ibama que, se há 15 anos chegou a ter 2 mil fiscais, hoje tem 350 para todo o país. Ele fala ainda sobre a regularização do sistema de multas do órgão e sobre os desafios no combate ao desmatamento no Brasil: “A gente não está tentando frear um carro, mas frear um trem”.
🔸 O Brasil começa hoje a aplicar a vacina bivalente contra a Covid-19. O imunizante da Pfizer protege contra a Ômicron original e a variante BA1. A primeira fase da aplicação, no entanto, é restrita a pessoas com mais de 70 anos, imunocomprometidos e moradores de comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas. O Metrópoles detalha cada fase da campanha de vacinação e como deve funcionar o início do trabalho em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre.
📮 Outras histórias
Uma máquina de choques elétricos e tubos de spray de pimenta foram encontrados no alojamento onde mais de 200 pessoas viviam e trabalhavam em condições análogas à escravidão, em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Resgatadas em operação na semana passada, elas eram exploradas na safra de uva por empregadores que prestavam serviços às vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi. O Sul21 vem acompanhando o caso e conta que o grupo de trabalhadores foi recrutado da Bahia e já chegou ao Rio Grande do Sul com dívidas de alimentação e transporte. “Fora isso, todo o consumo deles no alojamento era anotado num caderno do mercado local, que vendia os produtos a preços extorsivos. Eles relataram que iniciavam o trabalho às 4h e iam até as 20h ou 21h, numa jornada extremamente exaustiva”, descreve o auditor fiscal do Trabalho, Vanius João de Araújo Corte. Os trabalhadores eram forçados a comer comida estragada e, se não aceitassem ou ficassem doentes, recebiam choques e pagavam multa de R$ 1200 por dia não trabalhado.
📌 Investigação
Também no Rio Grande do Sul, três produtores de fumo estão na chamada “lista suja” do trabalho escravo. O Ministério do Trabalho resgatou três trabalhadores em condições análogas à escravidão na propriedade de Torcato Junior Tatim, em janeiro de 2021. Eles viviam em barracos de madeira com chão batido. Dois deles não sabiam ao certo há quantos anos moravam ali nem quanto recebiam de salário. A Repórter Brasil apurou que Tatim possuía contrato de venda de fumo com a Universal Leaf Tabacos Ltda., subsidiária brasileira da multinacional estadunidense Universal Leaf. Entre 2021 e 2023, a filial mandou o tabaco para produtoras de cigarro em 52 países.
🍂 Meio ambiente
Há 13 anos trabalhando no Acre, o analista ambiental Flúvio Mascarenhas, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) personifica o que viveram os servidores ambientais no governo Bolsonaro. Ele conta ao Eco que foi perseguido pelos superiores, demitido duas vezes da chefia da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes – uma delas diretamente por Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente – e ameaçado de morte por infratores ambientais insatisfeitos com o seu trabalho. Muitos dos chefes eram policiais militares indicados por Salles com a missão de “perseguir, desmobilizar e desaparelhar”. “Os servidores eram tolhidos de falar e foram os que mais sofreram porque estavam na linha de frente no combate ao desmatamento, ao garimpo ilegal. Não podia destruir equipamento, não podia fazer notificação de saída para os invasores de terras públicas”, afirma.
A criação da inédita Secretaria Nacional de Bioeconomia pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) agrada especialistas do tema, que apontam a necessidade de olhar profundamente para a diversidade amazônica. O InfoAmazonia destrincha o projeto Amazônia 2030, uma iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano de desenvolvimento sustentável para a região. Um dos idealizadores, Salo Coslovsky defende principalmente o empoderamento dos produtores locais: “Ficaria contente em ver uma política que fortalece a ação coletiva dos produtores, seja através de cooperativas ou associações e âmbito local como entidades de maior porte, com escopo estadual e até mesmo federal”.
📙 Cultura
“A alegria não é uma alienação. Eu não vejo isso assim, bell hooks acho que também não via.” A afirmação é de Nina Rizzi, que traduziu três obras infantojuvenis de bell hooks: “Meu Crespo É de Rainha”, “Minha Dança Tem História” e “A Pele que Eu Tenho”. Em entrevista à Quatro Cinco Um, Rizzi atravessa o processo de traduções da escritora estadunidense e sua sensibilidade para tratar sobre temas raciais com as crianças. “Ela se coloca como criança no texto para falar com as crianças nessa linguagem. Você vai ter uma conversa com uma criança, você não fala em pé, você se agacha ou se senta para ficar no mesmo tamanho. Parece que ela trata de igual para igual”, diz.
Mistura de reza e dança, a Roda de São Gonçalo é uma tradição que resiste por mais de três séculos na Bahia. A primeira que se tem registro no país aconteceu em Salvador, em 1718, com religiosos, escravizados, mulheres e o nobre Marquês de Angeja. No entanto, a dança chegou a ser proibida por condes e marqueses no Brasil Colônia, e foi retomada como símbolo de resistência e fé por negros escravizados e quilombolas nas cidades do interior. O Headline mergulha em um dia de roda em Juazeiro, no sertão baiano, e explica que, com poucos escritos sobre a dança, mestres como Seu Valdemir, entrevistado pela reportagem, são monumentos vivos dessa história.
🎧 Podcast
Momentos metafísicos, religiosos e esotéricos sempre fizeram parte da vida pública no Brasil. Em dois atos, o “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, traz episódios de estados alterados. O primeiro conta o dia em que Mãe Cacilda de Assis incorporou Exu na TV aberta e parte dos presentes entraram em um transe ao vivo. O segundo narra quando, em 2020, o Carnaval do Recife, no Pernambuco, ficou sem maconha devido a uma operação policial que destruiu mais de um milhão de pés da planta. Os foliões lidaram com a situação de um modo improvisado.
🏃🏾♂️ Esporte
Após décadas de preconceito, o investimento e a visibilidade do futebol feminino começam a trocar passes com as mulheres. “Sou completamente grata pela luta de tantas mulheres pela nossa evolução e valorização no esporte. Graças a elas estou aqui”, conta a jovem piauiense e atacante do time paulista Red Bull Bragantino, Júlia Beatriz, de 21 anos, à Emerg Mag. As equipes femininas também veem um crescente apoio das torcidas. A final do Brasileirão de 2022, disputada entre Corinthians e Internacional, entrou para a história como o maior público já registrado em uma partida feminina entre clubes na América do Sul, com mais de 41 mil torcedores presentes na Neo Química Arena, em Itaquera, zona leste de São Paulo.