As usinas a carvão no país da COP30 e a protagonista negra em 'Vale Tudo'
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 Às vésperas da COP30, enquanto tenta se cacifar como liderança climática, o Brasil subsidia usinas de energia movidas a carvão. Isso é feito por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo criado para custear várias políticas públicas do setor elétrico, que, desde 2013, reembolsa 100% da compra do carvão mineral nacional para geração elétrica. Segundo o Instituto Internacional Arayara, organização voltada para litigância climática, os brasileiros gastam mais de R$ 1,04 bilhão por ano no subsídio embutido na tarifa de energia para incentivar a geração a carvão. A Agência Pública apurou que duas térmicas continuam recebendo o reembolso da CDE: uma no Rio Grande do Sul, e outra em Santa Catarina – as duas maiores emissoras de gases do efeito estufa entre as 67 térmicas do país, segundo dados de 2023. A reportagem lembra que, embora o subsídio via CDE acabe em 2027, a usina catarinense conseguiu estender sua operação até 2040.
🔸 Falando em combustível fóssil… Para furar o primeiro poço na Foz do Amazonas, a Petrobras deve gastar R$ 842,4 milhões. A empresa precisou apresentar a conta a pedido do Ibama. Os recursos são assim distribuídos: R$ 793,3 milhões para implantação, R$ 46,7 milhões para programas e projetos de mitigação de impactos, outros R$ 2 milhões para garantias, apólices e seguros relacionados aos equipamentos de resposta a emergência em nível internacional, e R$ 379 mil para o licenciamento ambiental. Segundo a Eixos, a petroleira estima já ter gasto muito mais que isso: a conta, desde 2022, já ultrapassa R$ 1 bilhão, somente com atividades relacionadas ao licenciamento ambiental.
🔸 A área queimada no Brasil em 2024 teve o tamanho do estado do Paraná. Já o número de bombeiros para combater os incêndios foi pífio. Relatório do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostra que, no período, o país tinha disponíveis 71.846 bombeiros militares, uma média de 0,36 bombeiros por 1.000 km2 – ou menos de um bombeiro para uma área equivalente a toda cidade de Belém, sede da COP30. O Eco detalha o relatório “Fogo em Foco – 2024-2025” e destaca que, em estados brasileiros como Mato Grosso e Pará, o número de bombeiros para combater incêndios foi ainda menor. Além deles, os brigadistas também fazem esse trabalho em áreas florestais. Em 2025, o Ministério do Meio Ambiente contratou 4.385 profissionais nessa frente.
🔸 O governo promete alinhar políticas de alimentação e clima, hoje dispersas. O primeiro passo é o Marco de Referência de Sistemas Alimentares e Clima para Políticas Públicas, elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento. O Joio e O Trigo analisa o documento que organiza premissas, princípios e caminhos, com foco em Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), soberania alimentar, justiça social e climática, e sociobiodiversidade. O texto propõe o “federalismo climático”: um pacto entre União, estados, Distrito Federal e municípios para que a transição alimentar e ambiental avance de forma coordenada. O marco, porém, tem um limite que ele próprio não pode contornar, nas palavras de Lilian Rahal, a secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional: sua intenção é orientar, e não impor. Em suma, as diretrizes dependem da adesão voluntária de gestores e da disposição política de cada instância pública. “É preciso olhar para a alimentação não apenas pela disponibilidade de comida, mas pela qualidade do que se come e pela forma como é produzida”, afirma Rahal.
📮 Outras histórias
Helena Ferreira tinha 7 anos quando criou um espaço de acolhimento para crianças pretas. Assustada com as operações policiais no Morro da Providência, no Rio de Janeiro, ela teve a ideia e a implantou junto com a irmã Eduarda. “Eu morava em um lugar onde o tiroteio fazia parte da rotina. Eu tinha medo de ser mais uma vítima da violência, e a leitura foi o meu refúgio”, diz Helena. Hoje, aos 17 anos, ela é co-fundadora de dois projetos na comunidade: Pretinhas Leitoras e da Biblioteca do Erê. O Voz das Comunidades conta que a biblioteca reúne centenas de livros com foco na literatura negra e promove oficinas e rodas de leitura que trabalham autoestima, identidade e consciência crítica. A reportagem narra ainda a trajetória de outra menina preta que é fonte de inspiração: Lua Miranda, 8 anos, atriz, sambista e recentemente coroada musa da Mangueira. “Me senti muito feliz. As merendeiras da minha escola foram as primeiras a comemorar comigo. Minha mãe sempre sonhou que eu fosse musa da Mangueira, mas agora é também o meu sonho”, afirma Lua.
