Os processos de racismo pendentes na Justiça e os games das periferias
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🔸 No Brasil, a cada quatro horas uma pessoa negra é morta pela polícia. Nos nove estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança em 2023, a polícia matou 4.025 pessoas. Os negros são 87,8% dos mortos nos casos em que se tem informação sobre cor da pele. A Ponte detalha o relatório que, pela primeira vez, incluiu o Amazonas, além de Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. A Bahia é o estado com mais mortos pela polícia. E, mesmo onde a proporção de pessoas negras é menor, elas são as principais vítimas da letalidade policial. É o caso de Pernambuco: a população negra é 65,3% da população, mas representa 95,7% das vítimas mortas por agentes do Estado.
🔸 Mais de 11 mil processos de racismo estão pendentes no Judiciário – 98% deles em esferas estaduais. Na maioria dos casos (56,5%), as vítimas são mulheres de 26 a 45 anos. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou nesta semana uma plataforma para acompanhar o andamento desses processos. A Alma Preta informa que a Bahia é o estado com maior número de ocorrências: são 4.900 ações em andamento, ou 42% do total. Em seguida, estão Paraná e Minas Gerais. A plataforma do CNJ trata ainda da representatividade racial na Justiça do Brasil – dos quase 300 mil servidores no país, somente 74 mil são pessoas negras.
🔸 Com mais cabeças de gado que habitantes, o Brasil não dá sinais de que vai frear o aumento de seu rebanho – o que implica em não frear, também, as emissões de gases de efeito estufa. Isso porque, no país, o maior emissor é o desmatamento, causado sobretudo pelas atividades agropecuárias. O Joio e O Trigo destrincha a contribuição da cadeia da carne para o colapso climático. Além das emissões, a agropecuária demanda grande quantidade de água. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), são necessários 15 mil litros de água para se produzir um quilo de carne bovina. A reportagem ouve especialistas sobre soluções para que a produção tenha menos impacto ambiental, da pecuária regenerativa à rastreabilidade bovina.
🔸 A propósito: os nove estados da Amazônia Legal foram responsáveis por 49% das emissões do Brasil em 2023. Ao todo, o país emitiu 2,3 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente, segundo boletim divulgado ontem pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG). Pará e Mato Grosso foram os maiores emissores do ano passado. A InfoAmazonia explica que as emissões são divididas em cinco setores: mudança de uso da terra e florestas, agropecuária, energia, resíduos e processos industriais e uso de produtos. A primeira categoria é a que inclui o desmatamento – responsável por 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente em 2023. Em tempo: a meta do Brasil é reduzir as emissões para 1,32 bilhão de toneladas em 2025.
📮 Outras histórias
Dez anos atrás, em Poções (BA), a professora Jocira Lemos começou a dar aulas de redação em casa nas tardes de domingo. O objetivo era preparar estudantes para as provas do Enem e do vestibular. A turma começou com duas alunas, mas cresceu rapidamente – e virou um espaço de troca. “O que elas fizeram foi devorar minha biblioteca; levavam muito cordel, clássicos de literatura brasileira, de literatura estrangeira... A gente batia papo, assistia a filmes, ouvia música, e sempre tinha um debate antes da escrita. Depois eu corrigia a escrita de cada uma e depois a gente fazia um cafezinho. Então foi virando um laço de afeto”, lembra Jocira, que acabou por fundar um clube de leitura. O Coreto conta que são muitas as iniciativas na cidade. Além do Encontros, de Jocira, há ainda o Coruja Clube de Leitura, um dos mais antigos de Poções, o Classic Swan e o Academia de Artes Os Jardins.
📌 Investigação
Mulheres do povo Pataxó em Prado, no sul da Bahia, relataram dois episódios de intimidação e violência nos últimos dias pelos irmãos André e Genivaldo Gama, fazendeiros que disputam terras na região, e pelo vereador Brênio Pires (Solidariedade). A Repórter Brasil teve acesso ao ofício enviado pelas lideranças indígenas ao Ministério dos Povos Indígenas, à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e ao Ministério Público Federal. Elas afirmam que foram ameaçadas por homens encapuzados e armados quando faziam ações de autodemarcação da Terra Indígena Comexatibá – cujo processo de regularização já foi iniciado pelo governo federal, mas não concluído.
🍂 Meio ambiente
“Todo apicultor de verdade precisa se tornar um botânico”, afirma o apicultor Petrônio Pereira, que possui 400 colmeias na Fazenda Doce Mel, área rural de Araripina, no Semiárido de Pernambuco. Depois de identificar as espécies e mapear o tempo de florada de cada uma, ele consegue alimentar as abelhas com flores nativas da Caatinga o ano todo. O Colabora mostra como a apicultura agroecológica vai na contramão do desmatamento do bioma. A atividade é capaz de aumentar o lucro dos produtores e preservar e recuperar a vegetação nativa.
📙 Cultura
Premiado em festivais internacionais e escolhido para representar o Brasil no Oscar 2025, “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, chegou aos cinemas brasileiros ontem. Era 1971 quando o ex-deputado federal Rubens Paiva entrou para a lista de desaparecidos da ditadura. Embora sua morte tenha sido reconhecida pelo Estado brasileiro em 1996, até hoje não se sabe onde está seu corpo. Na revista piauí, Fernando de Barros e Silva destrincha o longa junto a seu livro de origem (“Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva) e analisa os ecos da obra no Brasil contemporâneo. “No país da telenovela, ‘Ainda Estou Aqui’ evitou a estereotipia e os exageros dramáticos, mas evitou também certos clichês que costumam aparecer em filmes sobre a ditadura – não há a figura do rebelde romantizado; não há preocupação didática ou empenho militante, em arte quase sempre infantilizantes; não há cenas excruciantes de tortura; não há truculência exacerbada, pelo menos não nos termos que estamos acostumados a ver retratadas no cinema”, escreve o jornalista.
🎧 Podcast
Preocupados em cuidar dos filhos, mães e pais podem cair na teia da desinformação científica e das pseudociências. Há falácias como o uso do colar de âmbar para afastar a dor de dente, ou o corte na língua do recém-nascido para melhorar a amamentação, ou ainda o uso abusivo de fórmulas de leite artificial. O “Ciência Suja”, produção da NAV Reportagens, revela como a cobrança que recai sobre as mães é utilizada pelo poder econômico para vender soluções anticientíficas que estão prejudicando os cuidados na primeira infância.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
“Assim como a periferia ocupou e construiu os seus espaços nas ruas, temos feitos com o mundo digital”, afirma Alexandre de Maio, fundador da Salve Games, produtora especializada em criar jogos inspirados na cultura de periferia e hip hop. A iniciativa busca conectar a juventude de grupos minorizados a temas sociais e históricos do Brasil. A Emerge Mag conta que, em pouco mais de um ano de atuação, a produtora desenvolveu quatro jogos. Em um deles, a personagem é um fã de trap: para curtir shows de seus cantores favoritos, ele precisa driblar uma empresa de segurança que impôs toque de recolher em São Paulo. O jogo tem ainda uma batalha com zumbis. Na jornada por sobrevivência e diversão, o jogador passa pelas periferias da cidade e por pontos turísticos, como o Masp, o Edifício Copan e a Ponte Estaiada.