A violência contra a mulher indígena e as novas regras da Lei Rouanet
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🔸 O Ministério Público Federal acionou o Twitter para que apresente, em dez dias, as medidas de moderação adotadas para conter conteúdos de exaltação a ataques em escolas brasileiras. A plataforma deve informar, por exemplo, todos os perfis e conteúdos apontados à empresa pelo Ministério da Justiça como passíveis de moderação. Segundo o Núcleo, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo solicitou ainda que o Twitter informe planos para moderação em “contextos emergenciais” que incluam, por exemplo, convênios com autoridades para analisar pedidos extrajudiciais de maneira célere e prioritária. Ontem à tarde, a campanha “Twitter apoia massacres”, com o logotipo da empresa coberto de sangue, viralizou na própria plataforma, chegou aos trending topics do site e, depois, desapareceu sem explicações.
🔸 Depois de semanas de impasse, o Congresso instalou ontem três comissões mistas para analisar medidas provisórias editadas pelo governo Lula. Ao longo das próximas semanas, senadores e deputados vão se debruçar sobre as seguintes pautas: a reorganização da Esplanada dos Ministérios, a retomada do programa Minha Casa, Minha Vida, e a recriação do Bolsa Família. O Metrópoles informa a composição das comissões e lembra que o governo espera instalar outras três já na semana que vem: sobre a ampliação do programa Mais Médicos, a retomada do Programa Nacional de Aquisição de Alimentos e a extinção da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Há pressa: se não forem analisadas e votadas pelo Congresso em 120 dias, as MPs perdem a validade.
🔸 Com o comando dos colegiados no Senado, e a relatoria, na Câmara, o governo terá de negociar com o líder do centrão para conseguir aprovar suas principais medidas, escrevem Mariana Ribas e Bárbara Baião, em artigo no Jota. Por enquanto, só houve indicação de relatoria para a comissão da reestruturação da Esplanada dos Ministérios e para a do programa Minha Casa, Minha Vida. “Nos bastidores, a dificuldade nas articulações reforça o protagonismo de Lira e a fragilidade do governo.”
🔸 Mais um caso aterrador de racismo: branca, moradora de São Conrado, na zona sul do Rio de Janeiro, e ex-jogadora de vôlei, Sandra Mathias Correia de Sá agrediu um trabalhador negro a chicotadas no domingo de Páscoa. Ela tirou a coleira do cachorro para improvisar o chicote que usou para golpear Max Ângelo dos Santos, de 36 anos, entregador há pouco mais de um ano e morador da Rocinha. O Notícia Preta detalha o caso e informa que a agressora é acusada de injúria por preconceito e lesão corporal.
🔸 A propósito: as raízes da violência contra a população negra estão na formação do Brasil, nação que mais importou escravizados no mundo e foi a último das Américas a abolir a escravidão. Narrado pelo jornalista Tiago Rogero, o “Projeto Querino”, produção da Rádio Novelo, retoma as origens do Brasil a partir de um olhar afrocentrado e mostra que, embora tente parecer diferente, o país ainda não rompeu com sua origem escravocrata.
🔸 “Até hoje, nenhuma lei de proteção às mulheres dá conta das especificidades da mulher indígena.” A afirmação é de Pagu Rodrigues, à frente da recém-criada Coordenação Geral de Prevenção à Violência Contra a Mulher, ligada ao Ministério das Mulheres. Paulistana, a socióloga formada pela USP passou parte da vida adulta no agreste pernambucano, onde vive a maioria de sua família, do povo Fulni-ô. Em entrevista à Pública, ela aponta os desafios para o registro de casos de violência contra a mulher entre os 305 povos indígenas brasileiros. “[São] Mais de 274 línguas. Isso inclui, inclusive, códigos de ética moral que não são iguais entre si e não são iguais aos nossos. É preciso entender o que é considerado crime de acordo com o olhar de cada etnia e não sob uma perspectiva que acredita ser universal”, explica.
📮 Outras histórias
Afastada do trabalho por defender os direitos humanos. A orientadora educacional Juliana Andozio já atuava na Escola de Educação Básica de Muquém, em Florianópolis, havia três anos, quando se viu no centro de um processo administrativo: foi acusada de faltar “com ética profissional”, fazendo “doutrinação político-partidária”. Especializada em gênero e diversidade, ela era responsável por criar projetos integradores e, no início deste ano, informou aos alunos sobre a existência do Disque 100, serviço para denunciar violações de direitos humanos. “As famílias não gostaram, disseram que eu estava fazendo um trabalho que não era meu, que eu não tenho que falar de democracia em sala de aula, nem do Disque Direitos Humanos”, conta ao Catarinas. A orientadora foi afastada em fevereiro e aguarda que uma comissão analise o caso.
📌 Investigação
Populações tradicionais da Bahia veem seus territórios ameaçados pelo agronegócio e por grileiros. Em Correntina, a comunidade de fecho de pasto Catolés preserva a vegetação nativa e os mananciais de água há mais de um século. Em 2018, a Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) lavrou a certidão de autorreconhecimento de comunidade tradicional. Pouco mais de um mês depois, o empresário Leandro Celso Grilo se apresentou como proprietário das terras e proibiu o acesso ao local. O Meus Sertões revela que ninguém sabe ao certo quem teria vendido mais de cinco hectares de terra a Grilo, ligado, como dono ou sócio, a 13 empresas nos estados da Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Tocantins. Ele entrou com ação contra os fecheiros por praticarem a criação solta de gados na área, mas sua liminar não foi aceita pelo juiz.
