A violência policial na Maré e o trabalho nos navios de carga viva
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🔸 O Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, passou 32 horas sob operação policial nesta semana. Depois de segunda e terça em meio a tiroteios que resultaram em cinco mortes, os moradores relatavam medo de sair às ruas, vivendo uma espécie de operação silenciosa ontem. Na Vila dos Pinheiros, uma das comunidades do complexo, a Clínica da Família Adib Jatene foi alvejada ainda na madrugada. Na televisão, o governador Cláudio Castro afirmou que a operação seguiu 100% das exigências da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) das favelas – instrumento jurídico que impede o Estado de praticar condutas que firam a Constituição e violem direitos das populações de comunidades. O Maré de Notícias mostra que o governador mentiu: durante as ações, os policiais não usaram câmeras corporais, não havia ambulâncias no território para socorrer possíveis feridos e há relatos de invasão de domicílio, dano ao patrimônio e de pessoas feitas de refém.
🔸 Para lembrar: só neste ano, foram 24 tiroteios durante operações policiais na Maré. Ao todo, 14 pessoas foram baleadas. No Fogo Cruzado, Cecília Olliveira, fundadora e diretora do instituto, indica três ações de segurança pública que comprovadamente funcionam melhor que as incursões policiais nas favelas: o uso de inteligência policial para desarticular grupos armados e prender lideranças, o controle de acesso às armas e o planejamento das operações.
🔸 O projeto de lei que equipara aborto a homicídio avançou na Câmara. Em votação relâmpago, os deputados aprovaram o pedido de tramitação em regime de urgência, ou seja, o texto não precisará passar pelas comissões temáticas e pode chegar diretamente chegar ao plenário, explica a CartaCapital. Ao ser equiparado ao homicídio simples, o aborto levaria a uma pena entre seis e 20 anos de prisão – maior que a punição para o crime de estupro, que vai de seis a 10 anos. Sobre a situação absurda, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, escreveu: “É difícil acreditar que a sociedade brasileira, com os inúmeros problemas que tem, está neste momento discutindo se uma mulher estuprada e um estuprador têm o mesmo valor para o direito. Ou pior: se um estuprador pode ser considerado menos criminoso que uma mulher estuprada. Isso é um descalabro, um acinte”.
🔸 Deputada estadual no Rio de Janeiro, Renata Souza (Psol) é alvo de ameaças de morte e ofensas racistas e misóginas. Por e-mail, o agressor diz que pretende atacá-la no próprio gabinete com um tiro e afirma que, por ser menor de idade, sairá impune. A Alma Preta conta ainda que, nas ameaças, ele diz não tolerar ser governado por mulheres negras. Grávida, Renata Souza registrou o caso na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância como racismo e ameaça. “Não serei interrompida”, escreveu nas redes sociais, lembrando a frase dita pela vereadora Marielle Franco (1979-2018) na Câmara Municipal do Rio.
🔸 “Tanto se fala sobre o genocídio da juventude negra, que virou mais um panfleto na boca de dirigente partidário. [No entanto] Quais são os apoios e incentivos, as agendas e o espaço para que esses homens pretos se coloquem e possam construir mecanismos institucionais para superação do genocídio da juventude negra? Não há.” A afirmação é de Ivan Santos, conhecido como Dú Pente, cofundador da Juventude Negra Política (JNP). Em entrevista ao Desenrola e Não Me Enrola, ele defende que a articulação política para enfrentar o racismo, quando prioriza apenas o gênero, invisibiliza homens negros. “Os manos pretos e as manas pretas têm que caminhar lado a lado, e tem que estar os dois dentro desses lugares, porque nós fazemos parte um do outro, nós somos uma comunidade.”
