Os projetos de Lula no Congresso e a rotina de parteiras na Amazônia
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🔸 A agenda do governo Lula está travada no Congresso: das 48 prioridades anunciadas em fevereiro, apenas 11 concluíram a tramitação. Enquanto isso, ganharam espaço propostas como a anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro e a PEC da Blindagem, rejeitada após pressão popular. O Congresso em Foco detalha a situação de projetos do governo nas Casas Legislativas. Dos 48 projetos listados pelo ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) no início do ano, oito transformaram-se em lei, um virou emenda constitucional e dois aguardam sanção presidencial. O deputado Alencar Santana (PT-SP), primeiro vice-líder do governo na Câmara, afirma que o foco em projetos como o da anistia desviam a atenção a temas de interesse social. “Se ficarmos presos nessas pautas, a Câmara vai afundar”, resume o parlamentar. Entre os projetos parados estão a nova Lei de Falências, a reforma da previdência militar e o PL das Fake News. A isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil, aguardada desde o 1º semestre, deve ser votada em breve.
🔸 Falando em projetos do governo… a ideia de um reajuste “robusto” do Bolsa Família em 2026 – acima da inflação – voltou ao Planalto. Segundo o Jota, interlocutores afirmam que é um desejo de Lula, mas ainda sem definição, já que a Proposta de Lei Orçamentária Anual 2026 não prevê aumento, e a equipe econômica afirma não haver discussão em andamento. O reajuste do benefício seria um trunfo de Lula nas eleições do ano que vem, ao lado da isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil. Mas, para que isso seja possível, o governo precisa conseguir receitas suficientes para fechar as contas. E o contexto não é favorável, já que a arrecadação começa a perder fôlego.
🔸 Ontem, foi o Dia da Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e no Caribe. Embora seja reconhecido como um direito humano, no Brasil, o aborto é limitado a três situações: caso de estupro, risco à vida da gestante e gestação de feto com anencefalia. “Mas o que vivemos nos últimos anos foram tentativas recorrentes de criminalização total”, escrevem Denise Mascarenha e Keli de Oliveira, da organização Nacional Católicas pelo Direito de Decidir. Em artigo no Le Monde Diplomatique Brasil, elas mostram que a criminalização é sustentada por um Congresso “sexista, racista e classista”, que ignora que nove em cada dez mortes maternas são evitáveis. “A criminalização do aborto une parlamentares de direita, extrema direita e até do campo progressista no Brasil”, afirmam. “Legalizar o aborto é um caminho sólido para fortalecer a democracia.”
🔸 A propósito: o debate sobre o aborto no Brasil vai além da polarização entre “sim” e “não”. É o que revelam pesquisas do Instituto Update e do Instituto Lamparina com mulheres de diferentes perfis. A revista AzMina explora os levantamentos que expõem nuances pouco captadas no debate público. Segundo a pesquisa do Instituto Update, a maioria das entrevistadas (74,7%) é contra a descriminalização, sobretudo evangélicas, mas 71,7% rejeitam a prisão de mulheres que abortam fora dos permissivos legais. O percentual sugere que, mesmo discordando do aborto, muitas mulheres não veem a criminalização como a solução adequada. Já a pesquisa qualitativa do Instituto Lamparina aponta que, entre evangélicas, o tema aparece com contradições: muitas admitem casos em suas comunidades, mas mantêm silêncio por medo de julgamento. Elas se mostram majoritariamente contra o aborto, mas aceitam a prática em situações como estupro infantil ou risco de vida da mãe.
🔸 “Certamente milhares de mães quando leem uma informação dessa passam a se sentir culpadas pelo autismo do filho”, afirma o professor Geison Izídio, do Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética da Universidade Federal de Santa Catarina. Ele se refere às falsas alegações de Donald Trump de que o uso de paracetamol por gestantes seria uma causa de autismo – informação contestada pela comunidade científica internacional. A Lupa conversou com especialistas sobre autismo e o impacto da desinformação propagada por Trump. “O autismo não é doença e não precisa de cura. O que a sociedade deve buscar são políticas públicas que promovam emancipação, e isso não se dá com um discurso que patologiza a existência de pessoas autistas. Se dá com acessibilidade, educação inclusiva, cuidado humanizado e emprego apoiado”, diz Arthur Ataíde Ferreira Garcia, vice-presidente da Autistas Brasil.
📮 Outras histórias
Em Sergipe, o extrativismo da mangaba se tornou símbolo de resistência. A fruta, reconhecida em lei estadual como patrimônio cultural, já perdeu 90% de suas áreas originais, segundo a Embrapa. A devastação pelo agronegócio e pela especulação imobiliária levou mulheres a se organizarem em associações como a Ascamai, de Indiaroba, que deu origem à Rede Solidária de Mulheres de Sergipe, hoje com cerca de 500 integrantes. A Mangue Jornalismo mostra como as mulheres extrativistas – as mangabeiras – trabalham para conservar essa cultura com práticas sustentáveis. Elas desenvolvem um projeto de valorização dos usos tradicionais e saberes da sociobiodiversidade na restinga sergipana. “Eu sou uma mulher que não faço nada pensando só em mim, por isso, acredito que o projeto foi maravilhoso para a nossa comunidade. Fomos acolhidas e acolhemos as mulheres de tantas outras comunidades. Crescemos todas juntas”, conta Ednalva de Jesus, catadora de mangaba em Capuã, na Barra dos Coqueiros.
