O protagonismo feminino em Paris e o fogo num santuário de araras-azuis
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🔸 Pela primeira vez na história das Olimpíadas, as mulheres brasileiras tiveram mais medalhas que os homens. Elas ganharam 12 das 20 medalhas conquistadas pelo Brasil em Paris – das quais três de ouro, as únicas do país nesta edição. Para especialistas ouvidos pelo Nexo, muito se deve ao avanço de políticas públicas de incentivo ao esporte, como o Bolsa Atleta, criado em 2004, que faz repasses mensais de R$ 410 a R$ 16.629 para atletas da base e profissionais. “A vida da mulher atleta é atravessada por muitas coisas: dupla jornada de trabalho, maternidade, vários fatores que tiram o tempo de treinamento das mulheres em relação aos homens. Com os incentivos, elas passaram a se dedicar mais ao treinamento”, afirma Katia Rubio, professora da Faculdade de Educação da USP e coordenadora do Grupo de Estudos Olímpicos. Ela lembra ainda as primeiras participações de brasileiras nas Olimpíadas (em 1932) e narra o aumento da participação feminina nos jogos ao longo dos anos.
🔸 Em tempo: das 15 medalhas individuais do Brasil, nove são de atletas negros. Dois dos três ouros são de mulheres negras: Rebeca Andrade, 25 anos, no “solo” da ginástica artística, e Beatriz Souza, 26 anos, no judô. A Alma Preta mostra a importância da participação de atletas negros no pódio das Olimpíadas 2024 e resgata o recado de Beatriz Souza aos “pretos e pretas do mundo todo”: “Nós somos muito mais fortes do que a sociedade pensa, a gente não pode permitir que eles cresçam sobre nós, nós somos iguais, somos muito fortes, guerreiros. As nossas famílias mostram isso há muitos e muitos anos, então temos que manter a história de ser guerreiros, grandes e vitoriosos”.
🔸 “Paris, fazendo jus à sua tradição, testemunhou a edição mais politizada dos jogos desde os anos 80, quando tivemos boicotes em maior (Moscou e Los Angeles) ou menor grau (Seul), por conta do zeitgeist da Guerra Fria”, escreve Matias Pinto, em artigo no Intercept Brasil. Ele aponta conflitos políticos e sociais que permearam os jogos, desde a formação de uma delegação composta exclusivamente por refugiados até protestos contra o colonialismo e lembretes das violências históricas em cerimônias de abertura. Há cenas emblemáticas de como a política atravessa as Olimpíadas, como aquela em que a pugilista congolesa Marcelat Sakobi tapou a boca com uma mão e, com a outra, simulou uma arma – lembrando o conflito armado interno do Congo, o mais letal desde a Segunda Guerra Mundial.
🔸 No Pantanal, o fogo atingiu o maior centro natural de reprodução de arara-azuis do mundo. O santuário fica na fazenda Caiman, no município de Miranda, em Mato Grosso do Sul. Nós já enfrentamos vários incêndios aqui ao longo dos anos. Este incêndio é sem precedentes. Ele foi muito forte, queimou demais em uma escala muito grande. Em 48 horas as chamas varreram tudo”, afirma Neiva Guedes, presidente do Instituto Arara Azul. O Eco conta que o campo está coberto por cinzas e árvores calcinadas pelas chamas. O desastre acontece num momento delicado para a espécie: o início do período reprodutivo, quando os casais fazem seus ninhos em cavidades ou buscam as caixas/ninhos, que funcionam como ninhos artificiais. Ao menos dez caixas/ninhos já foram afetadas pelo fogo.
🔸 Ícone da resistência indígena, Tuíre Kayapó Mẽbêngôkre tocou a lâmina do facão no rosto de um engenheiro quando se discutia a construção de um complexo de hidrelétricas no rio Xingu, que viria a ser chamado de Belo Monte. Ela tinha apenas 19 anos e seu gesto foi decisivo para interromper as obras por 20 anos. “A imagem é o signo mais perfeito da revolta dos povos indígenas do rio Xingu contra o barramento do rio”, diz Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA). Tuíre morreu no sábado, vítima de um câncer no útero, aos 54 anos. A Repórter Brasil resgata a última entrevista que fez com a liderança indígena – ela empunhada o mesmo facão da imagem histórica de 1989.
📮 Outras histórias
A imagem de uma capivara com um pneu no pescoço acendeu o alerta sobre a poluição do rio Paraibuna, em Juiz de Fora (MG). A foto ganhou as redes sociais e gerou reações dos moradores da cidade, mas a contaminação da água é antiga: há mais de dez anos, o município tem um projeto de despoluição do Paraibuna, que prevê a instalação de 40 km de redes de esgoto às margens do curso d’água. A Tribuna de Minas lembra que o crescimento urbano-industrial, desde o ciclo do café até o desenvolvimento recente, contribuiu para a degradação ambiental do rio, com desmatamento e poluição significativos. Para o geógrafo Roberto Marques Neto, além do tratamento de esgoto, é preciso adotar práticas de manejo de cunho conservacionista, como a preservação das matas que margeiam o rio.
