O saldo da guerra às drogas e a literatura periférica
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🔸 A Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas lançou ontem um relatório com medidas de reparação no país, com análises sobre como a guerra às drogas contribui para injustiças raciais e o aprisionamento da população negra. A Alma Preta lista as seis recomendações que poderiam ser adotadas pelo governo para reduzir o impacto do racismo praticado pelo Estado. Entre as ações propostas, está a criação de uma comissão da verdade para investigar a participação de agentes em crimes contra a humanidade, a reparação financeira às famílias que tiveram filhos vitimados dentro da lógica da guerra às drogas ou ainda mudanças nas leis para encerrar os conflitos relacionados à proibição das drogas.
🔸 Jovens negros são 67,5% dos encarcerados no Brasil, segundo o Anuário de Segurança Pública de 2022. Pessoas negras são 77,6% das vítimas de homicídio doloso no país. São fartas as estatísticas que confirmam como a atual guerra às drogas afeta a população negra. O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma na quarta-feira o julgamento da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. A decisão será fundamental para mudanças em práticas que penalizam sobretudo os jovens negros. O Nexo explica a atual política e conversa com especialistas sobre a necessidade de reparação. “A guerra às drogas acaba não atendendo a justificativa que se coloca: acabar com as drogas. E o resultado são aparatos legais que justificam ações muito violentas do Estado dirigidas à população negra. Pensamos que, em um país como o Brasil, que teve a escravização dos sujeitos negros por tantos séculos, é necessário que o Estado brasileiro deixe de incorporar uma agenda de morte para fazer uma agenda de vida”, afirma a socióloga Nathália Oliveira, diretora da Iniciativa Negra.
🔸 Enquanto isso, avança a indicação de mais um homem branco para o STF. O senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) deu parecer favorável ao advogado Cristiano Zanin, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a Corte. A sabatina para confirmar o nome do novo magistrado está marcada para quarta-feira. O Congresso em Foco conta que Zanin tem feito reuniões com parlamentares para se apresentar e buscar votos. Primeiro, ele precisa ser aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça. Depois, pelo Plenário do Senado. Em tempo: entre 170 ministros que já atuaram na história do STF, somente três eram negros (e todos homens).
🔸 Alvo de mandado de busca e apreensão pela Polícia Federal, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) teve o celular apreendido e as redes sociais bloqueadas por ordem de Alexandre de Moraes. O ministro abriu inquérito contra ele em fevereiro, diante das afirmações de que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) teriam participado de articulações sobre um golpe de Estado em 2022. A CartaCapital informa que agentes da PF vasculharam o gabinete de Do Val no Senado e endereços no Espírito Santo, sua base eleitoral.
🔸 Ainda sobre golpe: no último mês, cresceu a circulação de mensagens com teor golpista no Whatsapp. Levantamento exclusivo da Lupa revela que, cinco meses depois do 8 de janeiro, ganharam força com a abertura da CPMI sobre o tema no Congresso. Num primeiro momento, logo na sequência das invasões aos Três Poderes em Brasília, as mensagens diminuíram. Tiveram um pico em 30 de março, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou ao Brasil. Em maio e junho, voltaram a crescer tanto vídeos novos, que propõem parar o Brasil para que as Forças Armadas possam agir, quanto conteúdos antigos, usados nas eleições de 2022.
📮 Outras histórias
No Rio Grande do Sul, uma categoria de servidores públicos recebe R$ 1.125, menos que o salário mínimo nacional. Precisam fazer empréstimos ou encontrar “bicos” para sobreviver. Há mais de dez anos como agente administrativo na Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG), Christian Raymundo Peixoto, 37 anos, é parte da categoria. Mora em condições insalubres, está soterrado em dívidas e aguardava uma cesta básica quando a reportagem do Sul21 o entrevistou. Quem distribui a ajuda é a Associação dos Técnicos Administrativos Públicos do Rio Grande do Sul (Astap), que representa servidores de nível médio de secretarias estaduais. É essa entidade que denunciou, ainda no ano passado, a situação de insegurança alimentar desses trabalhadores.
Negro e deficiente físico, o angolano Angelino Cassova, de 32 anos, foi alvo de ataque racista em Curitiba (PR). Para conseguir prender a cadeira de rodas ao cinto dentro de um ônibus, ele precisou pedir passagem às pessoas, que lhe abriram caminho – com exceção de Donzila Agostini. Ela se negou a dar licença e afirmou que Curitiba “é uma floresta agora”. Também foi capacitista ao dizer que não tinha “culpa da condição dele”. O Plural traz o vídeo gravado no ônibus. Foi por meio das imagens e das redes sociais que o advogado que representa a vítima, Valnei França, conseguiu confirmar a identidade da acusada. “Os casos de racismo não aumentaram, o que acontece é que agora eles estão sendo filmados. E essas provas podem ajudar no processo e numa eventual condenação”, afirma.
