Um impasse inesperado na COP30 e os 'playboys do tráfico' no país
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🔸 As negociações da COP30 enfrentam um impasse inesperado no tema da adaptação climática, travado pela insatisfação de países mais pobres com a falta de financiamento dos mais ricos. A Sumaúma mostra como foi o terceiro dia da conferência em Belém e explica que a questão do financiamento está causando um bloqueio imprevisto num documento que vai fixar cem indicadores para medir o progresso dos países na adaptação a um mundo mais quente. O texto estava quase pronto, mas agora vários grupos, como os das nações africanas e árabes, estão sugerindo que sua aprovação seja adiada por dois anos. A diplomata Liliam Chagas, chefe da equipe de negociadores do Brasil, afirma que buscará consenso: “É um mandato para este ano. Achamos que uma das maneiras concretas de reforçar o multilateralismo é cumprir esse mandato”. A União Europeia diz não poder suprir sozinha o buraco deixado pelos EUA e pressiona por novos financiadores, citando mudanças no papel internacional de países como China e Arábia Saudita.
🔸 Na noite de terça, manifestantes ocuparam o Hangar Centro de Convenções da Amazônia. A revista Cenarium conta que a ocupação foi motivada por críticas à exploração de petróleo na Foz do Amazonas, ao Marco Temporal e ao projeto de lei 2.159/2021 (conhecido como PL da Devastação), além da percepção de baixa visibilidade das comunidades tradicionais nas negociações. O ato resultou em confronto com a segurança e registros de hostilidade contra jornalistas. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) diz que não coordenou a manifestação, mas destacou, em nota: “O movimento indígena sabe o que veio fazer e conhece o espaço que ocupa: estamos aqui para continuar arrancando compromissos e reafirmando que a resposta somos nós”.
🔸 Uma organização de pecuaristas anunciou um churrasco para celebrar o “dia da pecuária sustentável” na COP30. O evento foi marcado para o próximo dia 17 e será sediado na AgriZone, espaço patrocinado por gigantes do agro e mobilizado pela Embrapa e o Ministério da Agricultura e Pecuária. A Alma Preta lembra que a agropecuária foi responsável por 74% de toda emissão de gases de efeito estufa do país em 2024, segundo dados do Observatório do Clima. “É uma afronta às discussões que estão acontecendo na COP30”, afirma Thales Vieira, diretor de programas do Observatório da Branquitude. Autor de um estudo sobre a branquitude e a agropecuária, ele destaca que 70% dos donos de gado são brancos. “O setor agro brasileiro tem pouquíssimo compromisso de se imaginar e de se pensar formas que sejam menos predatórias ao meio ambiente”, afirma.
🔸 A propósito: os irmãos Joesley e Wesley Batista estão na lista VIP de “convidados do país anfitrião” para a COP30, ao lado de representantes de petróleo (Petrobras, ExxonMobil) e mineração (Vale, Samarco, Sigma e Ibram). Os Batista são donos da J&F Holding, que entre outras empresas é dona da marca JBS, a maior produtora de carne bovina do mundo. A Agência Pública apurou que os irmãos bilionários não estavam na COP anterior, embora a JBS tenha tido três credenciados, e destaca o passivo ambiental da JBS: só em 2025, foram quatro multas do Ibama, que, juntas, passam dos R$ 660 mil. O grupo J&F também controla a Âmbar, dona da termelétrica a carvão Candiota III – maior emissora de gases de efeito estufa entre as térmicas do país em 2024.
🔸 Enquanto isso, em Brasília, o governo tenta frear a votação do Projeto de Lei Antifacção na Câmara dos Deputados e pressiona por mudanças em quatro pontos centrais do texto. Mesmo após o relator Guilherme Derrite (PP-SP), secretário licenciado de Segurança Pública de São Paulo, recuar em temas sensíveis, como a equiparação de facções criminosas ao terrorismo e a limitação da atuação da Polícia Federal, o Planalto avalia que o parecer ainda desfigura a proposta original enviada pelo Executivo. A CartaCapital detalha os quatro pontos que o governo quer alterar.
🔸 Em áudio: avança na Câmara mais uma ofensiva da direita contra o aborto legal. Os deputados aprovaram um projeto de decreto legislativo que suspende uma resolução do Conselho Nacional da Criança e do Adolescentes (Conanda) sobre o acesso ao aborto legal por crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. O “Durma com Essa”, podcast do Nexo, explica como foi a votação do projeto e qual o panorama do aborto no Brasil. Em tempo: 78% das vítimas de violência sexual são meninas de até 17 anos; 61% têm menos de 14 anos e, em 63% dos casos, o agressor é um familiar.
📮 Outras histórias
A professora Zuleide Queiroz (PSOL-CE) tornou-se a primeira parlamentar negra da Assembleia Legislativa do Ceará, ao substituir o deputado Renato Roseno. O Negrê ressalta que a chegada da professora ao Parlamento ocorre em um momento carregado de simbolismo, o Mês da Consciência Negra. Pedagoga com pós-doutorado e trajetória em direitos humanos, Zuleide leva a agenda racial ao centro do Legislativo cearense. “Estar na assembleia significa enegrecer aquele espaço. Serei a primeira parlamentar da Casa com um mandato focado na questão racial. A população tem o direito de ver uma mulher negra representando essa pauta. Não é apenas sobre mim, é sobre abrir caminhos, ocupar espaços de poder e dar visibilidade à presença de mulheres negras”, afirma.
