O trabalho escravo no Lollapalooza e o mercado legal da maconha
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🔸 Cinco trabalhadores foram resgatados de trabalho em condições análogas à escravidão na produção do festival de música Lollapalooza, que vai de hoje até domingo em São Paulo, informa a Repórter Brasil. Eles cumpriam jornadas de 12 horas, dormiam dentro de uma tenda de lona aberta, acomodavam-se no chão, sem direito a colchão e papel higiênico, e trabalhavam sem equipamentos de proteção. “Depois de levar engradados e caixas pra lá e pra cá, a gente ainda era obrigado pela chefia a ficar na tenda de depósito, dormindo em cima de papelão e dos paletes, para vigiar a carga”, conta um dos resgatados. Não é a primeira vez que o Lollapalooza comete violações à dignidade dos trabalhadores. Segundo a Folha de S.Paulo, em 2019, pessoas em situação de rua foram contratadas por R$ 50 para cumprir diárias de 12 horas para montar os palcos. Em tempo: os ingressos para o festival variam de R$ 1.300, para um dia de evento, a R$ 5.300, para pacotes mais luxuosos.
🔸 No Rio Grande do Sul, as vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton não compareceram a uma audiência pública sobre o combate ao trabalho escravo na colheita da uva. Mais de 200 trabalhadores foram resgatados de uma prestadora de serviços às três empresas. Gerente regional do Ministério do Trabalho e Emprego em Caxias do Sul (RS), Vânius Corte disse que, em 18 anos de atuação, nunca tinha visto um caso semelhante, destaca o Alma Preta. “Em muitas fiscalizações de trabalho escravo, a gente evidencia alguns itens específicos da legislação que caracterizam isso, mas esse foi o pacote completo. Uma situação tão absurda que envolveu inclusive um servidor na área de segurança pública que depois foi afastado porque participava das ameaças e das sessões de agressão [aos trabalhadores]”, afirma Corte.
🔸 Por que o ex-juiz e senador Sergio Moro (União-PR) era alvo do Primeiro Comando da Capital (PCC)? A Polícia Federal (PF) prendeu nove pessoas até a noite de quarta-feira pela Operação Sequaz e desarticulou uma organização criminosa ligada ao PCC que planejava atentados simultâneos contra autoridades e funcionários públicos. O Nexo explica que, quando Moro assumiu o posto de ministro da Justiça em 2019, sob o governo Bolsonaro, chefes do PCC foram transferidos de presídios estaduais para federais. O ex-juiz também endureceu as visitas a presídios de segurança máxima. A reportagem conversa com dois especialistas para analisar o caso.
🔸 Lula irritou a PF ao afirmar, sem provas, ser uma “visível armação” de Moro o plano do PCC para atacar o ex-juiz. Como relata o Metrópoles, não só a polícia desaprovou o comentário do presidente, que levanta suspeitas sobre o trabalho da corporação durante seu próprio governo, como também o Ministério da Justiça sai desmoralizado após a fala.
🔸 Com a retomada do Mais Médicos, os cubanos que já participaram do programa buscam uma chance de voltar a trabalhar no Sistema Único de Saúde (SUS). Muitos deles não foram aprovados no Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira (Revalida) e ficaram no Brasil mesmo sem poder exercer a profissão, segundo o Notícia Preta. Eles ainda se lembram da forma como foram recebidos no Brasil, sob xingamentos, em 2013, quando desembarcaram no país para a primeira versão do programa. “Não é fácil ser recebido com palavras como escravo e incompetente”, lembra Juan Delgado, que hoje mora no Maranhão e tenta voltar ao Mais Médicos.
📮 Outras histórias
A 135 quilômetros de Curitiba, está Gramadinho, uma comunidade quilombola onde pessoas vivem da venda de alimentos produzidos de forma agroecológica. O comércio da produção, porém, enfrenta dificuldades burocráticas. Os quilombolas são impedidos de emitir a chamada nota fiscal do produtor, porque Gramadinho ainda aguarda a certificação da Fundação Cultural Palmares, primeira das seis etapas determinadas no processo de titulação. De acordo com o Plural, das 38 comunidades quilombolas do Paraná, 36 são certificadas. Elas, no entanto, ainda aguardam a titulação do território – a maioria dos processos teve início entre 2004 e 2007. “É um impedimento não só da emissão da nota, mas impede a comunidade de sobreviver. Como essas comunidades vão sobreviver sem renda e de onde tirar o sustento?”, questiona o coordenador da Federação das Comunidades Quilombolas do Paraná (Fecoqui), Alcione Ferreira da Silva.
Os passa-faunas. Em meio às obras de duplicação da BR-469, a Rodovia das Cataratas, em Foz do Iguaçu (PR), os engenheiros vêm construindo estruturas conhecidas como passa-faunas, para proteger animais silvestres de atropelamentos. O 100Fronteiras explica que a rodovia, corredor turístico de Foz do Iguaçu, é bastante movimentada, e os passa-faunas, subterrâneos, ajudam a evitar atropelamentos de animais, além de permitir que eles não se isolem de um lado ou de outro da rodovia. Estimativas do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE) indicam que mais de 15 animais morrem nas estradas brasileiras a cada segundo.
