Os recados de Moraes no STF e os erros nos detectores de IA
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🔸 “O Supremo Tribunal Federal sempre será absolutamente inflexível na defesa da soberania nacional e em seu compromisso com a democracia”, afirmou o ministro Alexandre de Moraes, no início do julgamento que definirá pela condenação ou não de Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados na trama golpista. Moraes fez um discurso em defesa da autonomia do STF contra “tentativas de coação internas e externas” e apresentou um balanço das ações sobre os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023: são 1.630 processos, com 683 condenações, 554 acordos de não persecução penal, 382 em andamento e 11 absolvições. O Correio Sabiá informa ainda que o ministro enviou um recado indireto para os que pleiteiam anistia ao afirmar que “impunidade, omissão e covardia não são opções para a pacificação” e que só o respeito às leis pode fortalecer a democracia. Ele reforçou que caberá ao STF julgar com base nas provas, seja pela absolvição quando houver dúvida razoável, seja pela condenação quando houver evidências consistentes.
🔸 A tarde do julgamento foi destinada às defesas dos réus. Os advogados negaram qualquer participação de seus clientes em planos de ruptura institucional e acusaram a Procuradoria-Geral da República (PGR) de basear a denúncia em “interpretações equivocadas” e em provas frágeis. A Lupa detalha o que disseram as defesas. Enquanto o advogado de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, alegou que ele não foi coagido na delação, a defesa do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, afirmou que as falas de Cid são contraditórias. Ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Torres, por sua vez, disse que a minuta de decreto encontrada em sua casa era apócrifa. O julgamento foi interrompido no fim da tarde e será retomado hoje pela manhã, com as alegações das defesas de Bolsonaro e outros dois réus.
🔸 “A questão crucial que vai definir a decisão de Moraes – e o desfecho do julgamento – é: o quão perto estivemos da abolição do estado democrático de direito?” Em artigo na revista piauí, Davi Tangerino, advogado e professor de direito na UERJ, explica que a PGR sustenta que houve tentativa efetiva de golpe, frustrada por fatores externos como a resistência do Exército. As defesas alegam que não houve mais do que atos preparatórios ou de desistência voluntária. A tendência, segundo Tangerino, é que o julgamento de Bolsonaro e de sete de seus aliados deve levar à condenação, já que as provas reunidas são robustas. A imprevisibilidade está em alguns pontos específicos, como a validade da delação de Mauro Cid, contestada pelas defesas sob alegação de coação.
🔸 No Congresso, União Brasil e PP anunciaram a saída da base do governo Lula. O presidente da federação União Progressista, Antônio Rueda, determinou que todos os filiados entreguem os cargos que ocupam no Executivo, sob pena de expulsão. Segundo o Congresso em Foco, a ruptura, prevista inicialmente para o fim do ano, foi antecipada após atrito entre Rueda e Lula. A federação controla atualmente três ministérios: Esporte, com André Fufuca (PP); Turismo, com Celso Sabino (União Brasil); e Comunicações, com Frederico Siqueira (União Brasil). Rueda afirma que a decisão representa “um gesto de clareza e de coerência” com os eleitores.
🔸 Mesmo com o julgamento que pode condenar Bolsonaro, o bolsonarismo segue ativo, embora em novas formas. É o que afirma a antropóloga Isabela Kalil, em entrevista à Agência Pública. Coordenadora da pós-graduação em Antropologia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, ela acompanha grupos bolsonaristas há anos e diz que o movimento deixou de se organizar em grandes blocos, como empresários e militares, e hoje se apresenta de forma mais dispersa. Para ela, Bolsonaro “ainda é visto como uma figura insubstituível” no campo da direita e da extrema direita. “Agora, já vem aparecendo nas pesquisas que os filhos do Bolsonaro não têm credibilidade [junto ao] eleitorado. (...) Fora da família eu acho que é o [governador de São Paulo] Tarcísio de Freitas, mas, na família, a Michelle Bolsonaro tem esse capital político. Por ser mulher, ela atrairia uma espécie de bolsonarismo moderado”, avalia a antropóloga.
📮 Outras histórias
Na Bahia, o mês começou com os estudos para reativar a Hidrovia do São Francisco, desativada em 2014. A Companhia Docas do Estado da Bahia (Codeba) toca o processo, que inclui sondagem, batimetria, diagnóstico socioambiental e modelagem de concessão, com meta de concluir todas as etapas até dezembro de 2026, quando o projeto poderá ser leiloado, caso receba aval do Ministério de Portos e Aeroportos. O Bahia Notícias explica que são 1.371 km navegáveis entre Pirapora (MG) e Petrolina/Juazeiro (PE/BA). A hidrovia deve movimentar cerca de 5 milhões de toneladas no primeiro ano, volume comparável ao do porto de Salvador em oito meses. O corredor pode substituir até 1.200 caminhões que transportam insumos agrícolas, soja, milho, minérios, bebidas e sal até o Porto de Aratu.
