A saúde de quem convive com a violência e o mercado do açaí
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🔸 A Câmara aprovou ontem à noite projeto de lei que atualiza a lei de cotas estudantis no ensino público federal. Além de garantir a continuidade do programa, o texto inclui uma série de mudanças, como a ampliação das cotas para cursos de pós-graduação e a inclusão dos quilombolas entre os cotistas. O Congresso em Foco explica que a lei de cotas data de 2012 e deveria ser revista em dez anos. O novo texto mantém a revisão, somada a um monitoramento anual de resultados. “A política de cotas ao longo dos últimos dez anos demonstrou resultados efetivos para assegurar o direito à educação a quem esse direito sempre foi negado. As cotas sociais e raciais contribuem para um Brasil mais justo”, afirmou a deputada Maria do Rosário (PT-RS), autora do projeto de revisão da lei.
🔸 Um estudo calculou o impacto da violência na saúde mental dos moradores de favelas do Rio de Janeiro. Mais de 50% dos que vivem em comunidades expostas a tiroteios causados pelas operações policiais sofrem com insônia prolongada, depressão e ansiedade, em comparação com 36% dos que residem em comunidades não afetadas pela rotina da violência armada. O estudo “Saúde na Linha de Tiro: Impactos da Guerra às Drogas sobre a Saúde no Rio de Janeiro” é o terceiro de uma série sobre o custo da proibição das drogas. O Projeto Colabora detalha os resultados do trabalho. “A pesquisa desmente completamente essa ideia de que os moradores das comunidades estão acostumados com essa rotina de violência, que se tornaram resilientes. Muitos sofrem com reações físicas durante os tiroteios”, afirma Mariana Siracusa, Cientista Social e coordenadora do estudo.
🔸 O trabalho no campo no Brasil se baseia na informalidade. Mais de 60% dos trabalhadores rurais não têm carteira assinada e cumprem funções de curta duração ligadas ao ciclo agrícola, como o plantio e a colheita. Por isso, recebem salário “no máximo [durante] três meses por ano”, como afirma Gabriel Bezerra, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar). A Repórter Brasil lembra ainda que o campo é o principal foco dos flagrantes de escravidão no país – 90% dos trabalhadores identificados em situação de escravidão durante fiscalizações atuava em áreas rurais. Para Bezerra, para enfrentar a precarização no campo é preciso uma revisão da reforma trabalhista aprovada em 2017, que enfraqueceu sindicatos e flexibilizou as relações de emprego no país.
🔸 Em áudio: o cerco se fecha contra aliados de Jair Bolsonaro (PL). Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal, foi preso preventivamente ontem. Ele é investigado no caso das blitze realizadas no segundo turno das eleições de 2022 com o objetivo de impedir que eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegassem às urnas. O “Durma com Essa”, podcast do Nexo, lembra ainda a situação de outros aliados do ex-presidente – o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-ajudante de ordens do Palácio do Planalto Mauro Cid.
📮 Outras histórias
Os casos de violência contra a mulher em seis estados do Nordeste aumentaram 22% no primeiro semestre deste ano. A Agência Tatu solicitou os dados dos nove estados da região via Lei de Acesso à Informação, mas só recebeu informações sobre Alagoas, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. Para Paula Lopes, advogada especialista em Direitos Humanos, o crescimento também pode estar relacionado ao aumento de denúncias: “Passamos por seis anos de uma política de desestabilização e também de enfraquecimento da rede de proteção às mulheres. [...] E, por outro lado, temos um movimento muito forte e acirrado, dizendo para as mulheres o tempo todo que ‘denuncie, corra atrás dos seus direitos, existe lei, e é preciso ter uma rede maior’. Com isso as mulheres se sentem confiantes”.
📌 Investigação
Ao contrário do que costuma fazer em operações policiais que resultam em apreensões ou mortes, a Polícia Militar de Santa Catarina não divulgou o que aconteceu em 23 de março deste ano, no Morro do Mocotó, em Florianópolis (SC). Naquela noite, houve a execução de Antônio, conhecido como Mãozinha, um homem negro de 38 anos que se preparava para ir ao aniversário da mãe, mas nunca chegou. O Portal Catarinas revela, em parceria com o projeto Cotidiano, os detalhes do caso. O corpo de Mãozinha foi encontrado no mato, e o resgate foi feito por policiais civis e militares usando uma corda. “Abriram ele no tiro. E aí amarraram uma corda no pescoço dele, arrastaram o corpo dele. Isso ele já morto”, relata um morador. Segundo a polícia, o caso não foi divulgado para não prejudicar as investigações. As autoridades não informam, porém, se as apurações foram ou não concluídas.
