A viagem de Lula que mudou o Brasil e a posse vista de sua terra natal
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🔸 Há 70 anos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) era um menino retirante que deixava com a família o Sítio Vargem Comprida, no então distrito de Caetés, em Pernambuco, com destino ao Guarujá, em São Paulo. Era guiado pela mãe, Dona Lindu, ao lado de cinco irmãos na jornada de pau de arara de mais de 2.500 quilômetros. Durante 13 dias e 13 noites, a família dividiu a carroceria de um caminhão com 60 pessoas rumo à possibilidade de um futuro melhor. O Marco Zero refaz a viagem que acabaria por conduzir Lula à rampa do Palácio do Planalto no último domingo, quando, pela terceira vez, tomou posse como presidente da República. A reportagem volta aos anos 1950 para apresentar o contexto em que a família Silva deixou o agreste pernambucano, visita Caetés, recorda o encontro de Lula com o rio São Francisco e com a estrada do aço em Minas Gerais, até desembarcar na casa onde a família, enfim, chegou.
🔸 “Há muito tempo não víamos tamanho abandono e desalento nas ruas. Trabalhadores e trabalhadoras desempregados, exibindo nos semáforos cartazes de papelão com a frase que nos envergonha a todos: ‘Por favor, me ajuda’.” Aos prantos, Lula teve dificuldades para completar o trecho do discurso na posse, em Brasília. O Nexo esmiúça a fala do presidente a partir de cinco eixos: a vitória da democracia, a busca por reconstrução, a responsabilização da gestão anterior, o pedido de união e as críticas ao modelo econômico atual.
🔸 A posse marca o início da gestão Lula frente a uma crise social sem precedentes. Estima-se que 281 mil brasileiros vivam hoje em situação de rua, quase metade das crianças menores de 14 anos estão abaixo da linha da pobreza e passa de 68 milhões o número de pessoas endividadas. A revista piauí ilustra, na seção =Igualdades, o Brasil que o presidente Lula herdou.
🔸 Marielle presente. A vereadora carioca Marielle Franco, brutalmente assassinada em 2018, esteve nos gritos por justiça ao longo da posse, estampou bandeiras e camisetas, e se fez ainda mais presente na figura de sua irmã, Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial. Ontem, a vereadora negra, favelada e mãe solteira também foi central no discurso de Flávio Dino, ministro da Justiça e da Segurança Pública. Como informa a CartaCapital, Dino afirmou: “É uma questão de honra do Estado brasileiro empreender todos os esforços possíveis e cabíveis – e a Polícia Federal assim atuará – para que esse crime seja desvendado definitivamente e saibamos quem matou Marielle”.
🔸 Outra fala contundente foi a da ministra da Saúde, Nísia Trindade. A socióloga e cientista social, atual presidente da Fundação Oswaldo Cruz, é a primeira mulher a comandar a pasta. O Congresso em Foco destaca o chamado à ciência no discurso dela: a ministra adiantou que revogará normativas publicadas pelo governo Bolsonaro que “ofendem a ciência, os direitos humanos e os direitos sexuais reprodutivos”. Também anunciou a criação de um departamento de saúde mental e ressaltou que sua gestão será pautada pela “ciência e pelo diálogo com a comunidade científica”.
🔸 Na Educação, Paulo Freire exaltado. Depois de quatro anos de ataques bolsonaristas, o mais importante educador brasileiro, intelectual incontornável e mentor da educação para a consciência, foi lembrado por Camilo Santana (PT) em sua posse na pasta da Educação. “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho. Os homens se libertam em comunhão”, disse o ministro, citando Paulo Freire. O Portal Terra lembra que Santana afirmou que a alfabetização de todas as crianças será prioridade do governo e prometeu reforçar o orçamento das universidades.
