A única mulher indígena eleita prefeita e os lavadores de legumes
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🔸 “Nós [ministros do STF] decidimos as questões mais divisivas da sociedade brasileira, num mundo plural. Não existem unanimidades. Porém, não se mexe em instituições que estão funcionando e cumprindo bem a sua missão por injunções dos interesses políticos circunstanciais e dos ciclos eleitorais.” O discurso de Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, veio um dia depois de a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovar um pacote que limita a atuação da Corte. O Jota detalha a fala de Barroso, uma reação direta às propostas dos parlamentares.
🔸 Pauta antiga do grupo político de Jair Bolsonaro (PL), o pacote que limita o STF é uma ameaça aos povos indígenas. É assim que a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, avalia as propostas aprovadas nesta semana pela CCJ. “Aqui nessa Casa, quando se trata da pauta indígena, ambiental ou quilombola, nós temos apenas 135 votos, que são os da base do governo. É na instância do STF que conseguimos garantir os direitos das minorias”, afirma ao Congresso em Foco. A deputada ressalta que o debate acontece em um contexto em que os direitos dos povos originários estão sob ameaça pelo Congresso – o primeiro movimento de retaliação do Legislativo ao Judiciário na atual legislatura foi justamente a aprovação da Lei do Marco Temporal, que restringe as demarcações de terras indígenas às ocupadas até 1988.
🔸 A única mulher indígena eleita prefeita no país é Ninha (PSD), da etnia Potiguara. Com quase 5 mil votos, ela vai administrar a cidade de Marcação, no litoral norte da Paraíba. Com nove mil habitantes, o município tem a maior proporção de indígenas do estado (88%) e uma das dez maiores do Brasil. O Colabora conta que, além da prefeita, os nove vereadores eleitos na cidade também são indígenas da etnia Potiguara – cinco homens e quatro mulheres. Em todo o país, apenas sete indígenas vão comandar prefeituras.
🔸 O Brasil elegeu 26 pessoas trans nas eleições do último domingo. São 25 mulheres trans/travestis e um homem trans. “Porém, a comunidade trans é diversa e complexa, como qualquer outra. Aliás, nem sempre o termo ‘comunidade’ faz sentido. Dentre as 967 candidaturas trans registradas neste ano no TSE, diversas estão inseridas em coligações de direita e até de extrema direita, com PP, PL, União Brasil, Republicanos, PSD, MDB e etc. É algo estranhíssimo quando constatamos o óbvio: a maioria desses partidos defende, direta ou indiretamente, o cerceamento dos direitos das pessoas trans”, escreve Lana de Holanda Pelech, em artigo no Intercept Brasil. Ela pondera que eleger transgêneros não resolve automaticamente os problemas sociais da comunidade. “A política institucional precisa ser ocupada por gente comprometida com justiça social. E numa realidade onde o patriarcado e a transfobia andam de mãos dadas, é muito importante que parte dessa gente seja trans.”
🔸 O Ministério Público de São Paulo recorreu da decisão que extinguiu as penas de todos os policiais condenados pelo massacre do Carandiru, que completou na última semana 32 anos. A Ponte retoma o caso e conta que as penas haviam sido extintas porque o Tribunal de Justiça de São Paulo considerou constitucional o indulto concedido por Jair Bolsonaro em 2022 – medida que beneficiou 74 policiais condenados pela morte de 111 detentos. Para o promotor Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, o indulto não se aplica a crimes cometidos com grave ameaça ou violência – daí o pedido de anulação da decisão.
📮 Outras histórias
“Ele disse que, por causa das minhas características físicas, eu reprovaria na disciplina, independentemente de frequentar as aulas ou não.” Rafael Mota Dantas, um estudante negro do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Sergipe (UFS), ouviu a afirmação de um professor – Tácito Augusto de Farias teria dito diante de toda a turma, e quase todos os alunos pediram para trancar a disciplina. Segundo a Mangue, Rafael registrou denúncia e relatou ter sido vítima de uma série de comentários racistas pelo mesmo professor. Disse ter ficado tão constrangido que nem sequer conseguiu responder às injúrias sofridas em sala de aula. O docente não respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem.
