Os riscos da Licença Ambiental Especial e a escalada da violência de gênero
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🔸 O Senado aprovou ontem a medida provisória que regulamenta a Licença Ambiental Especial (LAE). Ela cria o conceito de “empreendimentos estratégicos”, o que flexibiliza e facilita a concessão de licenças, via decreto presidencial, para obras que o Poder Executivo considera prioritárias. Por acordo, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), incluiu a MP na pauta durante a sessão, e os senadores aprovaram o texto que veio da Câmara dos Deputados sem alterações. O Reset destaca que a votação aconteceu em caráter simbólico, quando não há registro individual dos votos dos parlamentares, e durou menos de um minuto. Com a aprovação, a medida provisória vira um Projeto de Lei de Conversão. Na prática, significa que agora ele irá à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas não depende disso para começar a valer.
🔸 A LAE abre caminho para grandes empreendimentos de infraestrutura, do agronegócio e de mineração e para a exploração de petróleo na costa amazônica, esvaziando a análise técnica e a participação social e reduzindo a preservação em áreas protegidas e as salvaguardas das populações tradicionais. Especialistas ouvidos pela InfoAmazonia alertam para os riscos da nova licença, que deve acelerar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e obras que impactam os modos de vida de comunidades tradicionais e povos indígenas, colaborando com a destruição da floresta. “A LAE transforma o licenciamento em uma ‘licençona’, com prazos impossíveis de cumprir, feita para passar por cima dos órgãos ambientais para liberar grandes empreendimentos e obras, inclusive a exploração de petróleo na costa amazônica, obras como Ferrogrão, a hidrovia do Tapajós e a BR-319”, afirma Letícia Camargo, consultora de advocacy do Painel Mar.
🔸 A propósito: antes mesmo da aprovação do PL da Devastação e da LAE, 80% das terras indígenas de Roraima já estão cercadas pelo agronegócio. Estudo inédito do Programa de Formação em Ecologia Quantitativa do Instituto Serrapilheira, elaborado com exclusividade para a Repórter Brasil, mostra que há plantações de soja no entorno de 26 das 33 terras indígenas do estado. Esse “cercamento” acontece na esteira de incentivos públicos estaduais e da crescente demanda internacional. A área destinada para o monocultivo cresceu 526% em sete anos. “A gente sabe que, para produzir, a cada ano que passa eles vão usando mais veneno, mais agrotóxico, e isso vai prejudicando bastante o bem viver nosso aqui”, afirma Jabson Silva, liderança indígena do povo Macuxi, que vive na Terra Indígena Serra de Moça. “As doenças não aparecem logo, elas vêm com o tempo. A gente vai consumindo a água, o ar e os animais e vai se contaminando.”
🔸 Ao mesmo tempo que o investimento para o combate à violência de gênero diminuiu, casos recentes alertam para uma escalada de violências e mortes de mulheres nos últimos anos. Um relatório da ONU Mulheres mostrou que 34% das organizações de direitos das mulheres no mundo suspenderam ou encerraram programas específicos para enfrentar essas agressões devido a cortes no financiamento vindo de governos. O Nexo lembra que, no governo Bolsonaro, entre 2020 e 2022, o corte de verbas específicas para enfrentamento da violência contra a mulher foi de 90%, impactando serviços de acolhimento para vítimas de violência doméstica e campanhas de combate ao crime. No ano passado, dos R$ 41,6 milhões reservados para a Casa da Mulher Brasileira, nenhum valor foi pago. Já a central de atendimentos telefônicos recebeu apenas 43,6% dos valores prometidos.
📮 Outras histórias
“É deprimente ver o desrespeito com um patrimônio que é nosso, que já foi adquirido com dinheiro público. Ele precisa ter uma função social”, afirma a atriz, professora e produtora cultural Dayse Maria. Ela e outros trabalhadores da cultura de Vitória da Conquista (BA) reivindicam a revitalização e abertura de equipamentos culturais, como teatros, cinemas e a casa onde nasceu um dos expoentes do cinema brasileiro, Glauber Rocha. O Conquista Repórter conta que o imóvel onde o cineasta viveu até os 9 anos foi adquirido pela prefeitura em 2021, mas permanece fechado, assim como outros espaços destinados à cultura. A falta de políticas públicas e o pouco espaço de escuta preocupam os profissionais do setor, já que o município está às vésperas da construção do Plano Municipal de Cultura. No início do ano, a prefeitura teve que devolver ao governo federal mais de R$ 300 mil que não foram usados dentro do prazo legal.
