A tragédia numa creche em SC e o 'caveirão' numa escola na Maré
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🔸Em Blumenau (SC), a creche Cantinho Bom Pastor foi alvo de um ataque ontem. Quatro crianças foram mortas. Eram três meninos e uma menina, com idade entre 5 e 7 anos. Um homem pulou o muro da unidade escolar e atacou as crianças no parquinho. Dentro da creche, uma funcionária trancou os bebês dentro de um banheiro, para protegê-los da invasão. “Só sobrou a mochila do meu filho”, dizia o pai de uma das crianças assassinadas na saída da creche, após o corpo do filho ser encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML). Segundo o Portal Terra, o criminoso, que se entregou a um Batalhão Militar, deve ser indiciado por quatro homicídios duplamente qualificados e por quatro tentativas de homicídio triplamente qualificados, já que outras quatro crianças foram feridas e estão no hospital.
🔸 Já foram três ataques a escolas apenas neste ano. Um relatório entregue ao governo Lula aponta que os atentados desse tipo começaram nos anos 2000. Desde então, foram 19, sendo quatro deles no 2° semestre de 2022 e três em 2023. O Nexo ouve especialistas e lista as ações tomadas pelas autoridades de Santa Catarina. “O que não dá é para achar que polícia e câmera vai resolver. Os Estados Unidos são um exemplo de que não funciona. O que é preciso é de uma articulação de muitos equipamentos públicos que contenham a violência externa à escola”, afirma Flávia Vivaldi, doutora em Educação pela Universidade de Campinas.
🔸 “Estamos falando de crianças que foram assassinadas hoje, mas há outros jeitos de se matar crianças também. Nós temos cultivado e normalizado isso há muito tempo. Senhoras e senhores, nós temos permitido que crianças passem fome no Brasil. Nós temos permitido que crianças fiquem sem escola. Nós temos permitido há muito tempo que as crianças fiquem nas ruas, sem amparo, sem proteção.” Num evento ontem, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, abandonou o discurso que havia escrito e, indignado, falou de improviso sobre a urgência de uma mudança de comportamento de governos e sociedade para que não entreguemos às crianças um mundo pior e sem esperança. O Metrópoles traz a íntegra do discurso em texto e vídeo.
🔸 A cobertura da imprensa pode favorecer a proliferação de ataques. Por isso, especialistas defendem que os veículos jornalísticos não devem exibir repetidamente as imagens dos atentados nem contar a história de vida do agressor. Em geral, a busca por notoriedade está associada a esse tipo de crime. O Portal Imprensa informa que a difusão de fotos e vídeos do ataque deve ser igualmente evitada na cobertura. As orientações foram apresentadas pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) num seminário online na semana passada.
🔸 Também uma escola, no Complexo da Maré, foi palco de cenas de violência ontem, desta vez, pela polícia. “Caveirões”, como são chamados os blindados usados em operações nas favelas do Rio de Janeiro, invadiram uma escola pública na Nova Holanda, umas das 16 comunidades que formam o complexo na zona norte do Rio de Janeiro. O Maré de Notícias mostra em vídeo em que é possível ver os “caveirões” lançando bombas de efeito moral dentro do Ciep Elis Regina. Na operação para prender grupos civis armados que teriam invadido a escola, a polícia revidou contra moradores, familiares, mães e companheiras que buscavam informações sobre pessoas que estavam dentro do Ciep. Ao todo, 21 unidades escolares tiveram de fechar ontem, prejudicando mais de 8 mil alunos.
🔸 “A violência é uma das linguagens privilegiadas de resolução de conflitos no Brasil, somada à nossa herança colonial.” Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum de Segurança Pública, defende que é preciso ampliar o controle da atividade policial e o enfrentamento ao racismo. O Lunetas lembra que as operações policiais atingem as crianças e que, num país marcado pela violência desde sua origem, as soluções ainda estão distantes.
🔸 O depoimento de Jair Bolsonaro à Polícia Federal ontem: o ex-presidente afirmou que só tomou conhecimento sobre a apreensão das joias sauditas no final de 2022, mais de um ano depois de elas serem retidas pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos. A tese, porém, não para em pé – foram ao menos oito tentativas de reaver o conjunto de joias, três delas ainda em 2021. Uma, aliás, partiu do chefe de gabinete adjunto de Documentação Histórica do próprio gabinete pessoal de Bolsonaro. A CartaCapital detalha os três kits apreendidos e conta ainda que Bolsonaro afirmou não se lembrar quem o avisou sobre a retenção das joias na alfândega do aeroporto.
📮 Outras histórias
Obras de saneamento básico e investimentos nas áreas de saúde, educação e lazer. Estas foram as principais reivindicações de moradores da Rocinha ao secretário nacional de Políticas para Territórios Periféricos, Guilherme Simões. Ele visitou a favela na zona sul do Rio de Janeiro no último final de semana. Segundo o Fala Roça, uma carta com as mesmas demandas foi entregue em 2022 ao presidente Lula durante sua campanha na cidade. “Essa caravana que a gente está fazendo é um processo de escuta, de tentar sistematizar o que tem de demanda nas comunidades, para elaborar um programa a mais dentro desse plano de investimento que vai abrir no governo federal”, disse Simões, referindo-se à “Caravana das Periferias”, iniciativa do Ministério das Cidades para mapear necessidades das periferias brasileiras.
