A situação no Vale do Javari e o marco temporal por Ailton Krenak
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🔸 “Nada mudou.” Coordenador da Univaja, principal organização indígena do Vale do Javari, no Amazonas, Bushe Matís afirma que, um ano após a morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, os povos da região seguem alvos de ameaças e têm suas terras invadidas por pescadores, caçadores e outros invasores ilegais. Em entrevista à Agência Pública, ele conta que a Polícia Federal até mandou ancorar uma balsa no porto de Atalaia, em fevereiro, mas, com o tempo, o barco não foi mais avistado. Diz ainda que as denúncias de ameaças são encaminhadas às autoridades, mas, “mesmo depois de tudo o que aconteceu, não acontece nada”. É a equipe da Univaja, com recursos próprios, a responsável pelo monitoramento e sinalização dos limites das terras indígenas. Do governo Bolsonaro para cá, completa Matís, mudaram “só as palavras”.
🔸 Engrossa o coro o líder indígena Beto Marubo, amigo de Bruno Pereira, com quem trabalhou em ações para proteger e preservar os indígenas isolados da região. Segundo ele, desde as mortes do indigenista e do jornalista inglês, não houve melhoria da atuação da Funai no Vale do Javari: “Não há absolutamente nada de concreto sendo feito nessa região”, afirmou à InfoAmazônia. Marubo diz ainda que “não adianta uma presidente da Funai lutar por pautas importantes quando não tem orçamento”: “A atuação deles [do governo] tem sido muito aquém do necessário. O Ministério dos Povos Indígenas não tem orçamento suficiente, e a Funai é reflexo disso”.
🔸 Dez perguntas (sem respostas) sobre a morte de Bruno e Dom: a Anistia Internacional resumiu as questões e as enviou no último dia 31 para o Ministério Público Federal (MPF), responsável pelo caso, a Polícia Federal e o Ministério da Justiça. O Projeto Colabora mostra a lista, que questiona, por exemplo, os motivos pelos quais todos os acusados de ocultação dos corpos não foram denunciados, além dos próximos passos depois de o ex-presidente da Funai, Marcelo Xavier, e outros servidores do órgão, serem denunciados por omissão no caso.
🔸 Sobre outra grande questão indígena, a crise Yanomami, as reuniões do governo federal vêm minguando com o tempo. De janeiro para cá, foram ao todo 89 agendas e compromissos públicos relacionados ao tema. Se em fevereiro ocorreram ao menos 37 eventos, em maio, foram apenas três registros até o dia 25. Os dados foram obtidos pela ferramenta Agenda Transparente, da Fiquem Sabendo, que monitora as agendas de autoridades do Poder Executivo Federal.
🔸 O Tribunal Superior Eleitoral vai julgar no próximo dia 22 uma ação que pode tornar Jair Bolsonaro (PL) inelegível. Aberto a pedido do PDT, o caso investiga o encontro do ex-presidente com embaixadores em julho de 2022, ocasião na qual ele disseminou notícias falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro. A CartaCapital lembra os argumentos do Ministério Público Eleitoral que se manifestou favorável à inelegibilidade de Bolsonaro.
📮 Outras histórias
Longas filas se formam aos sábados na parte mais alta da Rocinha. Com garrafas, baldes e garrafões, cerca de cem famílias buscam água potável na bica de água natural no Laboriaux. “Eu tenho água encanada em casa, mas vai saber que caminho essa água percorre até chegar na minha caixa”, diz a empregada doméstica Maria do Socorro Pires da Silva. O Fala Roça conversa sobre a busca por água com os moradores da favela, que, como tantas outras no Rio de Janeiro, ainda enfrentam a falta de saneamento básico. O projeto “Na Régua: Arquitetura Acessível, Moradia Digna” mostrou que, em 2021, 43,61% dos domicílios em favelas não dispunha de filtro de água, comprometendo o acesso à água potável. No total, 29% das casas nem sequer tinham abastecimento de água.