🔸 Na Secom, o foco estará no combate à desinformação. Paulo Pimenta, ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, defendeu a importância de o governo recuperar sua “capacidade de ser um difusor de informações com credibilidade”. Em entrevista à Lupa, ele explicou que a área de comunicação da nova gestão tem três pautas: prestação de serviço, comunicação institucional e posicionamento da imagem do governo dentro e fora do Brasil. Pimenta também lembrou que será preciso repensar a comunicação do governo com ênfase nas novas tecnologias: “O máximo que existia nos primeiros governos de Lula era o Orkut. É evidente que não tem como a gente pensar a comunicação a partir de parâmetros do que era em 2002 e 2006”.
🔸 Enquanto isso, o ex-presidente Jair Bolsonaro é alvo de um pedido de prisão preventiva, feito pelo PSOL pediu ao Supremo Tribunal Federal. Segundo o Sul21, o partido entende que, na condição de ex-presidente, além de perder a prerrogativa de foro, Bolsonaro também perde a chamada imunidade penal temporária. Os acampamentos bolsonaristas se diluíram logo após a posse de Lula. A área em frente ao quartel general do Exército em Brasília, ocupada havia 60 dias por apoiadores de Bolsonaro, converteu-se em cidade-fantasma, como define o Metrópoles. Parte da megaestrutura já foi recolhida, não houve o tradicional buzinaço de caminhões pela manhã, e a via principal de acesso ao QG foi reaberta.
🔸 “Pelé redimiu negras e negros e, sem saber, provocou uma crise na fábula da ‘democracia racial à brasileira’: brancos no topo, pretos na base. Ele estimulou a demolição, em todos os quesitos, da tese do supremacismo racial branco. Sua genialidade carbonizou os estereótipos racistas do preconceito (‘o negro é preguiçoso e incapaz de pensamento inventivo e criativo’), da discriminação racial (‘o negro é incapaz de sobreviver nos espaços do branco’) e do racismo (‘o negro é incapaz de expressar sua essência humana soterrada na barbárie da escravização).” A Alma Preta publica texto de Juarez Tadeu de Paula Xavier, professor da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da Unesp, sobre a vida e as possibilidades de Pelé, o maior craque do futebol de todos os tempos, morto na última quinta-feira (29).
📮 Outras histórias
Caetés, terra natal de Lula, viu a posse em silêncio. Nas ruas desertas, não havia bandeiras ou adereços em alusão ao presidente que, por lá, recebeu 91% dos votos no segundo turno. Os moradores estavam dentro de casa, diante da TV, emudecidos e atentos ao discurso do filho pródigo de Caetés. Cancelaram a festança que havia sido programada em respeito ao ex-prefeito Armando Duarte, morto no último dia 28. O Plural acompanhou a posse na cidade, localizada a 245 quilômetros de Recife, e conta que era impossível puxar conversa antes que Lula terminasse seu discurso. “Desculpa, não posso falar agora” era o que se ouvia diante de perguntas da reportagem.
📌 Investigação
Uma morte brutal marcou 2022 – e não foi um caso isolado, mas uma realidade cotidiana. Genivaldo de Jesus Santos tinha 38 anos em maio do ano passado, quando foi abordado por agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Umbaúba, em Sergipe. Ele morreu após ser amarrado e colocado no porta-malas da viatura numa espécie de câmara de gás criada pelos policiais. A Ponte revela que os abusos policiais são, na verdade, uma prática da PRF no município, segundo os próprios moradores: “Faz poucas semanas, abordaram um rapaz aqui na pista, e ele quase morria. Bateram a moto deles na moto do rapaz, o rapaz tombou e a carreta passou pertinho. Tem uns meninos aqui que têm mancha no rosto, pelo corpo, porque eles pisaram de pé, na mesma semana que mataram Genivaldo”.
📋 Checagem
“É inadmissível que os 5% mais ricos deste país detenham a mesma fatia de renda que os demais 95%.” A afirmação de Lula no discurso da posse é verdadeira. O presidente, no entanto, errou ao afirmar que, nas gestões anteriores, acabou com a fome e a miséria no país. O Aos Fatos checou o discurso todo e lembra que, em nenhum momento da série histórica da pesquisa do IBGE sobre insegurança alimentar (iniciada em 2004), o país deixou de ter milhões de pessoas na categoria “grave”, ou seja, vítimas da fome.
