A saga das mulheres pelo aborto e a 'mãe dos manguezais' brasileiros
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Oi, gente, bom dia!
A pesquisa da Brasis termina na segunda-feira pela manhã. O questionário é breve, leva quatro minutos para ser concluído, e as respostas são muito importantes para guiar nossa seleção diária de textos. Para participar, é só clicar aqui.
Obrigada e boa leitura.
🔸 Ana (nome fictício) precisou viajar 2 mil quilômetros para ter acesso ao aborto legal, um direito garantido por lei no Brasil a vítimas de violência sexual, como ela. Ontem, véspera do Dia Internacional da Mulher, a jovem de 29 anos aguardava para fazer o procedimento num hospital em Salvador. Moradora da periferia de São Paulo, ela teve o direito negado nas unidades de saúde da capital paulista. Lá, o hospital de referência no serviço, o Vila Nova Cachoeirinha, suspendeu-o no ano passado. Outros quatro que deveriam realizar o procedimento não o fazem, como apurou a Agência Pública. Depois que a prefeitura fez um pente-fino nos prontuários do Vila Nova Cachoeirinha – o que é ilegal, já que os dados de pacientes são sigilosos –, os profissionais temem perseguição e pedem boletim de ocorrência às mulheres. “Isso é totalmente ilegal. A mulher não precisa fazer boletim de ocorrência para acessar o seu direito. É uma forma de intimidação, de dificultar o acesso delas”, afirma Rebeca Mendes, do Projeto Vivas, que ajuda mulheres a acessar o direito ao aborto legal.
🔸 Em 2023, o Brasil registrou 1.463 casos de feminicídio, maior número desde que o crime foi definido legalmente, em 2015. De lá para cá, mais de 10 mil mulheres foram assassinadas no país, segundo o Fórum de Segurança Pública. O dado pode ser ainda maior, destaca a CartaCapital, já que é alta a subnotificação nesses casos. Pelo segundo ano, a região Centro-Oeste registrou a maior taxa de feminicídios do Brasil, 43% acima da média nacional. O relatório do Fórum aponta que, apesar das promessas eleitorais, pouco foi feito para combater a violência contra a mulher em 2023. “Um exemplo é o governo de Tarcísio de Freitas, que congelou os investimentos voltados ao enfrentamento à violência contra as mulheres no ano passado, mesmo diante do crescimento e recorde dos feminicídios e estupros no estado”, diz o estudo.
🔸 “Temos um histórico de desvalorização da palavra da mulher. Processos de agressão sexual já começam com uma névoa de dúvida sobre o que uma vítima mulher diz”, afirma Janaína Penalva, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Para dar tratamento digno às mulheres vítimas de violência sexual nos julgamentos, a Lei Mariana Ferrer foi aprovada em 2021. A Lupa informa que, no entanto, não se sabe se juízes e advogados que constrangem as vítimas são de fato responsabilizados. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não monitora o cumprimento da lei. “O processo judicial, como qualquer ato da vida pública, está impregnado pelo machismo. Isso significa que o processo pode espelhar — mas não deve — o desrespeito à dignidade sexual das mulheres”, completa Penalva.
🔸 Escapar da violência doméstica depende de amparo social e estatal. “Poder contar com recursos financeiros, lugares seguros, acolhimento, informação e rede de apoio é decisivo para o rompimento do ciclo violento”, escreve Natália Souza, na revista AzMina. Mais de cem mulheres de 17 estados responderam a um questionário do Instituto AzMina sobre suas histórias em ciclos de violência. A reportagem reúne alguns dos relatos, compila os dados da pesquisa e cria uma espécie de guia para mulheres romperem relacionamentos violentos.
🔸 Ana Paula Oliveira esperou dez anos pelo dia de ontem. Em 2014, seu filho Jonatha de Oliveira Lima, de 19 anos, foi assassinado com um tiro nas costas, na comunidade de Manguinhos, no Rio de Janeiro. A Justiça condenou ontem o policial militar Alessandro Marcelino de Souza por homicídio culposo (quando não há a intenção de matar). A reação da mãe é de revolta, como mostra o Notícia Preta: “Essa é a resposta que a sociedade dá pra mim? A sociedade compactua com policiais assassinos. A culpa é da sociedade de os PMs continuarem matando nossos filhos. Ele já foi réu por outros homicídios. E eu aqui com a dor de ter meu filho assassinado com um tiro nas costas. Essa luta não pode ser só minha”.
📮 Outras histórias
O número de mulheres empreendedoras por volta dos 40 anos cresceu nos últimos anos, atingiu a maior marca em 2022, segundo dados do Sebrae. Quase 50% delas são mulheres negras e 67% têm idade entre 35 e 64 anos. No Complexo da Maré, comunidade na região Norte do Rio de Janeiro, não são poucos os exemplos de empreendedoras que superam o etarismo. O Maré de Notícias costura os dados e histórias como a de Fátima Donária. Ela, que antes cortava o cabelo das irmãs e de amigas, abriu seu próprio negócio aos 50 anos. “Fui voluntária em um abrigo de idosas e cortava cabelo com máquina, igual homem, bem baixinho e uma delas pediu um corte diferente e, eu dei meu jeito, mas isso me despertou e fui fazer o curso”, diz, referindo-se ao “Maré de Belezas”, na Casa das Mulheres, projeto da Redes da Maré.