📌 Investigação
O líder comunitário Rodrigo Olegário foi vítima de racismo ao visitar o irmão no Centro de Detenção Provisória do Belém II, na zona leste de São Paulo. Ele denuncia que os agentes penitenciários afirmaram que seu cabelo estava “fora do padrão” e, por isso, ele não poderia entrar. Convocado a resolver a questão, o diretor de disciplina revistou o cabelo sem autorização. A discriminação se repetiu nas visitas nos presídios de Sorocaba e de Presidente Prudente, no interior de São Paulo. A Agência Pública teve acesso ao processo que Olegário está movendo contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, em que cobra ações indenizatórias pelo racismo sofrido. O episódio foi gatilho para que ele tivesse transtornos emocionais e crise de autoestima. Ao buscar acompanhamento psicológico e psiquiátrico, precisou ser afastado do trabalho por recomendação médica e, apesar de ter os atestados, foi demitido da Casa de Cultura da Brasilândia, bairro da zona norte da capital paulista, onde trabalhava havia três anos.
🍂 Meio ambiente
Importante mecanismo de captação de recursos para o meio ambiente no Brasil, o Fundo Amazônia se tornou também a principal bandeira da diplomacia brasileira em discussões internacionais sobre meio ambiente. O InfoAmazonia conta que Espen Barth Eide, ministro do Meio Ambiente da Noruega, país responsável por 93,8% do investimento no fundo, passou a semana no Brasil. Na quarta, encontrou-se com a ministra Marina Silva e reafirmou a parceria bilateral em clima e florestas. O norueguês deve se reunir ainda com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e o ministro da Justiça, Flávio Dino, além de outras autoridades do governo e representantes de povos indígenas e da sociedade civil. O Fundo Amazônia estava parado desde 2019 com a chegada de Bolsonaro à Presidência.
Um projeto de lei (PL) quer proibir a abertura de novas áreas para monocultura no Pantanal sul-mato-grossense. A proposta foi apresentada na terça-feira, na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALMS), pelo deputado Pedro Kemp (PT-MS). O Eco detalha que, entre 1985 e 2021, o número de lavouras temporárias no bioma passou de 4,1 mil hectares para 17,3 mil, de acordo com dados do MapBiomas. A soja se concentra em duas regiões ao Leste, enquanto o Norte pantaneiro é ocupado pela cana e outros tipos de monoculturas. O texto agora vai para a Comissão de Constituição, Justiça e Redação da ALMS e deve enfrentar resistência de parlamentares da bancada ruralista e de produtores rurais que já possuem cultivos no Pantanal. O PL enfatiza ainda que a proibição não se aplica às atividades de subsistência das comunidades tradicionais.
📙 Cultura
“Eu só consigo lutar porque tenho a arte. Ela me direciona e me obriga a falar.” Nene Surreal, de 56 anos, é uma mulher preta, lésbica e periférica, além de uma das pioneiras do grafite. Mesmo diante de todos os apagamentos que sofreu ao longo da vida, sua trajetória é, enfim, narrada no documentário “Surreal”. As gravações do projeto idealizado por Ketty Valêncio começaram em 2017 com um coletivo de mulheres e, desde novembro do ano passado, ficaram nas mãos da Oxalá Produções, produtora formada apenas por mulheres negras. A Periferia em Movimento acompanhou o lançamento da produção, que retrata a sensibilidade, o processo criativo e a ancestralidade em suas obras.
O livro “Quinzinho” marca a estreia do escritor Luciano Ramos na literatura infantil. A história retrata um episódio de racismo vivido na escola pelo protagonista e como seu pai o ajuda a ter orgulho de sua negritude ao apresentar personalidades negras que vieram antes e fizeram história. O Lunetas resenha a obra e explica que o orgulho negro está presente no texto e nas ilustrações, feitas por Bruna Assis Brasil, que enaltece os traços físicos das personagens como os cabelos e formas do rosto. “Quinzinho” mostra as inúmeras possibilidades de meninos pretos e meninas pretas ocuparem espaços.
🎧 Podcast
Como abrir um diálogo com lideranças indígenas cooptadas pelo bolsonarismo e pelo agronegócio? A “cooperação” entre indígenas e não-indígenas já está consumada em terras no Oeste de Mato Grosso. No primeiro mandato de Lula, os Pareci estavam apenas começando o plantio de soja e milho, e o governo petista não enfrentou a questão. Como lidar com isso agora? O último episódio da série “O Feroz e o Encantado”, do podcast “Prato Cheio”, produção d’O Joio e O Trigo, traz os questionamentos em aberto de um conflito entre legislação, posicionamento do Estado e indígenas que defendem os monocultivos em suas terras – inclusive multados pelo Ibama por utilização de transgênicos e por desmatamento ilegal.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
O mercado legal da maconha na lógica do capital. À medida que as legislações se flexibilizam para uso medicinal e recreativo da cannabis, o novo mercado não foge da realidade do capitalismo, com as flutuações financeiras e o controle de grandes empresas. Um dos problemas é o surgimento de “players”, principalmente de corporações canadenses, que buscam patentear sementes e processos industriais em países que estão no início da regulamentação. O Le Monde Diplomatique Brasil se debruça sobre o que acontece após a legalização da maconha e lembra do exemplo do Uruguai, onde a produção e o uso estão baseados no controle estatal, com pouca participação privada, além da permissão para o cultivo doméstico ou por meio de clubes de cannabis – em que os sócios plantam coletivamente sem fins lucrativos.