📌 Investigação
Sem vínculo empregatício e sem reconhecimento como profissionais da saúde pelo Sistema Único de Saúde (SUS), as parteiras que atuam nas comunidades ribeirinhas geralmente realizam seu trabalho gratuitamente, já enfrentam os desafios climáticos e desenvolvem estratégias de adaptação em regiões sem atendimento médico, onde seus serviços são essenciais. A InfoAmazonia mostra como, diante da seca extrema dos rios da Amazônia nos últimos dois anos, elas precisaram andar quilômetros de distância, às vezes por mais de 1 hora, para exercer o trabalho de parteira. A Associação das Parteiras Tradicionais do Amazonas, que atende 38 dos 62 municípios do estado para ajudar as gestantes e seus bebês, pede reconhecimento de piso salarial e vai à COP30 levar discussão sobre o impacto da crise climática na vida das mulheres, como o aumento das distâncias, das doenças e dos preços dos alimentos e itens maternos.
🍂 Meio ambiente
Organizações de Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia se uniram para criar o maior corredor ecológico da América do Sul, com uma área de 2,5 milhões de km² – quase duas vezes o tamanho do Alasca. O objetivo da Jaguar Rivers Initiative, como ficou conhecida a aliança, é assegurar a proteção e a volta de espécies-chaves a seus habitats originais. Segundo o Conexão Planeta, a iniciativa pretende reconectar paisagens fragmentadas e restaurar áreas degradadas por meio dos Paraná, Iguaçu, Paraguai, Bermejo e Pilcomayo para permitir que animais, como onças-pintadas, cervos, antas e ariranhas, possam viver com seguranças nesses corredores naturais. “Estamos empreendendo um ato muito estratégico para salvaguardar um dos maiores sistemas fluviais do mundo. Ao restaurar sua integridade ecológica, diversas espécies e comunidades, atualmente ameaçadas em quatro países, terão a oportunidade de prosperar, usando um modelo de restauração da natureza combinado com economias regenerativas”, afirma Deli Saavedra, diretor da Jaguar Rivers Initiative.
📙 Cultura
Aos 75 anos, José Verá é o primeiro artista indígena cujas obras foram compradas pelo Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS). Dos 5,7 mil trabalhos que compõem o acervo da instituição, apenas 15 são de autoria indígena – sete de Verá, quatro do chileno José Higino Perea, três do amazonense Denilson Baniwa e um do gaúcho Xadalu Tupã Jecupé. Com exceção dos sete desenhos de Verá, todas passaram a integrar o acervo do museu por meio de doações. Da etnia Guarani Mbya, a segunda mais populosa do Rio Grande do Sul, o artista vive na aldeia Yvyty Porã, uma área de serra com Mata Atlântica preservada. No Matinal, a jornalista Karine Dalla Valle narra sua visita a Verá na aldeia e mergulha na profecia da obra. “Eu tenho que fazer o meu trabalho. Deus pediu pra mim: tem que trabalhar”, afirma o artista. Guiado por Nhanderu, Deus na crença guarani, ele desenha para retratar a realidade que o rodeia: a araucária, o ipê, a erva-mate, as cachoeiras, os pássaros e os peixes.
🎧 Podcast
Sem regulação específica sobre data centers de hiperescala, os estados tomam as decisões ao seu modo, o que pode afetar diversas cidades brasileiras. Uma dessas instalações está prevista para ser implantada em Sergipe e terá um consumo de energia maior do que todo o estado. O “Ciência Suja”, produção da NAV Reportagens, destrincha o impacto energético, ambiental e social dos data centers no país e reflete sobre os caminhos possíveis. O episódio questiona também a falta de debate sobre a mineração de terras raras e os resíduos eletrônicos necessários para o funcionamento da inteligência artificial e dessas estruturas.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
Assata Shakur se integrou ao Partido dos Panteras Negras nos anos 1960 e, em 1970 fundou o Exército da Libertação Negra, grupo revolucionário de guerrilha urbana que se tornou alvo de repressão do Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos, o FBI. Nascida como Joanne Deborah Byron, no bairro do Queens, em Nova Iorque, uma das maiores ativistas estadunidenses pela emancipação da população afro-americana, ela chegou a ser incluída na lista de terroristas mais procurados. Segundo a Alma Preta, Assata se engajou com ideais de teóricos revolucionários do socialismo africano, aprofundando os debates interseccionais entre raça e classe social. Seis anos após sua prisão, em 1979, conseguiu e se exilou em Cuba. Além da trajetória política, era poetisa, escritora e madrinha do rapper Tupac Shakur, tendo sido reverenciada por diversos artistas da cultura hip-hop. Assata Shakur morreu na sexta-feira, aos 78 anos, como anunciou o Ministério das Relações Exteriores de Cuba, que atribuiu a morte a questões de saúde relacionadas à idade.