A violência policial em SP e a literatura da diáspora nos festivais
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🔸 Hoje, o Massacre do Carandiru completa 32 anos – e um relatório revela que as prisões em São Paulo praticam sistemáticas violações aos direitos humanos, com espancamentos, uso descontrolado de armas não letais, isolamento forçado e violência psicológica. Segundo o documento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), as práticas acontecem de forma frequente também em instituições psiquiátricas e centros socioeducativos do estado. A Alma Preta detalha o relatório feito a partir de inspeções em instituições de sete municípios de São Paulo. Nos casos mais alarmantes, há penitenciárias femininas em que mulheres grávidas e com bebês são submetidas a situações de violência moral e falta de assistência à saúde. “Entendemos que o Massacre do Carandiru, ocorrido há 32 anos, não acabou. Ele persiste de uma forma velada, porque nos dias de hoje as pessoas privadas de liberdade no estado de São Paulo continuam morrendo pelas mãos do Estado”, afirma Camila Sabino, perita do MNPCT.
🔸 Ainda em São Paulo, a letalidade policial aumentou 56% de janeiro a agosto de 2024 com relação ao mesmo período de 2023. Trata-se do nono aumento consecutivo desde dezembro de 2023. Só em agosto passado foram 78 mortes, o maior número para o mês de agosto desde 2019. A Ponte destrincha os números da violência policial sob a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e de seu secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite. Para Michel Misse, professor de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o aumento da letalidade policial é uma decisão política.
🔸 Apenas 30% dos deputados e 25% dos senadores têm compromisso com a pauta ambiental. É o que mostra a segunda edição do Farol Verde, iniciativa do Instituto Democracia e Sustentabilidade. A ferramenta verifica o grau de alinhamento de cada parlamentar à agenda ambiental com base no Índice de Convergência Ambiental total (ICAt), definido a partir de suas participações nas votações nominais de propostas legislativas. O Congresso em Foco conta que, dos 513 deputados, 361 apresentaram um ICAt inferior a 25%, classificados como “péssimos” em relação à matéria ambiental. Dos 83 deputados que concorrem ao cargo de prefeito, só três alcançaram 100% de ICAt: Guilherme Boulos (PSOL-SP), Tabata Amaral (PSB-SP) e Tarcísio Motta (PSOL-RJ).
🔸 A Polícia Federal investiga o possível uso de recursos do garimpo ilegal de ouro na Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará, para financiar campanhas eleitorais de 2024. Entre os suspeitos, está o candidato Dr. Rener (PRD), que disputa a prefeitura de Redenção e é apoiado por Jair Bolsonaro. A Repórter Brasil teve acesso a um relatório da investigação. O inquérito se baseia em documentos apreendidos em uma operação na empresa de Pedro Lima dos Santos, servidor municipal de Redenção que está preso e é apontado como líder do esquema. Há ainda o envolvimento de policiais civis e militares.
📮 Outras histórias
Um centro cultural efervescente da cena musical de Pernambuco fechou as portas no fim de semana. Loja de CDs e LPs de Recife, a Passa Disco jamais vendeu um disco de música em inglês, tampouco álbuns de mega estrelas do rock, pop ou sertanejo. Não se restringia também às vendas e abria o espaço para lançamentos de CDs e livros, feiras de vinis, entre outros eventos. A Marco Zero faz um obituário da Passa Disco a partir de relatos de músicos que tiveram suas vidas transformadas pela casa de música que tinha 21 anos de atividade. Conversa também com o lojista Fábio Cabral de Mello, sempre disposto a compartilhar com os clientes seu vasto conhecimento musical. “Aquelas paredes riscadas foram a perfeita materialização de um sentimento de pertencimento. Digo, sem medo de errar, que a música promovida nos últimos 20 anos não seria a mesma sem a presença da Passa Disco”, lembra Juliano Holanda, cantor e compositor que tocou na inauguração da loja.