📮 Outras histórias
“Eu quero saber de macumba, rapaz?”, disse o pré-candidato a vereador em Messias, no interior de Alagoas, Albenycleiton Bernadete, ao chutar uma oferenda elaborada por praticantes de religiões de matriz africana. Numa tentativa de driblar a repercussão negativa, em seguida, ele gravou um pedido de desculpas. Não funcionou. A Mídia Caeté conta que o Instituto do Negro de Alagoas (Ineg) noticiou ao Ministério Público o ato de intolerância religiosa e crime de racismo. A reportagem lembra que o crime de racismo é inafiançável e imprescritível.
📌 Investigação
Trabalhadores em navios que transportam gado vivo enfrentam condições precárias: ambientes mal ventilados, chão escorregadio e falta de assistência médica, entre outros problemas. Muitos navios usados para esse transporte são “navios-sucata”, adaptados de antigas embarcações, o que aumenta os riscos de acidentes e falhas mecânicas. A Repórter Brasil destaca que, das 44 embarcações que passaram pelos portos brasileiros entre 2015 e 2021, 33 eram convertidas, ou seja, estruturas que transportavam veículos, contêineres e petróleo, por exemplo, foram adaptadas para o translado dos animais. Essas embarcações representaram 93% das detenções por deficiências de segurança no período. Vice-presidente jurídica da Mercy For Animals no Brasil, Paula Cardoso afirma que tanto os animais quanto a tripulação sofrem em condições semelhantes, sem dignidade mínima.
🍂 Meio ambiente
Em 2023, empreendimentos de energia renovável causaram a destruição de 4,5 mil hectares de vegetação nativa no país – o número é quase 10 vezes maior do que em 2020. A Caatinga representa o bioma mais devastado por esses projetos, como mostra levantamento d’O Eco, a partir da base de dados do MapBiomas. O maior índice de desmatamento registrado ocorreu no município de São José do Belmonte, no norte de Pernambuco, onde está localizado o “maior complexo de energia solar da América Latina”, comandado pela empresa espanhola Solatio. “Isso é um total contrassenso para o Brasil. Não faz o menor sentido desmatar, principalmente para a [energia] solar”, aponta Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas.
📙 Cultura
“É uma enorme responsabilidade lidar com pessoas, principalmente com mulheres e pessoas LGBTQIA+, entre outras corpas dissidentes expostas a vulnerabilidades”, afirma Laura Diaz, uma das fundadoras da Mamba Negra, um dos principais festivais de música eletrônica de São Paulo, voltado para esses grupos. A Emerge Mag narra a trajetória de profissionalização do evento que comemora 11 anos e depende em maior parte da arrecadação da bilheteria e da venda de bebidas para acontecer. A Mamba Negra recebe artistas de diversas partes do país e celebra sobretudo as performances artísticas de pessoas LGBTQIA+. “Quando cheguei na cidade, a Mamba foi o lugar que me acolheu e me deu voz”, conta o multiartista Raphael Jacques, que encarna a drag Alma Negrot.
🎧 Podcast
Diante do crescimento do discurso da extrema direita no mundo, políticos e partidos tradicionalmente progressistas têm adotado posturas que negligenciam pautas históricas da esquerda, sobretudo na segurança pública. É o caso do governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT) – ele defendeu a ostensividade da polícia e criticou a greve de professores do ensino superior estadual. As Cunhãs debatem como os discursos mais conservadores estão ganhando mais adesão na agenda política em diferentes espectros.
✊🏽 Direitos humanos
Dez anos atrás, o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, foi palco de um massacre. Em crise extrema entre 2013 e 2014, rebeliões violentas resultaram na morte de pelo menos 64 pessoas. Lá, estavam encarceradas quase três mil pessoas em sete unidades. À época, além da precariedade – superlotação, falta de atendimento médico, alimentação precária e surtos de doenças –, o presídio vivia uma guerra entre facções criminosas, como o Primeiro Comando do Maranhão e o Bonde dos 40, inspiradas no PCC e no Comando Vermelho. Na série especial “Complexo de Pedrinhas: marcas de uma barbárie”, o Colabora resgata essa história e conta que familiares das vítimas e sobreviventes ainda buscam justiça e reparação.