📌 Investigação
Desde o governo Bolsonaro, o sistema de inteligência Córtex é fornecido para guardas civis e servidores de fora do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), como “contrapartida” para que estados e municípios compartilhem dados sensíveis de cidadãos, imagens de câmeras nas ruas e notas fiscais. A Agência Pública revela que os usuários do Córtex, que possui mais de 55 mil civis e militares cadastrados, podem consultar os dados livremente sem registrar a motivação, e as pessoas podem ser monitoradas nas ruas sem prévia análise do Judiciário e fora de inquéritos policiais. Os documentos obtidos pela reportagem mostram que o Ministério da Justiça e Segurança Pública detectou casos de venda de senhas e presença de contas automatizadas no sistema, que extraíam grandes volumes de dados sigilosos de milhões de brasileiros.
🍂 Meio ambiente
No Parque Saint’Hilaire, em Porto Alegre (RS), a retirada de espécies exóticas, como pinus e eucaliptos, com maquinários pesados tem desmatado também árvores nativas, segundo denúncias de moradores da região. “No meio de pinus e eucaliptos tem Mata Atlântica em estágio médio, que chamam de sub bosque. Quando eles vêm com maquinário pesado por cima, eles acabam destruindo a mata nativa também. Além disso, de quatro nascentes, duas foram soterradas”, afirma Franciele Dornelles. O Sul21 lembra que o parque é uma unidade de conservação que o prefeito da capital gaúcha Sebastião Melo (MDB) cedeu à prefeitura de Viamão, há quase dois anos. Os moradores também estão preocupados com a concessão do espaço à iniciativa privada, uma proposta de Viamão que já está pré-aprovada pelo governo do estado.
📙 Cultura
Conhecidos por sua contribuição com a produção artística e cultural do interior baiano, os artistas Ana Barroso e Guigga compõem o elenco da adaptação para teatro musical do livro “Torto Arado”, do escritor baiano Itamar Vieira Junior. A peça está em cartaz até o fim deste mês, em Salvador (BA). O Conquista Repórter conversa com os atores sobre a participação na adaptação de um dos livros mais vendidos do país. “Severo é um personagem que fala muito de mim, da minha comunidade, das pessoas com quem eu convivi ao longo da vida: do meu pai, dos meus avós, da minha mãe… Um sonhador. Saiu também assim como eu do Sertão da Bahia na expectativa de conquistar espaço e novas oportunidades de vida”, conta Guigga, do povoado do Peixe, em Maracás (BA).
🎧 Podcast
Para que os vegetais cheguem lavados e embalados ao mercado e à geladeira do consumidor, questões trabalhistas, sociais, ambientais e sanitárias são ignoradas. O “Prato Cheio”, produção d’O Joio e O Trigo, mergulha em uma das etapas invisíveis no caminho dos alimentos – a da lavagem. Trabalhadores passam dias e noites, às vezes em jornadas de 14 horas, em barracões próximos aos rios, com o frio causado pelas roupas alagadas e com o som de máquinas para lavarem os alimentos que vão para o consumidor final. O episódio foi até Piedade, município de 53 mil habitantes no interior de São Paulo, onde está uma das rotas da lavagem de legumes.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
Em vídeo: “A gente tem que provocar neles [nas crianças] o desejo de outros mundos, que não seja a reprodução deste mundo gasto”, afirma Ailton Krenak, liderança indígena, ambientalista, filósofo e escritor. No aniversário de 71 anos do ativista, em 29 de setembro, o Projeto Preserva o visitou em Resplendor (MG), uma ilha do Rio Doce onde está a aldeia Krenak. Ao lado do fotógrafo japonês Hiromi Nagakura, Ailton começou, nesta “ilha do fim do mundo”, como descreve, a lançar novas sementes para o futuro. Durante a entrevista, o escritor falou sobre a importância de questionar a distopia do mundo atual e lembrou que as possibilidades de criar outros mundos requer “adaptação, resiliência e desejo de mudança”.