📌 Investigação
Sem suporte da Meta, usuários recorrem a “hackers do bem” para recuperar contas no Instagram e pagam taxas a eles sem a certeza de que não é golpe. A invasão de perfis na plataforma acontece frequentemente, mas existe um vácuo no atendimento da empresa, o que incentiva os invasores a seguir praticando o crime. Segundo o Núcleo, existem pessoas que se autointitulam como especialistas em segurança digital e prometem fazer a recuperação das contas. Quem recorre a eles, normalmente precisa pagar e frequentemente compartilhar informações sensíveis, como senha de e-mails. A reportagem analisou a página do Instagram no ReclameAqui, que, desde 2016, acumulou mais de 300 mil queixas relacionadas a diversos problemas. Apenas 37,8% foram respondidas. A categoria “perfis hackeados” conta com cerca de 30 mil delas. Em um único dia, foram contabilizadas 12 reclamações por hora com o tema.
🍂 Meio ambiente
Famílias negras são mais vulneráveis à ineficiência energética no país. É o que revela o “Relatório Eficiência Energética nas Favelas”, realizado por coletivos e moradores de favelas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que ouviu 1.156 pessoas, representando mais de 4.100 famílias, em que 74% delas se autodeclaram negras. O Projeto Colabora detalha que 31% dos entrevistados vivem em situação de pobreza energética e comprometem mais de 10% da renda com a conta de luz. Os dados mostram que o gasto com energia compromete inclusive a soberania alimentar das famílias – quase 70% quando perguntadas sobre o que fariam com o dinheiro se a conta de energia fosse mais barata responderam que usariam o valor para comprar alimentos.
Servidores de carreira ambiental voltam às superintendências do Ibama. Na última quarta-feira, foram divulgados os nomes que vão chefiar o órgão em Mato Grosso e no Pará. No primeiro, a nomeada é Cibele Madalena Xavier Ribeiro de Matos, analista ambiental que já tinha ocupado o cargo como substituta, entre 2010 e 2011, e como superintendente plena, entre 2011 e 2012. De 2020 até 2022, ela ocupou o cargo novamente como substituta. Já no Pará, o órgão será chefiado pelo analista ambiental Alex Lacerda de Souza, que foi superintendente entre 2015 e 2016. O Eco lembra que o analista ambiental Joel Bentes Araújo Filho já havia sido nomeado, em maio, para a superintendência no Amazonas, e que ainda restam a indicação para 23 cargos.
📙 Cultura
Com uma relação de margem e centro, a literatura periférica subverte as barreiras que lhe foram impostas. Embora tenha uma forte presença da territorialidade, possui também um caráter universal. Diversos autores têm lutado para mostrar isso. O Nonada explica como surgiu o termo “literatura periférica” ou “literatura marginal”, a partir da perspectiva de escritores desses territórios. “Sabe aquela frase célebre do Darcy Ribeiro de que a crise da educação no Brasil não é uma crise, mas um projeto? Pois é. Os projetos no Brasil sempre foram muitos, e ainda são muitos, cada qual mais terrível do que o outro. E um desses projetos, a meu ver, é justamente manter as periferias longe da literatura”, afirma o escritor José Falero, do bairro Lomba do Pinheiro, na zona leste de Porto Alegre.
Em vídeo: escritora e poetisa, Maria Nilda de Carvalho Mota, a Dinha, é uma dessas pessoas que potencializa o movimento social e literário nas periferias. Moradora do Parque Bristol, na zona sul de São Paulo, Dinha se apaixonou por livros ainda criança, mas seu único acesso a eles era os doados pela patroa de sua mãe. A autora é a primeira personagem da segunda temporada da série “Poesia Delas”, do Nós, mulheres da periferia, e conta como encontrou seu lugar na literatura periférica. Dinha relata que antes de existirem os saraus, existiam as posses de hip hop – grupos de pessoas envolvidas com a cultura. “A gente percebeu que só o rap, o grafite e só os elementos do hip hop não era tudo o que a gente precisava. Descobrimos que precisávamos de uma biblioteca porque o rap trazia referências que a gente não tinha conhecimento”, relata. Foi assim que a poetisa participou da criação da Biblioteca Comunitária Livro-Pra-Quê-Te-Quero no bairro dela.
🎧 Podcast
Fundadora e coordenadora do Projeto Boto, Vera da Silva é pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e vive na reserva Mamirauá, no oeste do Amazonas desde a década de 80. Ao longo da sua trajetória coletando dados sobre botos-rosa, o dia 30 de dezembro de 2009 mudou sua vida e a de Deise Nishimura, na época, uma jovem bióloga que fazia estágio na iniciativa. O “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, narra a história de quando Deise teve a perna abocanhada por Doroteia, um jacaré-açu que habitava a região onde ficava a casa da equipe.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
Embora a primeira imagem que vem à cabeça sobre relacionamentos interraciais seja a de uma pessoa branca com uma pessoa negra, existem vários tipos de relações amorosas entre pessoas de raças e etnias diferentes – amarelas, indígenas, negras, brancas. A revista AzMina reúne as experiências de quatro casais, sendo três interraciais, que discorrem sobre a necessidade de disposição para lidar com as questões raciais. O “letramento racial” foi considerado por eles como uma chave para a relação. “Ainda que eu busque ser uma aliada na luta antirracista, tenho que reconhecer que é estrutural e eu me beneficio de um sistema que privilegia meu corpo como pessoa branca, mesmo que não privilegie meu corpo como pessoa trans”, afirma Flô Yara, que se identifica como branca e travesti e mantém um relacionamento com Araci Santos, uma pessoa negra não-binária.