A semana de desgastes do governo e as 'dark kitchens' em SP
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🔸 O governo anunciou ontem um plano para reduzir o preço dos carros mais baratos ao patamar de R$ 60 mil. É uma tentativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de retomar uma marca de suas gestões anteriores: estimular o setor automobilístico para reaquecer as vendas e ressuscitar o conceito de “carro popular”. O cenário, desta vez, é mais complexo, explica o Metrópoles. Se em seus primeiros governos era possível comprar um automóvel em até 60 vezes, hoje cerca de 70% dos carros novos são vendidos à vista. Outro ponto é a poluição pela queima de combustíveis fósseis. A tentativa de popularizar carros não combina com o discurso em defesa da transição energética. A Coalizão Mobilidade Triplo Zero publicou nota criticando a medida: “Socorrer a indústria automobilística será um retrocesso nacional sob a ótica da mobilidade urbana sustentável”.
🔸 A semana foi de derrotas do governo no Congresso Nacional. A aprovação da MP da Esplanada dos Ministérios, que tirou funções essenciais dos Povos Indígenas e do Meio Ambiente, somou-se à urgência do projeto de lei do Marco Temporal, que restringe a demarcação de terras indígenas. Houve, porém, uma vitória: a aprovação do arcabouço fiscal. O Nexo ouve cientistas políticos para analisar o que pesa nas perdas e no ganho do governo na Câmara. “Todas essas votações são testes importantes para os partidos e para o governo, de medir forças e sinalizar expectativas do que seria essa ampliação da coalizão”, afirma Magna Inácio, professora da Universidade Federal de Minas Gerais.
🔸 No pacote de desgastes dos últimos dias, está o impasse em torno da exploração de petróleo na foz do Amazonas. O Ibama deu parecer técnico contrário ao projeto da Petrobras. A estatal, por sua vez, pressiona e pede que o órgão reveja a decisão. Em entrevista ao Eco, o especialista em dinâmicas oceanográficas na foz do Amazonas Nils Edvin Asp afirma que o estudo apresentado pela Petrobras ao Ibama foi “requentado” de um projeto de 2018 e só incorporou uma “modelagem conveniente”. “É preciso que se faça um estudo de qualidade, mas não vejo como ser viável um prazo inferior a dois anos”, diz o oceanógrafo. O debate, segundo ele, “virou uma questão política e econômica”: “Existe uma pressão muito grande. Pressão dos governadores, dos políticos, senadores, deputados da região norte. Mas eles estão vendendo para a população como se fosse uma riqueza que vai brotar na terra imediatamente. Não é bem assim.”
🔸 O (décimo) caso público de racismo contra o jogador brasileiro Vinícius Jr. na Espanha escancara uma cultura que banaliza e permite a discriminação e a xenofobia no país. A revista piauí reúne relatos de outras vítimas, como o da carioca Géssica Marinho da Silva, que deixou São Gonçalo, município da região metropolitana do Rio de Janeiro, para viver em Madri. Ela conta que foi alvo de ofensas racistas inúmeras vezes, muitas delas por causa de seu cabelo. “As pessoas não te dão credibilidade. Não querem que a gente se sinta à vontade por aqui”, diz. A reportagem lembra que, segundo a organização espanhola SOS Racismo, em quatro anos, os ataques subiram 50% e passaram de 347 casos em 2017 para 523 ataques em 2021.
🔸 Um jogo chamado “simulador de escravidão” estava disponível para download no Google até quarta-feira, quando a plataforma o removeu após denúncias de usuários e da mandata coletiva da Câmara de Vereadores de São Paulo Quilombo Periférico (PSOL). Mas o app já havia sido baixado por mais de mil pessoas. A Ponte detalha o jogo, que propagandeava que o usuário seria capaz de comprar e vender “escravos no mercado” e também distribuir “seus escravos em diferentes empregos para ganhar dinheiro”. Em nota, os vereadores do PSOL cobram a responsabilização do Google, “uma vez que disponibiliza o jogo em sua plataforma e é, portanto, conivente com o racismo e a apologia ao crime contra a humanidade que foi a escravidão”. O Ministério Público de São Paulo deu três dias para a empresa se explicar sobre o app.
🔸 Falando em Google… Parlamentares alinhados com os interesses das gigantes da tecnologia apresentaram um projeto de lei para regular as plataformas, em meio ao impasse do PL 2.630, que encontra resistência na Câmara. O Núcleo conta quem são os deputados nessa frente – sobretudo filiados ao PL, o maior partido de oposição ao governo – e explica que o projeto defendido por eles é brando com as plataformas digitais.
📮 Outras histórias
Desde a última operação policial, na quarta-feira, moradores do Complexo do Alemão estão sem luz. O problema é mais grave na região da Praça do Areal, onde dois postes foram incendiados, cederam e caíram sobre residências, destaca o Voz das Comunidades. A falta de energia também prejudica o comércio local. Dona de um mercado de refrescos, Rita Maria, de 40 anos, perdeu parte da mercadoria. “O que eu tinha de sacolé, eu tive que distribuir para os moradores”, conta. As favelas da Penha e do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, foram alvo do Bope, o Batalhão de Operações Policiais Especiais. Mais uma vez, os alunos ficaram sem aula: na Penha, foram 17 escolas fechadas, e no Alemão, outras 36.