📌 Investigação
Um frigorífico que tem o governador de Roraima como sócio fechou contratos públicos no estado. A InfoAmazonia teve acesso aos documentos segundo os quais, no dia 17 de março, a empresa H. S Neves, administrada por Ednaldo Barbosa de Araújo, foi contratada por R$ 3,1 milhões para o fornecimento de 68 mil quilos de carne do Frigo10, frigorífico que tem o próprio governador Antonio Denarium (PP) como sócio. A Frigo10 também já forneceu oito toneladas de contra-filé para a Base da Força Aérea de Boa Vista durante o governo Bolsonaro, de quem Denarium foi aliado nas eleições de 2018 e 2022. Quanto a Ednaldo Barbosa de Araújo, o empresário é investigado em sete ações na Justiça Federal, incluindo fraudes em licitações e desvio de verbas destinadas às prefeituras de Roraima.
🍂 Meio ambiente
Comunidades tradicionais do sul da Bahia tentam barrar um empreendimento desde 2014. Moradores de Cova da Onça, Moreré, Monte Alegre e Boipeba se reuniram com empresários que cobiçam a área, em audiência convocada pelo Instituto Do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema). O objetivo era discutir a construção de um resort que ocuparia 20% da Ilha de Boipeba e foi solicitada pela empresa Mangaba Cultivo de Coco LTDA, que tem o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, e o presidente do Grupo Globo, José Roberto Marinho, no quadro de sócios. À revista Afirmativa a população local relata o cabo de guerra que se instalou na região – que é propriedade da União, e não do governo estadual. Mesmo assim, o Inema concedeu a licença para a obra no último dia 7 de março.
Os donos do dinheiro ignoram o financiamento climático. Até agora, os maiores investidores institucionais do Brasil não se comprometeram com a causa – o que é necessário para que o país cumpra seus compromissos climáticos até 2030, como explica o Reset. Levantamento feito pela consultoria Nint com 15 dos maiores “asset owners” mostra que nenhum deles é signatário dos três principais compromissos globais existentes sobre o tema. “Asset owners”, ou proprietários de ativos, são entidades que gerenciam investimentos em nome de participantes, beneficiários ou da própria organização, como empresas de planos de vida e previdência Brasilprev, Bradesco e Itaú.
📙 Cultura
A Livraria Cultura entrou em ruínas a partir de suas próprias estruturas. Ex-funcionário da loja, o jornalista Martim Vasques da Cunha narra a história e o drama da falência da empresa em artigo na revista piauí. “Apesar de Pedro Herz se autointitular um ‘livreiro’, preocupado com a disseminação do livro e da leitura no Brasil, ele não conseguiu compreender (nem fazer seus filhos entenderem) que havia uma distinção fundamental entre cumprir esse papel e ser um mero vendedor – e que essa diferença era o que tornava a Cultura uma experiência ímpar entre as livrarias brasileiras”, escreve.
Uma espiga de milho colorida, tradicional da Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo, leva uma menina a refletir sobre seu lugar no mundo. Esse é o enredo do filme “Para’Í”, que surgiu do encontro entre o diretor Vinicius Toro e a comunidade guarani do Jaraguá. A protagonista, Pará, começa questionar vários por quês: por que não fala guarani, por que é diferente dos colegas da escola, por que seu pai vai à igreja Cristã e por que seu povo, os Guarani Mbya, luta por terra. Segundo a revista O Grito!, a produção é parte do Programa Aldeias, um projeto de fortalecimento cultural e político das terras indígenas de São Paulo, e estreia no dia 20 de abril, na semana do Dia dos Povos Indígenas.
🎧 Podcast
As angústias e os sonhos de uma adolescente latinoamericana são retratados pela escritora boliviana Giovanna Rivero no livro “98 Segundos Sem Sombra”. O podcast “O Que Ler Agora?”, produção do Plural, debate a obra, que se estrutura como anotações da protagonista, Genoveva Bravo Genovés, de 16 anos. A menina vive em uma cidadezinha fictícia no interior da Bolívia mergulhada no narcotráfico, nos ideais neoliberais, no misticismo popular e nos ensinamentos católicos. “O livro é muito inteligente em se complementar temas delicados, como distúrbios alimentares, o tráfico e aborto, com passagens sobre vida de Genoveva”, descreve a jornalista Cecília Zarpelon.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
Em vídeo: homens trans e transmasculinos propõem outro sentido para a masculinidade. A partir dos padrões machistas impostos e dos estereótipos do que é ser homem, como maxilar largo, barba e peitoral definido, Bento Xavier e Felipe Fly buscam afirmar suas identidades masculinas sem reproduzir os comportamentos misóginos da cisgeneridade. A revista AzMina conversa com ambos para entender esse outro lugar do masculino. “Gênero não é só um sistema de opressão, mas também é. A gente precisa pensar como fazer isso sem ser oprimindo alguém”, explica Bento. “Já conheci caras trans que reproduziam a mesma masculinidade. Não faz sentido, porque você sabe o que é ser no mundo sem ser masculino”, completa.