Os trabalhadores do Carnaval e o uso de IA na Câmara dos Deputados
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🔸 A Beija-Flor de Nilópolis conquistou ontem seu 15º título de campeã do Carnaval do Rio de Janeiro. Levou à avenida um enredo em homenagem a um dos maiores nomes da escola e da história do samba, Luiz Fernando Ribeiro do Carmo, conhecido como Laíla, morto em 2021, vítima da Covid-19. O Diário do Rio conta que o enredo partiu da fé em Xangô, lembrou a atuação do carnavalesco dentro e fora da escola e, por fim, criou um reencontro simbólico dele com Joãosinho Trinta, no último carro da agremiação. A Beija-Flor volta à avenida no sábado, para o desfile das campeãs, ao lado de Mangueira, Portela, Viradouro, Imperatriz e Grande Rio.
🔸 A propósito: “Cheguei à Beija-Flor em 1975 com ela campeã. E estou encerrando a carreira no Carnaval com ela campeã”, disse Neguinho da Beija-Flor após o anúncio da vitória de sua escola. O Terra informa que o intérprete oficial da agremiação de Nilópolis anunciou a aposentadoria neste ano. Ele é a voz oficial da Beija-Flor desde 1976.
🔸 Se oito das 12 escolas do grupo especial levaram à Sapucaí enredos afro, a diversidade não se reflete nos jurados dos desfiles, mostra o Mundo Negro. “Ainda estou aqui… esperando e torcendo para que o nosso Carnaval seja mais inclusivo em todas as alas. O Carnaval é negro, é indígena, é periférico – mas os jurados que decidem quem vence nem sempre refletem essa diversidade na mesma proporção. Representatividade importa”, escreveu Luana Genot, diretora executiva e fundadora do Instituto Identidades do Brasil, num post nas redes sociais.
🔸 Nas escolas que tentam chegar à elite do Carnaval carioca, as condições de trabalho nos barracões são precárias. Entre os problemas enfrentados pelas agremiações da Série Ouro, estão o atraso no repasse de verbas públicas e a falta de regularização dos terrenos. A Repórter Brasil lembra ainda que um incêndio recente em uma fábrica de adereços deixou uma pessoa morta e 20 feridas. O acidente expõe os riscos para os trabalhadores nos espaços com pouca ventilação, alta concentração de produtos inflamáveis e estrutura elétrica inadequada. Muitas escolas ocupam terrenos públicos na zona portuária do Rio – e temem despejo, o que inibe investimentos em infraestrutura. O governador Cláudio Castro prometeu R$ 13 milhões emergenciais para a Série Ouro, mas o dinheiro não foi liberado a tempo do Carnaval deste ano.
🔸 Em Salvador, o Plantão Integrado dos Direitos Humanos identificou trabalho análogo à escravidão em meio ao Carnaval. O órgão esteve na região do circuito Dodô, em especial no bairro da Barra, e ouviu denúncias de trabalhadores – sobretudo de cordeiros e cordeiras, segundo a Alma Preta. Eles relatam maus-tratos tanto por parte dos blocos contratantes quanto dos foliões, além de condições degradantes, como falta de acesso à água e ausência de abrigo contra a chuva. Alguns não tinham dinheiro para voltar para casa após o trabalho. “A situação do cordeiro e da cordeira é um retrato muito fiel da violência do que é a desigualdade social. Entre a corda e os foliões tem pessoas que estão em espaços e em lógicas totalmente diferentes”, afirma Hildete Souza, à frente da Coordenação de Erradicação do Trabalho Escravo, vinculada ao governo da Bahia.
🔸 Na esteira de “Ainda Estou Aqui”, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode rever a Lei da Anistia. Um sinal é a postura de Flávio Dino: o ministro defendeu que o desaparecimento forçado é crime continuado e, portanto, não coberto pela anistia. A revista piauí explica que a decisão foi aplicada ao caso da família de Victoria Grabois. Seu pai, Maurício Grabois, e seu irmão, André, foram mortos pelo Exército em 1973. O genro de Maurício, Gilberto Olímpio Maria, também foi assassinado, e seus corpos nunca foram encontrados. Em 2012, o Ministério Público denunciou os militares Lício Maciel e Sebastião Curió pelo sequestro dos guerrilheiros, mas a Justiça rejeitou as acusações, alegando que a Lei da Anistia de 1979 protegia os militares. Foi quando chegou ao STF, com relatoria de Dino, que o caso mudou. O contexto político atual, incluindo a denúncia contra Jair Bolsonaro e militares por tentativa de golpe, influencia a virada de perspectiva. O filme “Ainda Estou Aqui”, de quebra, trouxe novo fôlego ao debate.