📌 Investigação
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) recebeu pelo menos R$ 17,8 milhões de grandes organizações do agronegócio para ações relacionadas à COP30. Entre as doadoras, estão Bayer, Nestlé e Toyota, revela o Intercept Brasil, a partir de dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI). Uma das ações patrocinadas foi a estrutura da Agrizone, pavilhão liderado pela Embrapa e apontado por ambientalistas e organizações do terceiro setor como estratégia de greenwashing. O espaço promoveu o agronegócio, maior responsável pela emissões brasileiras de gases de efeito estufa, como sustentável e até como solução para a crise climática.
🍂 Meio ambiente
“Tá morrendo tudo. É cacau. É banana. Nada está aguentando”, relata o agricultor Agnaldo Costa Lima. Ele vive com a família no Assentamento Irmã Dorothy Stang, em Anapu (PA), um dos maiores símbolos da luta pela reforma agrária no país. O Joio e O Trigo detalha que a falta de água tem castigado os pequenos agricultores, que tentam não desanimar. “Vou continuar plantando. É o nosso alimento. É de onde a gente tira o nosso sustento.” A seca na região revela uma escassez hídrica também das águas subterrâneas. O poço artesiano construído pelo agricultor secou. Um segundo poço foi aberto, com cerca de dez metros de profundidade, mas também secou. O agricultor abriu um terceiro poço, cavando 12 metros na terra, mas a água é pouca e a prioridade passou a ser o consumo da família.
📙 Cultura
Em sua segunda edição, o Festival Literário Internacional da Paraíba (FliParaíba), em João Pessoa, firma sua identidade a partir da criação de pontes entre autores de países lusófonos. “A Paraíba é um lugar simbólico, o lugar mais oriental das Américas, o meridiano [do Brasil] que fica mais próximo da África e de Portugal”, afirma o escritor português José Manuel Diogo, curador do evento, que enxerga no lugar a possibilidade de uma “cidadania da língua”. A Quatro Cinco Um reúne os destaques da FliParaíba, que contou com nomes como Itamar Vieira Junior.
🎧 Podcast
Mariana Carrara descobriu cedo que, para ela, a estrutura familiar baseada na monogamia era insuficiente. Aos poucos, foi se aproximando de uma ideia que ela nomeia como paridade das relações. “Desde nova, a amizade era um vínculo de igual importância ou até maior”, reflete a escritora e defensora pública, em conversa com a psicanalista Vera Iaconelli, no “Isso Não É Uma Sessão de Análise”, produção da Trovão Mídia. Atualmente, Carrara vive com seu companheiro, cuja relação é não monogâmica, e com uma amiga, em modelo familiar ampliado que pessoas conhecidas apelidaram de “cluster”, palavra em inglês para “aglomerado” ou “agrupamento”. Ao desenvolver a crítica ao modelo familiar tradicional, ela também fala sobre os efeitos perversos e violentos da possessividade que acompanha a monogamia, além de contar como suas experiências contribuíram para a construção das personagens de seus livros.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
“Os meninos hoje aprendem sobre sobre relações e sexualidade na internet, muitas vezes em fóruns masculinistas que ensinam padrões de masculinidade extremamente violentos, racistas e LGBTfóbicos. Então, é na escola que a gente precisa ter oportunidade de ensinar padrões que sejam respeitosos, baseados no consentimento, que sejam antirracistas e que sejam baseados no respeito”, afirma Amanda Sadalla, diretora do Instituto Serenas, que se dedica à prevenção das violências de gênero por meio da educação. O Porvir ressalta o papel da escola no debate sobre gênero, com foco na transformação do comportamento masculino. Um levantamento da organização mostrou que, no último semestre, 42% dos professores entrevistados relataram ter testemunhado situações em que meninos tocaram ou acariciaram o corpo de meninas de forma desrespeitosa ou sem consentimento.




