O trabalho de adolescentes nos apps de delivery e a onda de calor no país
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a defender a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. “Eu quero preservar, mas eu não posso deixar uma riqueza, que a gente não sabe se tem e quanto é, a dois mil metros de profundidade, enquanto o Suriname e a Guiana estão ficando ricos às custas do petróleo que está a 50km de nós”, afirmou ontem, num evento em Macapá, ao lado do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). A Agência Eixos conta que o petista também disse ter incumbido a Casa Civil de chegar a um denominador comum a fim de viabilizar a perfuração de poço exploratório pela Petrobras. Também nesta semana, Lula classificou como “lenga-lenga” a demora do Ibama para emitir um parecer sobre a perfuração de poços de petróleo na margem equatorial.
🔸 “O presidente coloca em xeque a autonomia do Ibama e ignora um princípio básico: o Ibama não foi criado para dizer ‘amém’ a qualquer projeto de interesse político, e sim para proteger o meio ambiente e as pessoas, garantindo que decisões sejam tomadas com base em ciência e, principalmente, responsabilidade”, defende Wallace Rafael Rocha Lopes, diretor adjunto da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional). Em artigo n’O Eco, ele lembra que a Margem Equatorial é uma “área de altíssima sensibilidade ambiental”. “A história já demonstrou os perigos de decisões tomadas sob pressão. O Brasil coleciona tragédias socioambientais resultantes da priorização de interesses econômicos sobre a avaliação técnica, como nos casos de Brumadinho, Mariana, Belo Monte, Balbina, Transamazônica e BR-163, entre outros.”
🔸 O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) quer punir práticas de greenwashing no Brasil. O órgão propôs um decreto para lidar com a tática de empresas de manipular credenciais ecológicas para ter mais lucro sob o verniz de sustentabilidade. O Joio e O Trigo teve acesso à minuta do decreto e conta que o texto prevê fiscalização rigorosa e critérios objetivos para detectar fraudes e sanções aos que usarem a prática. A ideia emerge antes da COP30, marcada para novembro em Belém, e busca fortalecer os mecanismos legais contra essa prática. Hoje, o Código de Defesa do Consumidor já proíbe publicidade enganosa, mas a falta de uma regulamentação específica dificulta a punição. “Com os olhos do mundo voltados para o Brasil, temos a chance de aprovar um decreto que atinge o coração de um problema grave: a desinformação”, diz Julia Catão Dias, coordenadora do programa de Consumo Sustentável do Idec.
🔸 Adolescentes menores de idade estão se arriscando para fazer entregas por aplicativos de delivery, burlando regras de plataformas como iFood e Rappi, que proíbem cadastros de menores de 18 anos. A Repórter Brasil revela que eles pagam cerca de R$ 50 por semana para “alugar” a conta de terceiros nos apps. No Youtube e TikTok, vídeos explicam como burlar as plataformas. Muitos trabalham sem equipamentos de segurança, enfrentam riscos de acidentes graves e não têm qualquer suporte das empresas em caso de lesões ou prejuízos. Se o trabalho infantil é proibido no Brasil, no caso do serviço de entrega, ele se enquadra na lista das piores formas de trabalho infantil, por causa dos riscos de acidentes e da exposição ao frio e ao calor extremo.
🔸 Na semana em que várias cidades do país enfrentaram uma onda de calor, um veículo jornalístico afirmou que a sensação térmica poderia alcançar 70 ºC em locais como Porto Alegre e Rio de Janeiro. A desinformação se alastrou e atingiu pelo menos 10 milhões de visualizações no X. O Aos Fatos conversou com especialistas e explica que o erro resulta de uma interpretação incorreta de dados meteorológicos. A sensação térmica depende de variáveis como temperatura, umidade e vento, e valores extremos como 70 ºC são altamente improváveis na atual condição climática do Brasil.