📌 Investigação
Líderes caminhoneiros foram monitorados pela gestão Bolsonaro. Documento de 2020 da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) listou nomes, fotografias e análise da “vinculação a grupos políticos de oposição” ao governo, como revela a Agência Pública, em reportagem do especial “Caixa-Preta do Bolsonaro”. Ao lado das fotos dos trabalhadores estão classificações divididas entre “alta”, “média” e “baixa” em relação a supostos níveis de “ameaça”. A lista inclui dirigentes de entidades representativas em âmbito nacional, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL) e a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), além de lideranças autônomas, não vinculadas às associações do setor. “Infelizmente essa história não me surpreende nem um pouco, porque combina com o perfil de um governo com viés autoritário, como era naquela época”, afirmou Carlos Alberto Dahmer, o Litti, atual diretor da CNTTL, considerado “ameaça média”. Ele relatou ainda que suspeita, “desde sempre”, que seu telefone seja “grampeado”.
🍂 Meio ambiente
“Como sonhara Ricardo Salles”, escreveu o Observatório do Clima, rede que reúne diversas organizações da sociedade civil, sobre a aprovação de texto que facilita a destruição da Mata Atlântica. A Câmara aprovou a medida provisória 1150, na noite de quarta, às vésperas do dia dedicado ao bioma, comemorado amanhã. Segundo o Projeto Colabora, a MP altera a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/06) para permitir o desmatamento para a implantação de linhas de transmissão de energia elétrica, de gasoduto ou de sistemas de abastecimento público de água – sem necessidade de estudo prévio de impacto ambiental ou qualquer tipo de compensação. Também não há mais necessidade de parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação no estágio médio de regeneração em área urbana, deixando apenas por decisão do órgão municipal.
Na ponta do outro lado: iniciativa da zona norte de São Paulo atua na preservação da Mata Atlântica. O Coletivo Autonomia ZN, do bairro Jardim Filhos da Terra, na região de Tremembé, promove o cuidado e restauração da floresta, localizada na área urbana da capital paulista. São desenvolvidas atividades em três áreas de atuação: permacultura, economia solidária e educação popular. Entre os exemplos estão a construção de um lago sazonal, bioconstrução de pallets, compostagem para reciclar resíduos orgânicos e produzir adubo, coleta de água, plantio, revitalização do solo e reciclagem. O Desenrola e Não Me Enrola conversa com os responsáveis pelo projeto, que também tem como objetivo reconectar os moradores ao plantio e ao consumo alimentar ancestral.
📙 Cultura
Um dos maiores especialistas na obra e vida de Fernando Pessoa (1888-1935), Richard Zenith aprendeu português no Brasil. Nascido em Washington, nos Estados Unidos, aos 22 anos, fez intercâmbio na Universidade de Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, onde também se encantou pela literatura brasileira. “João Cabral revelou-me uma maneira nova de conceber e fazer poesia, como uma espécie de engenharia verbal, inspirando-me a escrever os meus próprios versos”, conta em entrevista à revista Quatro Cinco Um. Embora tenha descoberto Pessoa ainda no seu país natal, Zenith afirma que foi no Brasil que começou a lê-lo atentamente: “Ainda tenho livros da sua poesia que adquiri em Florianópolis, por volta de 1980”. O pesquisador, que traduziu a obra do poeta português para a língua inglesa, volta para as terras brasileiras para A Feira do Livro, evento que acontece no próximo mês, em São Paulo.
Cria da Rocinha, Kimberly Duarte, conhecida como Salemm, é fundadora da Favela Content, que atua em uma enorme gama de projetos de produção, locação, fotografia e rede de influenciadores. A produtora é responsável por movimentar a economia local da favela localizada na zona sul do Rio de Janeiro com a gravação de videoclipes, filmagens, locações e ensaios fotográficos para artistas nacionais e internacionais. O Fala Roça descreve a atuação da Favela Content, que também busca preparar jovens da comunidade para o mercado audiovisual. “Nunca foi fácil. É uma tarefa árdua para a gente que é de favela ter acesso a bons equipamentos, ter nosso trabalho reconhecido e levado a sério. Principalmente, [conseguir] um cachê justo pelo trabalho”, afirma Salemm.
🎧 Podcast
Uma mulher decidiu ir atrás de histórias. O nome dela era Virgínia Quaresma, a primeira repórter de Portugal. No início do século 20, a imagem de repórter como uma pessoa que vai às ruas para encontrar os fatos nem sequer existia. Os jornalistas ficavam na redação, recebiam a notícia e escreviam. Pioneira em terras lusitanas, Virgínia decidiu atravessar o oceano em busca de emprego e se tornou também a primeira repórter do Brasil. O novo episódio do “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, narra a história da portuguesa, por que ela não é conhecida e como se criam regras que ainda não existem.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
As dark kitchens dominam os serviços de delivery. Um em cada três restaurantes cadastrados no iFood na cidade de São Paulo é uma cozinha-fantasma, segundo os dados são de um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A pesquisa analisou 3 mil estabelecimentos, divididos igualmente entre três cidades: São Paulo, Campinas e Limeira. Na primeira, elas representam pelo menos 35% dos restaurantes. Em Campinas e Limeira, são 24,4% e 22,5%, respectivamente. Apesar do número ter surpreendido, os pesquisadores acreditam que seja ainda maior. O Joio e O Trigo explica que dark kitchens são cozinhas comerciais que trabalham exclusivamente para delivery e não oferecem espaço para o consumo dos alimentos, como os restaurantes tradicionais. Esses locais são invisíveis até mesmo as autoridades sanitárias e atuam de forma nada transparente, impedindo visitas de cidadãos e da imprensa.