📌 Investigação
Perfis de políticos eleitos ou de candidatos foram as principais fontes de discursos de ódio e desinformação contra a população LGBTQIA+ do Rio de Janeiro no ambiente digital. A segunda edição da pesquisa “Explana”, produção do data_labe, em parceria com o Intervozes, ouviu 129 pessoas LGTBQIA+ dos bairros Maré e Ilha do Governador, na cidade do Rio de Janeiro, e dos municípios de Belford Roxo, Japeri e Petrópolis, sobre a percepção da violência online. Segundo o levantamento, 93,9% dos respondentes já tiveram contato com esse tipo de conteúdo, e 55% declararam que se sentiram muito atingidos por essas violências. Um dos motivos do impacto de tais ataques é o grau de proximidade: 31,8% afirmaram que foram o alvo, enquanto 53,5% das pessoas relataram que essas violências ocorreram com pessoas próximas.
🍂 Meio ambiente
Há mais de 20 anos, o Brejão dos Negros luta para existir formalmente. Em 2023, o governo federal reconheceu 8 mil hectares do território quilombola localizado em Sergipe, mas, apesar da festa, os moradores ficaram mais vulneráveis. Na série “Brejão, Quilombo de Reexistência”, a Mangue conta que, sem o último ato do processo – o decreto de titulação das terras –, os quilombolas das comunidades da Resina, Santa Cruz, Brejão, Carapitanga e Brejo Grande passaram a sofrer mais ameaças de fazendeiros, carcinicultores, empresas petrolíferas e mineradoras. “Não ter a posse definitiva mostra o racismo dentro do Estado e o poder de influência dos fazendeiros. Não ter a titulação intensifica conflitos com os grandes empreendimentos aumentando a degradação da natureza”, afirma Magno de Jesus, morador da comunidade de Santa Cruz. Com terreno fértil, plano, cercado por manguezais e lagoas e banhado pelo rio São Francisco, a área registra casos de perseguições, ameaças de morte e violações ao meio ambiente.
📙 Cultura
Após ter a vida retratada em reportagens e documentários mundo afora, Raoni Mẽtyktire, 88 anos, narra sua própria história no livro recém-lançado “Memórias do Cacique”. Em resenha na Quatro Cinco Um, a escritora e pesquisadora Aparecida Vilaça analisa a obra, que, segundo ela, representa “um precioso documento etnográfico e histórico sobre os mebêngôkres que se torna acessível ao público não acadêmico”. O livro vai além das aparições políticas com repercussão midiática. “A narrativa de Raoni aborda a mitologia, a vida social, a intensa atividade ritual (‘nossos antepassados viviam em festa’), os conflitos internos e guerras, assim como diferentes momentos do contato entre seu povo e os não indígenas”, afirma. “O leitor não encontrará aqui uma imagem idealizada dos indígenas, como a de povos em perfeita harmonia entre si e com a natureza, tampouco uma representação simbólica de guerreiros que lutam apenas por meio de discursos ou aparições públicas em trajes tradicionais.”
🎧 Podcast
Em comunidades indígenas e tradicionais as sementes são um bem coletivo, ao contrário da lógica industrial capitalista em que elas se tornam parte do monopólio estabelecido por meio de patentes e da engenharia genética. Cercados pelas plantações de commodities, que geram a perda de biodiversidade, coletores, povos indígenas e camponeses atuam como guardiões da continuidade da vida por meio das sementes. O “Prato Cheio”, produção d’O Joio e O Trigo, mergulha no trabalho de restauração ambiental e preservação das variedades de sementes crioulas, essenciais para a segurança alimentar de diversas comunidades, além da luta para proteger os saberes ancestrais e acessar terras para cultivo.
👩🏽💻 Tecnologia
Embora não sejam confiáveis, ferramentas de detecção de inteligência artificial são usadas como forma de vigilância de trabalhadores de redação. “Travessão é proibidaço. Gerúndio, figuras de linguagem também, mas às vezes o problema é uma vírgula ou uma palavra que eu tenho que trocar”, conta Helena (nome fictício). Ela trabalha em uma empresa de marketing de conteúdo que submete os materiais produzidos pelos redatores ao ZeroGPT, um detector de IA. “Eu pensava que, se meus textos não começassem a dar 0% no ZeroGPT, eles iam me substituir. Foi a partir daí que eu passei a empobrecer meu texto.” O Núcleo mostra como o vácuo de regulamentação e a falta de discussão ética sobre o uso de IA têm impactado o trabalho criativo. Esses detectores já foram apontados como não confiáveis em pesquisas, reportagens e por especialistas, sobretudo pela falta de transparência dos modelos desenvolvidos por essas empresas e pelos vieses embutidos no treinamento.