📌 Investigação
Dos 39 municípios da Grande São Paulo, apenas três elegeram prefeitos negros – todos homens – nas eleições de 2020. No mesmo pleito, pessoas negras eleitas vereadoras foram cerca 35% (229 de 667), número abaixo da proporção da população na região. Em reportagem especial, a Agência Mural revela que, por trás dessa ausência, estão a dificuldade de discutir pautas raciais e a perseguição a políticos negros. Exceção à regra, Cotia tem 73% do parlamento autodeclarado negro, mas não conseguiu refletir a representatividade em políticas públicas. Já em Embu das Artes, denúncias de perseguição marcaram as candidaturas. Para mulheres negras, o cenário é ainda mais desfavorável. A pesquisadora em Ciências Políticas pela USP Beatriz Mendes Chaves indica que na região existe uma dinâmica que exclui a possibilidade de novas candidaturas – “seja pelo conservadorismo, seja pelo capital social político e também financeiro que candidaturas brancas herdam e que candidaturas negras no geral não possuem acesso”.
🍂 Meio ambiente
Com 14 km de extensão, o rio Camarajipe atravessa 37 bairros de Salvador, mas sua realidade é uma sombra do que era até a década de 1970, quando suas águas ainda eram potáveis. Atualmente, ele corre por um canal de esgoto in natura e desemboca no mar e já figurou na lista dos mil rios que mais contribuem para a poluição dos oceanos no planeta, segundo mapeamento feito pela organização The Ocean Cleanup em 2021. O Colabora descreve a situação do Camarajipe e como sua devastação é resultado de vários fatores, como poluição, mau cheiro, descarte de animais mortos, desmatamento nas nascentes e margens, uso inadequado do solo, pavimentação excessiva e acúmulo de lixo.
📙 Cultura
“Em 2017, eu comecei a viver vários processos ritualísticos na aldeia Kariri-Xocó e tudo passou a se transformar em canções e criações artísticas. Aí eu entendi a minha missão com a arte, através das narrativas decoloniais e engajamento com a luta dos povos indígenas”, afirma a multiartista sergipana Héloa. Em entrevista à Mangue, a cantora fala sobre o processo de reconhecimento de sua ancestralidade indígena, o acolhimento do povo Kariri-Xocó e como isso atravessa sua música. “O meu processo de retomada se deu ainda na infância, quando tive meu primeiro contato com o povo Kariri-Xocó ainda na escola, quando o Grupo Sabuká ia apresentar um pouco da história da etnia e do povo em um projeto de educação patrimonial realizado por eles e pelas escolas na capital aracajuana”, conta. “Foram muitos anos convivendo com a dúvida e curiosidade de descobrir mais sobre as minhas raízes indígenas.”
🎧 Podcast
No início dos anos 2010, a cabeleireira Mel Rosário começou a frequentar uma igreja evangélica no centro de Vitória (ES). Na maioria dos encontros, os pastores tentavam exorcizar o suposto demônio responsável por ela ser uma mulher trans. Até que, em uma noite de 2015, Mel foi expulsa da igreja. Por anos, nos dias de culto, ela se posicionou do lado de fora da instituição com cartazes de protesto. O “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, narra como essa rotina se transformou no filme “Toda Noite Estarei Lá”, lançado em maio de 2024, e também em um imbróglio jurídico: a igreja a processou por danos morais, difamação e perturbação ao culto, e Mel processou de volta, pedindo o direito de assistir aos cultos. Ainda sem resolução, o caso pode chegar ao Supremo Tribunal Federal, segundo o advogado da cabeleireira.
✊🏽 Direitos humanos
Para a maioria dos moradores do Rio Grande do Sul, sobretudo das periferias, o mês de maio ainda não acabou. Após três meses das chuvas que desencadearam uma tragédia climática sem precedentes no estado, a população convive com os estragos materiais e psicológicos. O Nonada retrata a rotina pós-enchente e mostra como as vítimas tentam retomar suas vidas. No bairro Mathias Velho, em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, um dos mais afetados no município, poucos moradores circulam pela rua e alguns tentam limpar as paredes marcadas pelo alagamento. “Parece que aqui está estagnado, não sei, uma aparência triste. Parou tudo. O pessoal anda meio perdido. A gente nota que não é mais a mesma Mathias. Vai demorar um pouco para voltar ao normal”, lamenta a dona de casa Lúcia dos Santos Schwaab.