As violações ao povo Krenak e um reduto ecológico em risco no Ceará
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🔸 A Justiça decidiu manter a condenação ao Estado por violações ao povo Krenak durante a ditadura, por crimes como prisões arbitrárias, tortura, trabalho forçado e expulsão de suas terras em Minas Gerais. A Agência Pública explica que a decisão obriga a União, a Funai e o governo do estado a reconhecerem publicamente as violações, além de concluir a demarcação da Terra Indígena Sete Salões e reparar danos culturais e ambientais. O julgamento teve início em 2015, e a vitória foi celebrada ontem no Acampamento Terra Livre, em Brasília, como símbolo de justiça histórica. “Meu pai sofreu muito na ditadura. Foi construída uma escola para que o povo não falasse mais a nossa língua e aprendesse, forçado, a falar português. Um dia, ele não foi para a escola, um soldado descobriu, foi atrás e encontrou meu pai pescando na beira do rio. Esse soldado pegou meu pai, amarrou ele com um corda na cela do cavalo e arrastou ele, uma criança, para toda a comunidade ver. São coisas que ficam. Tem muito trauma no nosso território”, lembra a liderança Douglas Krenak.
🔸 Os povos indígenas, aliás, pedem equiparação de suas lideranças a chefes de Estado na COP30, a Conferência do Clima das Nações Unidas que ocorre em novembro, em Belém (PA). Durante o Acampamento Terra Livre, organizações indígenas da Amazônia, do Pacífico e da Austrália lançaram uma declaração conjunta exigindo que seus líderes tenham voz e poder no evento. O Colabora conversa com lideranças sobre a carta e traz a íntegra do documento. “Enquanto os governos seguem a lógica egoísta de ‘cada um por si’, nós, em uma união de povos, tecemos uma rede de resistência e esperança entre as terras da Amazônia e os mares do Pacífico. Nossos saberes ancestrais e nossos corações batem juntos, protegendo a terra, o ar e as águas, garantindo que o canto das florestas e oceanos nunca se apague”, diz um trecho da declaração.
🔸 A petroleira ExxonMobil transformou a Guiana em uma das maiores produtoras de petróleo do mundo, mas à custa de desigualdade crescente, fragilização ambiental e dependência econômica. Em reportagem do especial “Até a Última Gota”, a InfoAmazonia mostra que, desde 2015, a empresa lidera a exploração no bloco Stabroek, com três campos em operação e meta de dobrar a produção até 2027. A atuação da Exxon é alvo de críticas por práticas como a queima de gás sem licença, gerando 1,32 milhão de toneladas de CO2 entre 2019 e 2023. O contrato com a empresa, mantido em sigilo até 2017, destina 75% da receita às petroleiras e garante à Guiana apenas 2% em royalties – valores bem abaixo dos padrões internacionais.
🔸 O primeiro-ministro da Índia posou com uma ararinha-azul na inauguração do centro de conservação Vantara. Na foto divulgada pelo governo indiano, Narendra Modi segura nas mãos espécie endêmica do Brasil e extinta na natureza nos anos 2000. O Conexão Planeta lembra que a transferência de 26 ararinhas-azuis da Alemanha para o centro de conservação na Índia – sem autorização do Brasil – gerou forte reação do governo brasileiro, que exige a repatriação das aves. O Vantara se apresenta como um centro de resgate e reabilitação, mas já recebeu cerca de 39 mil animais de diversos países, incluindo espécies ameaçadas. Reportagens internacionais acusam o centro de atuar como um zoológico de luxo financiado por um conglomerado petroquímico, com possíveis irregularidades em importações e ausência de transparência.
📮 Outras histórias
Maior favela do país com 72 mil habitantes, a Rocinha apresenta um dado alarmante: é um dos bairros cariocas com a maior taxa de incidência de tuberculose. Uma das causas é a falta de ventilação nas moradias, que agrava a propagação de doenças respiratórias como tuberculose, asma e bronquite. Com densidade populacional de 48,3 mil pessoas por quilômetro quadrado, a favela registra incidência de tuberculose dez vezes maior que a média nacional. O Fala Roça ouve moradores sobre o problema e explica como se dá a transmissão da tuberculose. “Peguei tuberculose em agosto de 2022. Foi uma fase difícil… Fiz o tratamento por seis meses e me recuperei graças a minha rede de apoio e aos agentes de saúde do morro. Minha casa era literalmente uma caverna, muito mofada, ruim, não tinha entrada de ar”, conta Anderson Lopes, 26 anos.