📌 Investigação
Depois de 38 anos do fim da ditadura, pelo menos nove universidades federais mantêm homenagens a ditadores e torturadores. Por todo o país, ao menos 24 agentes do regime receberam o título de doutor honoris causa, máxima honraria concedida por uma universidade. O Plural revela que as instituições públicas de ensino superior do Paraná, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Ceará, Pernambuco, Pará e Minas Gerais nunca revogaram as condecorações. Em julho de 2018, o Ministério Público Federal (MPF) enviou um ofício a todas as universidades e institutos federais recomendando a revogação de quaisquer homenagens – de títulos à nomeação de prédios e salas – concedidas às pessoas citadas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
🍂 Meio ambiente
O negacionismo e a desinformação ambiental não são produzidos ao acaso: há uma “usina de produção de narrativa”, como aponta o escritor e ativista socioambiental Ailton Krenak, nascido na Terra Indígena Krenak, na região do Médio Rio Doce, em Minas Gerais. Em entrevista à Agência Lupa, o intelectual indígena lembra que a mãe dessas mentiras é a própria ideia de meio ambiente: “Nós separamos o nosso corpo da terra. A gente deixa de sentir em nós o que a terra sente. Nós passamos a experimentar uma indiferença sobre o que acontece no oceano, na floresta, na paisagem. Alguém passa num lugar, vê que uma montanha sumiu e naturaliza isso”. Krenak também fala sobre a desinformação a respeito dos povos indígenas e a proposta do marco temporal, cujo julgamento será retomado no STF amanhã: “O marco temporal é uma invenção, é uma excrescência jurídica, não tem sustentação em nada. E o STF demorou demais”.
Sistemas de fiscalização enfraquecidos e falta de pessoal estão entre os problemas herdados do governo Bolsonaro pelo Ministério do Meio Ambiente. Esvaziar a pasta foi a alternativa encontrada pelo ex-presidente após não conseguir extingui-la – seu plano era transformá-la em uma secretaria vinculada à Agricultura. Segundo a revista piauí, a chegada de Marina Silva ao ministério neste ano transformou a atmosfera de trabalho. “Agora o servidor vai a campo sabendo que, se fizer seu trabalho, não vai ser perseguido”, afirma o engenheiro ambiental Wallace Rocha Lopes, fiscal do Ibama. “Ele sabe que, mesmo diante de uma situação difícil e complicada, seus superiores vão ajudá-lo a resolver o problema, em vez de criar outro. E sabe que, se der uma entrevista, não vai responder a um processo por insubordinação no dia seguinte, porque a ordem anterior era de não falar com a imprensa”, completa.
📙 Cultura
“As corporeidades estão em tudo. Expor o lugar privilegiado do corpo como inscrição e instalação dos saberes mais diversos, inclusive estéticos, habita as artes.” Leda Maria Martins é poeta, ensaísta, dramaturga e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Sua vasta obra mergulha nas cosmos-percepções africanas e afro-diaspóricas, principalmente sobre o tempo, em uma espiral de movimento constante entre passado, presente e futuro. É essa “coreografia” da produção da escritora, pioneira no estudo do campo da performance no país, que inspira a curadoria da 35ª Bienal de São Paulo, conta o Nonada. O projeto curatorial da mostra, que acontece em setembro, ganhou como título “Coreografias do Impossível”.
A escola Centro Integrado de Desenvolvimento (CID) tem colorido as ruas de Porto Alegre (RS). Em 2015, foi criado o projeto piloto Imagina CID, disponibilizando na árvore em frente à instituição para que quem passasse pelo local pudesse retirar ou doar livros. Em 2020, os alunos votaram pela homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade e o poste ao lado da caixa de livros foi pintado com a imagem do autor. O Sul21 explica que, na retomada ao presencial após a pandemia, a iniciativa dá continuidade às pinturas dos postes: a Rua Fernandes Vieira, no bairro de Bom Fim, no centro da capital gaúcha, transformou-se na Rua dos Escritores em 2022. Outra rua da região, a João Telles, se torna a Rua das Pioneiras, homenageando mulheres pioneiras em áreas distintas.
🎧 Podcast
As batatas fritas do McDonald’s deixaram de existir na década de 1990. Após as campanhas por alimentos mais saudáveis nos Estados Unidos na época, a empresa decidiu mudar a receita secreta das batatinhas. A maioria das pessoas que comem a refeição ao redor do mundo, na verdade, nunca provou as originais. A “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, narra essa história, investiga as possibilidades de preparação de batatas fritas e tenta reproduzir a receita original da rede de fast-food com o chef Nicolas Barbé, que trabalhou há mais de uma década na alta gastronomia.
✊🏽 Direitos humanos
A violência contra ex-detentos voltou a chamar a atenção na Região Metropolitana de Recife, em Pernambuco. Ao todo, 26 egressos do sistema prisional foram baleados em maio, número maior do que o registrado no mesmo mês em 2022 (oito mortes), como apurou o Fogo Cruzado. Entre as vítimas, 24 morreram e duas ficaram feridas – dessas 26, quatro foram atingidas quando estavam dentro de casa. “Os dados evidenciam a lógica de acerto de contas, muito presente em Pernambuco. Essa parcela que sobrevive ao sistema prisional muitas vezes não tem a chance de retomar sua vida dignamente”, afirma Edna Jatobá, coordenadora executiva do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) e parceira do Instituto Fogo Cruzado no estado.