📌 Investigação
“Os animais estão sendo atropelados, a produção de açaí e pupunha caiu e a especulação imobiliária já chega à porta”, denuncia Vanuza Cardoso, liderança espiritual do Quilombo do Abacatal, em Ananindeua, no Pará. O território tradicional com mais de 300 anos de resistência sofre com os impactos da construção da avenida Liberdade, considerada pelo governo do Pará como um legado da COP30. A Carta Amazônia ouviu os relatos dos quilombolas, que afirmam que a construção de um túnel para dar acesso à avenida Liberdade foi realizada sem a devida consulta prévia, livre e informada, como estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Segundo as lideranças, a obra não foi deliberada em nenhuma reunião com os representantes do governo.
🍂 Meio ambiente
Promotor aposentado e dono de um escritório de advocacia com três mineradoras como clientes, Edson de Resende foi nomeado para presidir a Fundação Estadual do Meio Ambiente em Minas Gerais. O órgão é responsável por autorizar e fiscalizar barragens e atividades minerárias. O governador Romeu Zema (Novo) o nomeou menos de um mês depois de a Operação Rejeito, da Polícia Federal, revelar um esquema de corrupção no licenciamento ambiental de mineradoras no estado. Segundo a Repórter Brasil, Resende se aposentou da carreira de promotor do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) no ano passado e fundou um escritório especializado em direito ambiental, eleitoral e gestão pública. Um de seus clientes é a Itaminas, que o procurou para acompanhar uma reunião com promotores do MPMG sobre a Mina da Jangada, em Brumadinho, no mesmo complexo onde ocorreu o rompimento da barragem da Vale em janeiro de 2019. O empreendimento foi arrendado pela Vale à Itaminas, e o inquérito analisa a legalidade da retomada das operações, paralisadas desde o desastre. Os moradores das comunidades locais têm medo de que a exploração comprometa o abastecimento de água da região.
📙 Cultura
“Para mim, a personagem Raquel sempre foi preta. Só era branca pela nossa incapacidade social no momento de dar protagonismo a uma atriz preta”, disse a autora Manuela Dias antes do lançamento de “Vale Tudo”, ao anunciar que a protagonista do remake da novela, Raquel Acioli, seria vivida por Taís Araújo. Em 1988, ano do folhetim original, Raquel foi interpretada por Regina Duarte. O anúncio da protagonista negra foi motivo de celebração, mas, ao longo da novela, a personagem foi deslizando rumo à irrelevância. Na revista piauí, o repórter João Batista Jr. analisa o que se deu entre a comemoração na estreia e a frustração com o apagamento de Raquel Acioli – no remake, ela sofre uma derrocada e volta à pobreza. A queda expôs o choque entre a expectativa de uma nova narrativa para mulheres negras e o retrocesso percebido na trama.
🎧 Podcast
O antropólogo Michel Alcoforado passou 15 anos infiltrado no mundo das elites econômicas brasileiras e, para isso, precisou mudar a própria imagem e personalidade para se tornar o “antropólogo do luxo”. A “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, mergulha na jornada e experiência do próprio pesquisador para chegar ao livro “Coisa de Rico: a Vida dos Endinheirados Brasileiros”, um dos maiores sucessos editoriais deste ano, e como esse processo o transformou. Alcoforado teve até que inventar uma secretária pessoal para não ser tratado como “desocupado”. O motivo: ao contrário das elites europeias que historicamente valorizam o ócio, os ricos brasileiros precisam se mostrar “ocupados” perante a sociedade.
👩🏾⚕️ Saúde
“Muitas pessoas consomem alimentos inadequados não por vontade, mas por falta de acesso e educação nutricional. Quando as condições econômicas definem a escolha, ela deixa de ser voluntária”, afirma Lucas Alves, mestre em Nutrição Clínica. A desigualdade social faz com que os mais pobres consumam mais produtos ultraprocessados pelo preço mais baixo e também pela facilidade de acesso, o que incide sobretudo nas populações racializadas. “Enquanto bairros planejados têm feiras e hortifrutis, comunidades negras convivem com a escassez e os ultraprocessados”, explica a Rede Ajeum, coletivo de nutricionistas e estudantes negros. A Alma Preta detalha como os ultraprocessados impactam a saúde de grupos vulneráveis e destaca o consumo de refrigerantes como um dos produtos mais consumidos e danosos – inclusive os sem açúcar.