📌 Investigação
Mais de 20% dos domicílios particulares no município do Rio de Janeiro estão em regiões de alta vulnerabilidade a chuvas extremas. O percentual corresponde a 599 mil domicílios particulares, dos quais 142 mil estão em áreas de vulnerabilidade muito alta, que combinam alta suscetibilidade a inundações ou deslizamentos, revela índice inédito da Ambiental Media, desenvolvido em parceria com o grupo de pesquisa RioNowcast+Green, da Universidade Federal Fluminense, no projeto “Rio 60ºC”. Com o aumento da temperatura global e as mudanças climáticas, eventos de chuva extrema serão cada vez mais intensos e frequentes, uma tendência que já é realidade no estado fluminense. No maciço da Pedra Branca, zona oeste da capital, há áreas de alto risco de deslizamento, mas até hoje não há estudos geológicos-geotécnicos – mapeamento fundamental para identificar as áreas que estariam sujeitas a impactos no caso de chuvas extremas.
🍂 Meio ambiente
Reduto da biodiversidade no Ceará, com 38 espécies em risco de extinção, o Maciço de Baturité tem sido alvo da especulação imobiliária, com danos irreparáveis ao meio ambiente para a construção de loteamentos e empreendimentos imobiliários. A Eco Nordeste conta que a proposta de criação de uma Autarquia de Meio Ambiente do município de Guaramiranga acendeu o alerta entre os moradores da região, ativistas e cientistas. Segundo o biólogo e ambientalista Gabriel Aguiar, a criação de autarquias municipais tem se tornado uma prática comum nos municípios do Ceará, com o objetivo de facilitar e acelerar o licenciamento de empreendimentos. O Maciço de Baturité resguarda heranças de paisagens de mais de 4.500 anos, de uma época em que a Amazônia e a Mata Atlântica se uniam como um único bioma.
📙 Cultura
Apesar de movimentar R$ 50 milhões nos setores hoteleiro, de gastronomia e de entretenimento, o Festival de Curitiba ainda tem dificuldades de receber patrocínios com antecedência – fator que os diretores do evento Leandro Knopfholz e Fabíula Passini indicam como fundamentais para aprimorá-lo. “Isso faz com que a gente possa errar menos. Serve como exemplo o reconhecimento de uma falha nossa: fechamos ‘Encantado’, da Lia Rodrigues, que era maravilhoso, depois que a gente tinha soltado a programação, porque não há essa antecedência para poder conversar com as companhias”, afirma Knopfholz. Segundo o Plural, a 33ª edição do festival, que aconteceu entre 24 de março e 6 de abril, contou com cerca de 350 atrações em mais de 70 endereços de Curitiba e Região Metropolitana, e recebeu mais de 200 mil pessoas. Além do financiamento, os diretores ressaltam a necessidade de reformas nos teatros da cidade e de aparelhos culturais adequados para a programação fora da área central.
🎧 Podcast
Um grupo de estudantes investiga, entrevista e produz reportagens para informar a comunidade em que vivem. Este é o caso do projeto Atualidades G3, iniciativa de alunos da Escola Estadual Professor Benedito Célio de Siqueira, no Grajaú, zona sul de São Paulo. As salas de aula se transformaram em uma empresa de comunicação, com rádio, equipamentos fotográficos e investimento na produção de vídeos. O “Vale Nota Ensino Médio”, produção da Agência Mural, explica que o processo que nasceu do desejo de deixar a comunidade bem informada virou um case de educação midiática: os alunos melhoraram nos estudos, aprofundaram suas habilidades de pesquisa e passaram a reconhecer com facilidade os conteúdos desinformativos que circulam na internet.
✊🏾 Direitos Humanos
Nesta semana, completaram-se 14 anos do Massacre do Realengo, quando o ex-aluno da Escola Municipal Tasso da Silveira, Wellington Menezes de Oliveira, entrou nas salas de aula e abriu fogo contra estudantes, matando 12 crianças – dez meninas e dois meninos – e ferindo outras 12. O Nós, Mulheres da Periferia destaca que o crime tem raízes em violências ainda disseminadas no cotidiano: o bullying – relatado pelo atirador na carta que deixou – e a misoginia – identificada a partir do padrão do ataque. Diante do episódio, o Congresso Nacional aprovou lei que instituiu o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola. A proposta, apresentada ainda em 2011, enfatizou que enfrentar o bullying e as múltiplas dimensões de agressão exige o envolvimento de toda a sociedade, incluindo políticas públicas estruturadas. A reportagem ainda lista quatro obras de familiares, sobreviventes, jornalistas e artistas para preservar a memória das vítimas e refletir sobre o massacre.