📮 Outras histórias
Escola de samba mais tradicional de Curitiba, a Mocidade Azul foi fundada em 1972, às margens do rio Barigui – e desfila até hoje. O Plural acompanhou os bastidores da agremiação na semana passada, na véspera da apresentação, quando mais de 500 pessoas trabalhavam na quadra, ajustando as fantasias e os carros alegóricos para o grande momento. Liderada por Marcia Barbosa, diretora de Carnaval, e Luiz Henrique Boeira, responsável pela harmonia, a escola atravessou a madrugada no trabalho. No dia seguinte, foliões e passistas se reuniram em um hotel perto da avenida Marechal Deodoro, concentrados antes de desfilar. Na segunda-feira, veio o resultado: a Mocidade Azul venceu o Carnaval de Curitiba pela 23ª vez.
📌 Investigação
Veterano paraquedista, o militar Valdemar Martins de Oliveira tem pistas que ajudam a montar um quebra-cabeça que dura mais de 50 anos: o que foi feito com o corpo de Rubens Paiva. Valdemar prestou serviços de busca, apreensão e espionagem para o Exército durante a década de 1970 e testemunhou ou tomou ciência de crimes praticados pelos órgãos de segurança da ditadura. Ele revela ao Intercept Brasil que Paiva foi arremessado ao mar com “uma roda de caminhão”. Dois de seus colegas de regimento – Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza – participaram da ocultação do corpo em janeiro de 1971, sob ordens de Paulo Malhães, chefe da equipe. Jurandyr lhe contou que o corpo de Paiva foi levado no mesmo dia da morte por um barco da Marinha.
🍂 Meio ambiente
A degradação da Amazônia em 2024 emitiu 161,4 milhões de toneladas de CO2e, valor 2,5 vezes maior que as emissões causadas pelo desmatamento (60,7 milhões de toneladas). Enquanto o desmatamento é eliminação total da vegetação nativa, deixando o solo exposto, a degradação é a supressão parcial e gradual da vegetação devido ao fogo, à extração seletiva de madeira e ao efeito de borda (impacto do desmatamento nas áreas periféricas da floresta). A InfoAmazonia destaca que as terras indígenas (TIs) estão entre as áreas mais afetadas pela degradação, representando 41,5% do total degradado na Amazônia. Quase um terço desse valor ocorreu na TI Kayapó, no Pará, onde a degradação coincide com áreas onde houve mineração ilegal e queimadas.
📙 Cultura
“Ao jogar luz sobre o caso Rubens Paiva, o filme ajudou a reabrir os casos escabrosos de desaparecimento e tortura de cidadãos e cidadãs durante a ditadura militar”, escreve Jotabê Medeiros, sobre “Ainda Estou Aqui”, longa brasileiro que levou o Oscar de Melhor Filme Internacional no último domingo. Em artigo no Farofafá, o jornalista aponta dez motivos para valorizar a obra de Walter Salles, que teve ao todo três indicações para o prêmio – e perdeu nas categorias de Melhor Filme e Melhor Atriz, para “Anora” e Mikey Madison, respectivamente. Para Jotabê, “Ainda Estou Aqui” ainda “impele espectadores brasileiros a voltarem às salas de cinema, acompanharem as produções nacionais novas, debaterem sua própria realidade e temas”.
A propósito: “Orfeu negro”, filme gravado no Brasil e falado em português, venceu o Oscar de Melhor Filme Internacional em 1960, mas concorria pela França, país da produtora majoritária da obra. Outros quatro filmes brasileiros já chegaram a ser finalistas. O Nexo reúne a origem de todos os vencedores da categoria. Antes da vitória de “Ainda Estou Aqui” no domingo, apenas três países latinoamericanos foram premiados: Argentina (2), Chile (1) e México (1).
🎧 Podcast
As festas populares foram os principais meios de resistência de negros escravizados e de povos indígenas para manterem sua cultura em meio a colonização. As influências e misturas de ritmos de várias partes do país contribuíram para “estilhaçar”, como escreveu a filósofa e antropóloga Lélia Gonzalez (1935-1994), uma dinâmica cultural colonizadora europeia. O “Cirandeiras”, produção da Rádio Guarda-Chuva, narra como o Carnaval – período de festas que chegou a partir das tradições europeias – foi formado historicamente pela presença negra e indígena nos festejos brasileiros.
📲 Tecnologia
Os deputados federais Luiz Phillipe de Orleans (PL-SP) e Adriana Ventura (Novo-SP) inauguraram o uso de cota parlamentar para pagar a contratação do ChatGPT – ferramenta de inteligência artificial generativa desenvolvida pela empresa OpenAI – em 2024. Foram gastos R$ 1.684 com a assinatura no ano. O Núcleo explica que, apesar de o valor ser considerado baixo, ele representa a primeira contratação formal registrada de um serviço de IA para auxiliar diretamente na atividade legislativa, enquanto a Câmara dos Deputados ainda está produzindo diretrizes internas para o uso dessas ferramentas. As preocupações abarcam como as empresas usarão dados sensíveis de parlamentares brasileiros e as “alucinações” (quando o robô inventa respostas) na elaboração de projetos, discursos e políticas públicas.