🍂 Meio ambiente
Aumento na instabilidade do lençol freático pode converter as planícies alagadas da Amazônia em savanas. É o que mostra estudo publicado na revista científica “PNAS”, realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com universidades do exterior. A Agência Bori explica que, além do sistema de chuvas, a variação de profundidade das águas subterrâneas influencia se floresta ou savana será predominante em áreas da América do Sul. “Encontramos muito raramente espécies de árvores que conseguem tolerar tanto o encharcamento como a seca”, aponta o pesquisador Caio Mattos, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos.
Alimento tradicional da cultura amazônica, o açaí aos poucos se torna uma commodity com uma demanda internacional que tem dificultado o acesso das populações locais. Em conversa com O Joio e o Trigo, Tainá Marajoara, do povo indígena Aruã, do Marajó (PA), explica que a ascensão do produto no mercado vem gerando devastação, uso de agrotóxicos, empobrecimento da população e insegurança alimentar. Pesquisadora, cozinheira e ativista pela preservação das culturas alimentares, ela lembra que o efeito é semelhante ao que deriva da soja e dos produtos transgênicos, cujo cultivo não resulta em maior distribuição de renda e maior qualidade de vida. “Quando o açaí deixa de ir para a mesa das famílias e passa a ser comercializado para fora, essas famílias ficam reféns das indústrias”, afirma.
📙 Cultura
“A gente conta nos dedos as galerias de arte que têm a preocupação, o engajamento e o posicionamento de equidade racial.” Alex Tso é curador, galerista e fundador da Diáspora Galeria, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, e conta com uma equipe de curadoria totalmente racializada. A Emerge Mag traz a experiência da Diáspora e também da Lateral, galeria que funciona no bairro do Ipiranga, zona sul da capital paulista. Ambas trabalham para democratizar o acesso à arte, impulsionar artistas emergentes e abordar temas raciais em um mercado majoritariamente branco e elitista.
Primeiro slam de rua do mundo, a batalha de poesias da Guilhermina acontece na Vila Guilhermina, zona leste de São Paulo, desde 2012. Fundadora do evento, Cristina Assunção atua na área de audiovisual, produção cultural e teatro e, desde 2015, é slammaster da iniciativa. No “Poesia Delas”, produção do Nós, Mulheres da Periferia, ela narra a história do segundo slam do Brasil e como essa cultura se espalhou por todo o país na última década.
🎧 Podcast
Ao longo da carreira como jornalista, Flávio VM Costa aprendeu a descobrir “onde as cobras dormem”. A expressão popular que ouviu há 16 anos define o que veio a ser como profissional, em busca de histórias nas entrelinhas. O “Vida de Jornalista”, produção Rádio Guarda-Chuva, conversa com o repórter, que narra sua trajetória desde a infância, marcada pelo processo de se entender como um homem negro, até ganhar notoriedade na imprensa baiana, estado onde nasceu, sua jornada no UOL, a atuação como editor-chefe do “The Intercept Brasil” e a experiência na cobertura do Judiciário e segurança pública.
✊🏾 Direitos humanos
“É muito mais um avanço no ponto de vista do debate público do que de uma eficiência jurídica”, afirma Joel Luiz Costa, diretor-executivo do Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), sobre a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. Em entrevista à Ponte, o advogado explica que a discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) é ainda pouco eficiente principalmente ao se guiar pela quantidade de substância – o que não impede a polícia de forjar flagrantes. Para ele, é necessário que sejam coletadas outras provas além da palavra do policial, como a quebra de sigilo telefônico do suspeito. Costa completa: “[O julgamento no STF] É uma resposta populista e midiática ao debate global, e não uma resposta eficiente e comprometida com o desencarceramento e um sistema de justiça minimamente mais racional”.