🍂 Meio ambiente
Antes eventual, a estiagem no Rio Grande do Sul se tornou frequente e intensa. O estado sofre com a seca desde 2020, e as perdas têm sido altas em todas as escalas – do agronegócio à pesca e à agricultura de subsistência. A crise tem efeito dominó, como explica o Sul21. Na safra 2022/2023, por exemplo, a quebra na produção do milho silagem, usado como ração, passou de 40%. Com isso, a produção de leite foi igualmente impactada, já que os animais dependem do produto para a pastagem. Como rios e lagoas baixaram seus níveis, a pesca ficou mais difícil, bem como as plantações para a subsistência das famílias. Há ainda a liberação de carbono causada pelo desmatamento do pampa – em média, 125 mil hectares de campos nativos têm sido anualmente convertidos em lavouras, segundo o MapBiomas.
“Vários quintais podem virar horta.” A cozinheira Cleunice Maria de Paula, a Tia Nice, defende que a cultura de alimentos orgânicos se dissemine pelas periferias. Moradora do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, ela própria mantém com o filho um restaurante na região, com comida orgânica, saudável e acessível no cardápio. “Cuidadoras Ancestrais”, série do Nós, Mulheres da Periferia, narra as histórias de mulheres periféricas que lutam por justiça climática em várias frentes, da alimentação à medicina tradicional indígena, do amparo às comunidades vítimas de deslizamentos de terra à produção artística sobre o tema. Francy Baniwa, por exemplo, nasceu e cresceu na comunidade indígena Assunção do Içana, em São Gabriel da Cachoeira (AM), e se dedica ao projeto Amaronai-Ita, formado por mulheres que produzem absorventes ecológicos.
📙 Cultura
Os setores da produção artística, do patrimônio e da economia criativa ultrapassaram a contribuição do campo automotivo no PIB brasileiro. Os dados, de 2020, integram uma plataforma, lançada pelo Itaú Cultural, que mede a movimentação da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas (ECIC) no país. No ano citado, a área movimentou R$ 230,14 bilhões dos R$ 7,4 trilhões gerados pela economia, representando 3,11% do total, número maior que o do setor automotivo (2,5%) e próximo ao da construção civil (4%). Segundo o Nonada, o levantamento se baseia apenas em dados oficiais do governo e considera as as atividades econômicas registradas pelo IBGE, que não contemplam, por exemplo, a cultura popular.
Por falar em investimento: a ministra da Cultura, Margareth Menezes, publicou ontem no Diário Oficial da União as novas regras para o uso da Lei Rouanet. O Farofafá informa que a instrução normativa restabelece e amplia as possibilidades de uso da renúncia fiscal proposta na legislação, com o aumento dos tetos. A medida também corrige os tetos de cachês estabelecidos que haviam sido fixados em R$ 3.000 pelo ex-secretário de Cultura Mário Frias no ano passado. Agora, o teto passa a ser de R$ 25 mil por apresentação, para artista, solista e modelo, e de R$ 50 mil, para grupos artísticos e bandas, exceto orquestras.
🎧 Podcast
Shakespeare não precisa ser difícil. É o que afirmam o escritor Rodrigo Lacerda e a crítica literária Sofia Nestrovski, ambos especialistas no autor. No novo episódio do “451 MHz”, produção da Quatro Cinco Um, eles explicam o fascínio pela obra de um dos maiores gênios da literatura mundial. Leitoras ávidas ou não, a maioria das pessoas é impactada por sua obra no Ocidente. Suas peças reverberam em grande parte da produção cultural até hoje, com diversas edições, traduções e releituras. Lacerda, aliás, é o responsável pela nova tradução de “Rei Lear”, uma das obras-primas do dramaturgo inglês, que inspira, por exemplo, a série “Succession”.
✊🏽 Direitos humanos
Um projeto para acolher mães de jovens apreendidos. Ex-cozinheira do Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Estado do Rio de Janeiro (Degase), Sandra Santos fundou em 2011 a Casa Mãe Mulher, localizada a poucos metros do Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo. Ela criou a iniciativa depois de presenciar desmaios de mães, a maioria pretas e pobres, na fila da revista para visitar filhos. Muitas moram em municípios distantes, levam horas para chegar à unidade e passam muito tempo sem comer, ir ao banheiro ou beber água. As 14 voluntárias da Casa Mãe Mulher preparam-lhes café da manhã e almoço, organizam oficinas e palestras educativas e ainda oferecem orientação jurídica e apoio psicológico, como descreve o Colabora. “A Casa Mãe é um quilombo. Um dia eu estava aqui e ouvi aquela voz gritando para mim: ‘Sandra, a Casa Mãe é o grito dos ancestrais!’ Eu cheguei a me arrepiar”, conta a fundadora do projeto.