🍂 Meio ambiente
Marina Silva tinha 17 anos quando foi atraída para a luta socioambiental a partir de um cartaz de um curso de liderança sindical rural ministrado pelo seringueiro Chico Mendes. Nascida em uma pequena comunidade no Seringal Bagaço, na zona rural de Rio Branco, no Acre, ela conheceu a realidade de seringueiros e das comunidades da Amazônia. Senadora mais jovem da história do Brasil em 1994, foi reeleita em 2002, ano em que Lula sagrou-se presidente pela primeira vez e a nomeou para o Ministério do Meio Ambiente. Em sua gestão, o índice de desmatamento na Amazônia caiu mais da metade, após a criação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal. O InfoAmazonia narra a trajetória da acriana, novamente ministra da pasta, e os desafios que encontrará após a política antiambiental de Bolsonaro.
Evitar o colapso da Floresta Amazônica deve ser a prioridade do novo governo. Em 2021, o Painel Científico da Amazônia, composto por mais de 200 cientistas, publicou um relatório que evidencia a perda de resiliência do bioma diante dos distúrbios causados. O documento ainda aponta duas estratégias para salvá-la: zerar as perdas de floresta até 2030 e promover a restauração florestal nas fronteiras de desmatamento. A Amazônia Latitude detalha o que é necessário, de acordo com informações científicas, para impedir o ponto de não retorno.
📙 Cultura
Promessa de campanha, Lula recriou o Ministério da Cultura, e o órgão agora dispõe de seis secretarias: Cidadania e Diversidade Cultural; Direitos Autorais e Intelectuais; Economia Criativa e Fomento Cultural; Formação, Livro e Leitura; Audiovisual; e Comitês de Cultura. A recriação da pasta comandada pela cantora Margareth Menezes coloca a diversidade, incentivo à leitura e a descentralização dos recursos como prioridades. O Nonada descreve a volta robusta do MinC, que só foi possível com a aprovação de um orçamento recorde para a Cultura em 2023.
“Em 2018, comecei a documentar sobre a vida desses trabalhadores com o objetivo de sensibilizar os moradores da Maré e o público geral que acompanha o trabalho para as pautas socioambientais no que tange à preservação das águas.” Esse é o relato do fotógrafo independente Patrick Marinho, cria do Morro do Timbau, área do Complexo da Maré localizada numa margem da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. O Maré de Notícias reúne fotografias de moradores e trabalhadores da região feitas por Patrick.
🎧 Podcast
Cultura, tradição, língua e reivindicação são diálogos abertos a partir da presença de indígenas na literatura brasileira. Episódio do 451 MHz, produção da revista Quatro Cinco Um e da Rádio Novelo, conversa com a escritora de origem mapuche Carola Saavedra e o poeta Rubens Akira Kuana para refletir sobre o papel da literatura no resgate da identidade indígena e na tradução de cosmovisões dos povos originários. Saavedra resgata a ideia que permeia muitos povos do continente americano, de que, no início, tudo era humano. Então, veio a metamorfose que transformou a “humanidade primordial” em montanhas, rios e animais, compostos também por subjetividades. É uma visão oposta à do mundo ocidental, segundo a qual no princípio tudo era animal, e o ser humano seria o ápice da evolução.
✊🏽 Direitos humanos
Entre os temas da segurança alimentar e da inflação sobre os alimentos da cesta básica, está a estruturação da política econômica seguida há mais de duas décadas, em que se prioriza “equilíbrio externo” e mantém o país refém da exportação de commodities. Nessa conta, entram múltiplos fatores, como a explosão dos preços dos alimentos e transportes, o aumento do desemprego, a queda nos pagamentos de seguridade social e a elevação da taxa cambial. O Le Monde Diplomatique Brasil reproduz o capítulo do livro “Direitos Humanos no Brasil 2022”, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, que aborda a tensão inflacionária na alimentação da população que está na base da pirâmide social.