Os riscos das minas em Maceió e os sábios populares do Semiárido
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 Duas semanas antes de a mina da Braskem em Maceió entrar em colapso, a prefeitura descartou o contrato de medidas preventivas que mantinha com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A informação foi revelada pelo Olhos Jornalismo, que integra a Redação Nordeste ao lado da Marco Zero e Mídia Caeté. A universidade atuava desde 2019 na interpretação de dados e sugestões de soluções técnicas e medidas preventivas nos bairros Pinheiro, Mutange, Bom Parto, Bebedouro e Farol, afetados pelo crime da mineradora. “O fim do contrato foi encaminhado pela Defesa Civil de Maceió, via ofício, falando que não ia ocorrer a renovação”, conta Roberto Quental Coutinho, professor titular na área de geotecnia da UFPE.
🔸 “Quanto de chuva Maceió suporta para que não aconteça um deslizamento do solo?”, pergunta Humberto Barbosa, professor e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite da Universidade Federal de Alagoas (LAPIS/UFAL). Ele monitora imagens que ajudam a prever mudanças meteorológicas e explica à Agência Pública que, se o solo ficar encharcado, torna-se mais suscetível a afundamentos. “Não sabemos ao certo quais podem ser as consequências das chuvas em um terreno já degradado como o da região afetada pela exploração da Braskem. Até porque o desastre que está acontecendo na cidade não tem precedentes, não há na literatura um registro semelhante. Maceió é hoje um laboratório – no pior sentido – de desastres”, afirma.
🔸 Não é de hoje: a ditadura já sabia dos riscos das minas da Braskem e espionou movimentos sociais que se opuseram à exploração mineral em Maceió. O Intercept Brasil revela documentos sigilosos do regime que evidenciam o monitoramento e a repressão de críticos à extração de sal-gema na região, considerada estratégica para o projeto desenvolvimentista da ditadura. Relatórios do Serviço Nacional de Informações (SNI) dos anos 1970 confirmam a vigilância sobre atividades de mobilização contra a expansão da mineração na região, incluindo reuniões, atividades sindicais e até um bloco de carnaval. Em 1983, um relatório confidencial da Polícia Militar de Alagoas já alertava sobre o risco de um “acidente grave” na região, ecoando as preocupações atuais sobre o colapso da mina.
🔸 O racismo no mercado de trabalho: no Brasil, pessoas brancas ganham em média 64,2% a mais pessoas pretas. A maior diferença registrada está entre trabalhadores que têm nível superior completo, com R$ 35,30 para brancos e R$ 25,70 para pretos ou pardos (por hora de trabalho), informa a CartaCapital. Divulgada ontem, a pesquisa Síntese de Indicadores Sociais 2023 do IBGE mostra ainda que o percentual de pessoas em situação de pobreza caiu de 2021 para 2022. Os dados detalhados expõem, outra vez, o racismo: pessoas pretas (40%) ainda são até duas vezes mais pobres que pessoas brancas (21%).
🔸 O Congresso Nacional empurrou para 2024 a pauta da remuneração de veículos jornalísticos pelas plataformas digitais. O tema provoca controvérsias entre as big techs, o governo, as empresas e as entidades de jornalismo. O Congresso em Foco traz os principais pontos do debate sobre o assunto e lembra que a proposta de pagamento por conteúdos jornalísticos estava prevista no PL das Fake News, cuja aprovação foi travada na Câmara em meio à falta de consenso entre as bancadas.
📮 Outras histórias
“Passei a infância, a adolescência e parte da vida adulta pensando que, por ser negro, pobre, nenhum espaço me pertencia. Eu não me reconhecia como gente”, afirma o professor de artes cênicas Lázaro Machado dos Santos, responsável por instalar uma oficina de teatro na Escola Municipal Maria Dolores, na região central de Salvador (BA). O Meus Sertões narra a trajetória de Lázaro, que atualmente ensaia a peça “Depois do Navio Negreiro”, com 11 de seus alunos entre 10 e 16 anos, para contar a história da população negra no Brasil. O professor avalia que a atividade é o que mais marca os estudantes. “É a história deles. Esse reconhecimento permite uma compreensão maior. Os meninos e meninas são doutores nessa questão de consciência negra.”
📌 Investigação
Lobistas da indústria alimentícia se reuniram 69 vezes com autoridades do alto escalão do Executivo federal durante o período de discussão da Reforma Tributária, entre janeiro e outubro de 2023. No “Lobby na Comida”, a Fiquem Sabendo revela que o número é quase cinco vezes maior que as agendas oficiais com integrantes da coalizão Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável. Houve ao menos 16 tentativas de reuniões da entidade não atendidas pelo governo. Também foram feitos 13 pedidos de informação com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) solicitando atas, vídeos e outros registros de reuniões realizadas com agentes privados, além de registros de entrada na Câmara e no Senado. Os ministérios da Fazenda e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços afirmaram não produzir esse material. Já o Congresso negou as solicitações com base na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
🍂 Meio ambiente
Habituados a fazer previsões no Semiárido brasileiro, os sábios locais percebem os efeitos da crise climática a partir de mudanças no comportamento dos animais, na força dos ventos e na temperatura. Morador Distrito Cipó dos Anjos, em Quixadá, no Ceará, o profeta da chuva José Erasmo Barreira, de 76 anos, procura na mata um tatu fêmea prenha, que significa que o inverno – fase de chuvosa no bioma – vai ser bom. “Hoje, encontrar um tatu é muito difícil. As coisas mudaram muito”, conta. O Projeto Colabora ouviu sábios populares e pesquisadores para explicar como o Semiárido tem sido afetado pelo colapso climático, além do impacto do El Niño.
📙 Cultura
“O Festival Percurso dá a experiência aos expositores locais e artistas que não são contemplados pelo sistema, por falta de experiência ou profissionalização.” Jaime Diko Lopes é comunicador da Rádio Mixtura e um dos organizadores do Festival Percurso, que acontece no próximo domingo na Praça do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo. O Desenrola e Não Me Enrola ressalta que o evento retorna, após quatro anos de sua última edição presencial, com a sua tradicional feira de empreendedores, rodas de conversas e shows de artistas enraizados nos territórios periféricos.
🎧 Podcast
Nome citado por ligação ao projeto Resgatando Cativos, com o suposto objetivo de resgatar e recuperar usuários de drogas, o cabo Josias Viana detalhou como aconteceu o afastamento do pastor Arison Farias de Aguiar, responsável pela instituição que divulga o dia a dia dos internos em lives no Facebook – inclusive em situações humilhantes. O quinto episódio da série “O Pastor”, da “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, conversa com o policial militar e também traça indícios de ligação com o tráfico local. O episódio mostra que o projeto incentiva a recepção de dependentes químicos de fora do município de Itacoatiara (AM) e, ao não recuperá-los, faz com que fiquem nas ruas da cidade.
✊🏽 Direitos humanos
“Para mim mesma não tenho um sonho, não. Mas, para a juventude, para o meu povo, eu tenho o sonho de ver o melhor, de ver o avanço no crescimento, nas políticas públicas, nas universidades.” A ativista e sindicalista Creuza Oliveira é uma das pioneiras na luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas no Brasil e foi protagonista na aprovação da emenda constitucional que garantiu direitos trabalhistas à categoria, em 2013. No dia 24 de novembro, ela recebeu o título de doutora honoris causa, concedido pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ao Portal Catarinas Creuza compartilha as prioridades da classe atualmente, como foi a organização política e sindical e seus sonhos para o futuro.