📌 Investigação
As remunerações médias das pessoas autodeclaradas negras são menores do que a média nacional em todas as 87 divisões de atividades econômicas disponíveis na Relação Anual de Informações Sociais, revela levantamento da Fiquem Sabendo. No setor de extração de petróleo e gás, pretos e pardos ganham quase R$ 4,6 mil a menos por mês do que a média da atividade econômica. Já ao considerar 251 grupos de atividades econômicas com mais de 5 mil empregados, em apenas seis o salário das pessoas autodeclaradas negras é maior que a média nacional. Em “atividades de administração de fundos por contrato ou comissão” e em “intermediação não monetária”, como bancos de investimento, a desvantagem salarial supera R$ 5 mil. Na administração de fundos, as pessoas negras ganham, em média, R$ 6,8 mil em carteira assinada, e as pessoas brancas, R$ 14,4 mil.
🍂 Meio ambiente
“Apesar de existirem políticas e recursos destinados ao enfrentamento da crise climática, a Caatinga segue à margem”, diz Daiane Dultra, gestora social e fundadora da Painá Impacto. Em artigo na Cajueira, ela destaca o apagamento da Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro e historicamente negligenciado, nos debates para financiar iniciativas de adaptação, mitigação e proteção. “O pouco financiamento climático que chega ao Brasil tem destino certo: grandes estruturas, projetos robustos e organizações com capacidade técnica elevada. As experiências locais, conduzidas por agricultores familiares, redes comunitárias e coletivos que já atuam com tecnologias sociais e adaptação ao clima, ficam com uma parte bem pequena (mas bem pequena mesmo!) deste recurso. Falta reconhecimento e falta estrutura para fazer com que esses recursos cheguem à ponta.”
📙 Cultura
“Minha avó foi uma mulher analfabeta, e hoje eu sou uma mulher escritora. Isso é muito forte pra mim”, afirma Duda Nazaré. Nascida no povoado do Capinal, na zona rural de Vitória da Conquista (BA), a jovem lançou seu primeiro livro, “Contos de Maria neta e Maria vó”, que reúne memórias de infância e homenageia as mulheres de sua família. Sua avó, Maria Vitória, ajudou a construir sua identidade como escritora pelo desafio da educação formal. “Eu lembro quando vi a identidade dela e só tinha a digital. Perguntei pra minha mãe por que, e ela respondeu: ‘Sua avó não sabe escrever, minha filha.’” Essa imagem foi determinante para o nascimento de sua escrita. O Conquista Repórter narra a trajetória de Duda, marcada pela persistência e resistência. Além do livro, a escritora tem outros contos e poesias para publicar e deseja compartilhar suas vivências com o público, sobretudo nas escolas. “Quero inspirar outras meninas e meninos pretos a escreverem e publicarem seus escritos.”
🎧 Podcast
Ao contrário do estereótipo do traficante brasileiro – do homem negro jovem – perpetuado pela mídia e pela polícia, jovens ricos entram para o crime pela aventura. Longe das favelas e do epicentro da guerra às drogas, eles movimentam quilos de cocaína e enormes quantidades em dinheiro. A “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, mergulha nas descobertas do jornalista e escritor Bruno Abbud, autor de “Nobres Traficantes: Histórias da Elite no Crime”, lançado recentemente. O livro relata como jovens ricos se tornam traficantes em busca de adrenalina, detalha a logística do tráfico internacional – como o processo de fabricação da cocaína e as técnicas sofisticadas de ocultação da droga em malas de viagem – e destaca como esses criminosos recebem um tratamento diferente da polícia e do judiciário mesmo quando são pegos.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
Más condições de alimentação, sedentarismo e negligência médica elevam o risco de doenças graves entre mulheres encarceradas – das quais duas a cada três são negras. Segundo o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, devem ser oferecidas cinco refeições ao dia, mas apenas Amazonas e Tocantins cumprem a determinação. “Fome aqui é frequente. É uma coisa que dói na alma, que mexe com o psicológico”, afirma Júlia (nome fictício), que também denuncia a ausência de atividades físicas e exposição ao sol. “Dizem que todo presídio tem direito ao sol. Aqui, a gente não tem. Quem trabalha, tem uma hora de sol no sábado.” A Gênero e Número mostra que a má alimentação é um dos fatores responsáveis pelo adoecimento precoce de mulheres, segundo uma pesquisa coordenada por Lígia Kerr, médica sanitarista, epidemiologista e professora da Universidade Federal do Ceará. O estudo revela que, apesar de serem majoritariamente jovens, as mulheres privadas de liberdade apresentam um perfil de saúde que se assemelha ao de uma população idosa.