📮 Outras histórias
“A capoeira para mim é o ar que eu respiro. Modificou totalmente a minha vida. Esse trabalho com crianças e adolescentes me revigora a cada dia”, diz o mestre Teodoro Francisco Azevedo, 48 anos. Ele é um dos pilares do trabalho da Associação de Capoeira Os Bambas do Sol Nascente, que atende cerca de 80 crianças e adolescentes na comunidade do Uruguai, em Salvador. A Entre Becos lembra que a capoeira, na periferia da capital baiana, ainda é alvo de preconceito associado à intolerância religiosa e à falta de apoio institucional. “Muitas pessoas ainda ligam a capoeira ao candomblé e, por isso, evitam o contato. Além disso, quando a comunidade está perigosa, muitos pais têm medo de deixar os filhos participarem", lamenta mestre Teodoro. A associação criada em 2003 mantém projetos como a “Blitz Escolar”: os mestres monitoram o desempenho dos estudantes nas escolas. “Se o aluno perde de ano, ele é rebaixado de corda. Isso cria um compromisso e uma disciplina.”
📌 Investigação
Cristilane Souza trabalhou oito horas por dia durante três meses em uma fábrica ligada ao presídio onde estava presa a 30km de Recife (PE), mas nunca recebeu o salário a que tinha direito. Ela usaria o pagamento para comprar os remédios do filho que sofria crises nervosas por conta de um déficit intelectual. A revista AzMina revela que o caso de Cristilane é um de muitos: mulheres que trabalham durante a prisão não são pagas adequadamente, não recebem o valor integral ou enfrentam atrasos. Sem acesso à informação sobre os direitos e deveres que possuem no encarceramento, elas também temem que acionar a Justiça para garantir a remuneração possa agravar suas penas ou comprometer os benefícios já conquistados.
🍂 Meio ambiente
Dois vereadores sem histórico e “expertise” sobre temas ambientais assumiram os cargos de presidentes das comissões de Meio Ambiente das câmaras municipais de Belém (PA) e Manaus (AM), as duas maiores capitais da Amazônia. Apenas duas das 40 publicações da parlamentar belenense Blenda Quaresma (MDB) no mês de janeiro fizeram alguma referência à causa ambiental. Já na capital amazonense, Jaildo Oliveira (Partido Verde) elaborou três projetos de lei voltados para o meio ambiente nos últimos dois anos. A Cenarium lembra que as comissões parlamentares são responsáveis por aprofundar temas específicos, com o objetivo de promover debates, fiscalizar o Executivo e contribuir para a criação de leis.
📙 Cultura
O projeto de lei Anti-Oruam (PL 26/2025) tem apoio do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). Ele visitou a GR6, uma das maiores produtoras musicais de funk do país, durante o período eleitoral – e também recebeu apoio da empresa. O PL, de autoria da vereadora Amanda Vettorazzo (União Brasil), quer proibir a prefeitura de contratar shows de artistas que façam apologia ao crime organizado e ao uso de drogas. A proposta ganhou o nome do rapper carioca Oruam para maior alcance midiático. A Ponte explica que o projeto é uma tentativa de criminalizar gêneros periféricos, como o funk e o rap. “Um problema de racismo estrutural, racismo institucional. De não aceitar que o outro, sendo este preto, possa ter autonomia e liberdade de falar de experiência de vida à qual ele está relacionado”, diz Bruno Ramos, articulador do funk e ex-integrante do Conselho Nacional de Juventude.
🎧 Podcast
“Pensar o que é o homem na família não me parece possível sem incluir os lugares de poder na História”, afirma o psicanalista Pedro Ambra, professor de psicologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e autor de “O Que É Um Homem? Psicanálise e História da Masculinidade no Ocidente”. O “Estranho Familiar”, produção da Trovão Mídia, conversa com Ambra sobre os espaços de poder e a figura paterna. “Não existe uma naturalidade que vá encontrar algo em comum em um pai tupinambá pré-invasão dos portugueses, em um pai da família real, nos meus pais biológico ou adotivo. Não me parece que exista uma verdade por trás da palavra ‘pai’ que não esteja vinculada à História.”
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
“Cannabis é maconha. Descolonizar o pensamento na saúde e entre os profissionais da área é um passo fundamental”, afirmam a psicóloga Silvana Rossi e a assistente social Giovanna Martins. Em artigo no Psicodelicamente, as especialistas em saúde coletiva e saúde mental, respectivamente, analisam o avanço das legislações sobre a cannabis e debatem o reconhecimento de usos tradicionais. “A mobilização social torna-se urgente para garantir a participação ativa da população, incluindo indivíduos, famílias e comunidades, na luta por cidadania e pelas conquistas necessárias à reparação sócio-histórica da maconha. Isso implica o reconhecimento dos saberes ancestrais sobre seu uso milenar como medicina, terapia e instrumento de bem-estar.”