📌 Investigação
Ao contrário do que afirma o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, o suicídio de policiais militares bateu recorde no governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos). Em entrevista à Jovem Pan, Derrite afirmou que os casos diminuíram 20%. A Ponte revela, porém, que 31 agentes tiraram a própria vida em 2023, o maior número em 11 anos e um aumento de 63% em relação ao ano anterior, segundo os dados da própria corporação, obtidos via Lei de Acesso à Informação. Essa foi a segunda causa mais frequente de mortes de policiais, atrás de morte natural (32). São Paulo é o estado que lidera o número de vítimas de suicídios entre profissionais de segurança pública e, só em janeiro de 2024, já constam duas vítimas, segundo o Sistema Nacional de Estatística de Segurança Pública e Justiça Criminal (Sinesp), do Ministério da Justiça.
🍂 Meio ambiente
“Conhecer o manguezal não tem fim.” A pesquisadora Yara Schaeffer-Novelli é considerada a “mãe dos manguezais brasileiros”. Quando começou a pesquisá-los, em 1976, a ciência nacional sabia muito pouco sobre esse ecossistema. Professora sênior do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, hoje, aos 80 anos, Yara segue se dedicando à paixão por esse universo. O Eco viajou até Cananéia, no litoral sul de São Paulo, onde a cientista começou a desenvolver seus estudos pioneiros, há mais de quatro décadas, e ouviu a pesquisadora ao longo de três dias. “Conservação para mim é ter as condições atuais para o futuro. É sabermos ser hóspedes desta Terra que nos hospeda.”
Encontrado morto em Brumadinho na segunda, o cacique Merong Famakã Mongoió foi sepultado na quarta-feira na cidade mineira. Aos 37 anos, o líder indígena do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe lutava pelo processo de retomada do Vale do Córrego de Areias, área reivindicada pela Vale. A Revista Afirmativa conta que a mineradora chegou a conseguir na Justiça uma liminar para impedir o sepultamento do cacique nas terras onde ele vivia com outras famílias. Embora a Polícia Civil investigue a possibilidade de assassinato do cacique, a Polícia Militar fala em suicídio. A Repórter Brasil apurou que ele teria sido alvo de perseguição de policiais militares e de seguranças a serviço da Vale. “Frequentemente, estamos tendo a presença da PM, juntamente com a segurança da Vale, fazendo pressão psicológica pra gente se retirar da nossa aldeia”, disse o próprio Merong em 2022.
📙 Cultura
Cria do bairro do Taboão, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, a DJ Thaís Tiemi Reis Yamamoto conseguiu levar sua música para Londres, na Inglaterra, ao transmitir suas mixagens na Web Rádio Plus+ 55. “Meus gostos musicais vieram das minhas andanças pelas ruas. Como tenho 35 anos, venho de uma época em que o acesso à música era um pouco diferente de hoje, então sempre tive o interesse de, além de escutar, ir atrás de bandas e estilos diferentes”, conta à Agência Mural. A DJ trabalha com gêneros como “garage”, ritmo comum nas periferias do Reino Unido, com influências jamaicanas e referências diretas do hip hop britânico.
🎧 Podcast
Em oito páginas, elas escreveram dezenas de propostas em prol das mulheres para a Constituição de 1988, em vigor até hoje. A partir de uma carta entregue à Constituinte em 1987, o “Jogo de Cartas”, produção da Rádio Novelo, em parceria com o Instituto Update, traça o movimento que revolucionou a democracia brasileira em busca da ocupação dos espaços por mulheres e de direitos, como o aumento da licença maternidade – de apenas 84 dias na época. Elas reivindicavam que o pai também tivesse licença para arcar com a responsabilidade do cuidado com os filhos.
✊🏽 Para ler no fim de semana
“Uma mulher negra, mãe solo, nordestina e rural é o principal alvo da fome”, afirma a pesquisadora Adriana Salay. No Nordeste, mais de 6 milhões de mulheres negras são responsáveis por suas famílias. No especial “Caminhos da Alimentação: o que chega à mesa das mulheres negras”, a Gênero e Número narra a história de quatro delas: Gercina, Claudecir, Conceição e Lindalva. Todas vivem na região metropolitana de Recife (PE) e compartilharam seus diários de alimentação por sete dias. Entre fotos, vídeos, textos e gráficos, a reportagem mostra como sobreposição de jornadas de trabalho, renda, sobrecarga com tarefas de cuidado e afazeres domésticos, acesso a transporte e saúde influenciam na aquisição e no consumo de alimentos.