📌 Investigação
Em Vitória da Conquista (BA), a propriedade privada se sobrepõe aos direitos básicos das comunidades do quilombo de Laranjeiras, no distrito do Pradoso. Quando chove, os quilombolas ficam ilhados e não conseguem acessar a área urbana do município. Além da pavimentação das estradas existentes, a comunidade reivindica um desvio que abra um trecho transitável por dentro da fazenda do cantor Elomar Figueira Mello. Mas os moradores dependem de uma negociação entre a prefeitura e o fazendeiro. O Conquista Repórter mostra como os quilombolas estão jogados à própria sorte a cada temporal. “Quando a chuva cai e os rios enchem, se um filho de Deus passar mal e precisar ser levado urgentemente para o hospital, ele morre porque não tem como passar”, afirma Suelina Moreira, presidente da associação do quilombo de Laranjeiras.
🍂 Meio ambiente
Com 64% dos municípios suscetíveis ao processo de desertificação, o governo de Sergipe não tem informações precisas sobre os planos de combate. Embora a Lei Estadual nº 8.785, sancionada em 2020, determinasse a criação do Conselho Permanente de Combate à Desertificação (CPCD), ainda não é possível saber se o órgão de fato existe e está em funcionamento, como apurou a Mangue. A legislação também prevê que os municípios deveriam estabelecer Planos de Ações Municipais para o combate à desertificação. A reportagem não encontrou esses documentos nos sites dos municípios do Alto Sertão – os mais impactados pelo processo. Já a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, aprovada pela Assembleia Legislativa, sequer cita o termo “desertificação”.
📙 Cultura
A literatura feita por pessoas negras – africanas e diaspóricas – está no centro das programações dos três maiores festivais do Brasil: a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica) e a Festa Literária das Periferias (Flup). Enquanto as duas primeiras ocorrem neste mês em Paraty e no Recôncavo Baiano, respectivamente, a última ocorrerá em novembro no Rio de Janeiro. Em coluna no Nexo, a jornalista Adriana Ferreira Silva explora como as vivências da diáspora africana pautam esses eventos – que terão autores como o senegalês Mohamed Mbougar Sarr, a camaronesa Léonora Miano e a carioca Eliana Alves Cruz – e como esse nicho tem conquistado leitores no país. “São muitas as pessoas seduzidas e representadas por narrativas que não apenas as hegemônicas ‘histórias únicas’ contadas por autores brancos”, explica.
🎧 Podcast
País que mais mata pessoas trans no mundo, o Brasil convive com um pânico moral que organiza as agressões contra essa população. Assim resume Maíra Kubík Mano, professora do Departamento de Estudo de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sobre as violências sistemáticas que atravessam a sociedade brasileira. A série “genocídios.BR”, do “Guilhotina”, podcast do Le Monde Diplomatique Brasil, mergulha nos fatores de risco que envolvem a existência de pessoas LGBTQIA+ e retoma a trajetória de Bruna Benevides, presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra) e militar da Marinha. Sua história ganhou as manchetes de jornais após ser afastada da ativa das Forças Armadas por “transexualismo”.
✊🏽 Direitos humanos
“As pessoas falam que o jovem não quer nada com nada, mas isso não é verdade. É possível mesclar curtir e ser profissional”, diz o técnico em eletrônica Isaac Pereira, de 21 anos. A Agência Mural ouviu jovens das periferias sobre o estereótipo da geração Z – nascidos entre 1997 e 2012 – no mercado de trabalho. A maioria relata os desafios da precarização e a busca pela qualidade de vida. “É muito difícil entender o lugar de trabalho na nossa vida, ainda mais sendo jovem periférico, porque a necessidade sempre fala mais alto”, conta a designer gráfica Flávia Aragão, de 25 anos. “As gerações anteriores davam a vida para o trabalho e o tinham como prioridade. Só que a gente [geração Z], assistiu a essas gerações se matando de trabalhar, com a promessa de um resultado e muitas vezes chegando lá doentes.”