A pressão sobre a favela do Moinho em SP e as periferias na sede da COP30
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🔸 Uma operação policial ontem causou intenso tiroteio em Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro. Ainda pela manhã, a Polícia Civil sobrevoava a Ladeira dos Tabajaras na ação que tentava prender os assassinos do policial civil João Pedro Marquini, de 38 anos. Cinco suspeitos foram mortos. O Voz das Comunidades reúne vídeos de moradores também na Vila Kosmos, na zona norte da capital, que foi alvo de operação ontem. Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha imposto restrições a ações policiais em áreas próximas de escolas, ao menos quatro unidades foram impactadas pela operação.
🔸 “Eu me tornei vítima duas vezes. Primeiro por ser recebida com arma na cabeça. E depois por eles terem arrancado meu filho da forma que arrancaram.” Silvana Santos, mãe solo de oito filhos, refere-se ao momento em que chegou ao endereço na comunidade da Gamboa, em Salvador, onde seu filho, Alexandre Reis, de 20 anos, era abordado por policiais militares. Um agente lhe apontou uma arma e, em seguida, ao se virar, ela ouviu os tiros que mataram seu filho. Outros dois jovens negros foram mortos na ocasião, durante o Carnaval de 2022, na Chacina da Gamboa. A Alma Preta narra a história de Silvana, que, se tornou pesquisadora e ativista contra a letalidade policial. Os policiais envolvidos respondem por homicídio qualificado e fraude processual, mas seguem impunes.
🔸 “Quis até mudar minha cor.” A frase é de Gabriel Jesus, jovem negro de 18 anos, preso injustamente em novembro de 2024 após ser acusado de furtar uma corrente na Praia Grande, no litoral paulista. Ele tentava se proteger de uma confusão quando foi abordado por policiais, algemado e levado à delegacia. Mesmo sem provas, ficou três meses preso preventivamente após ser falsamente reconhecido pela vítima. A Agência Pública obteve com exclusividade o vídeo da audiência que deu liberdade ao jovem e mostra a atitude racista do promotor de justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. Caio Adriano Lépore Santos disse que via “apenas uma imagem escura” ao se referir a Gabriel no vídeo. A prisão injusta foi marcada por mais racismo e violência. “O caso é um reflexo claro do racismo estrutural presente no sistema de justiça criminal brasileiro. A seletividade penal faz com que jovens negros e periféricos sejam mais visados pelas forças de segurança, tenham menos acesso a uma defesa qualificada e sejam, com frequência, presos sem provas concretas”, afirma o advogado Renan Lima.
🔸 A Polícia Militar lançou bombas e munições não letais contra os moradores da favela do Moinho, na região central de São Paulo, que saíram às ruas em protesto contra a política de remoção da comunidade conduzida pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos). A Ponte acompanhou a manifestação dos moradores, que seguiram em marcha da Avenida Rio Branco até a frente da Câmara Municipal. Os manifestantes tentavam acompanhar uma reunião da Comissão de Direitos Humanos na Casa. Foram barrados pela segurança, que alegou falta de espaço para todos. No ato, moradores relataram a truculência da polícia na favela e as dificuldades diante da possibilidade de remoção. Roseane Almeida, 40 anos, diz que não teve proposta alguma de reparação, já que vive de aluguel. “Vou ter de ir para a rua com os meus filhos”, diz. Ela é mãe de dois meninos, um deles de 15 anos e portador de paralisia.
📮 Outras histórias
Na periferia de São Paulo, Maria Adalgiza Pinto, 62 anos, e Evani da Silva Tomaz, 50 anos, mostram que envelhecer pode ser um processo criativo, coletivo e cheio de movimento. Poeta e pesquisadora de biblioterapia, Adalgiza promove oficinas literárias e encontros intergeracionais no bairro Cidade Ipava, na zona sul da capital. Já Evani, moradora do Jardim Edith, encontrou na aula de dança com ritmos afro uma forma de fortalecer corpo e mente. A fotorreportagem da Periferia em Movimento mostra como elas transformam seus cotidianos por meio da escrita, do autocuidado e da dança, desafiando a ideia de que há idade certa para aprender, criar e se expressar.
📌 Investigação
Desde que a gestão de Tarcísio divulgou o projeto que pretende levar a sede do governo de São Paulo para o centro da capital paulista, moradores da favela do Moinho, no Bom Retiro, são pressionados a mentir a renda para se enquadrar nas regras de auxílio aluguel e carta de crédito para compra de imóveis em regiões mais afastadas, algumas a mais de 20 km do centro, revela o Intercept Brasil. Morador do Moinho há 26 anos, o carroceiro Maurício da Silva afirma que foi orientado a dizer que ganha um salário mínimo por mês (R$ 1.518), embora não consiga juntar mais de R$ 50 por dia como catador de materiais recicláveis. “Eles me forçaram, o meu salário não era o que eles falaram. Eu sou desempregado, carroceiro, não tenho serviço fixo.” Com a pressão da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), ele acabou por assinar o termo para se mudar para um imóvel que só ficará pronto em novembro de 2026.
🍂 Meio ambiente
“Hoje, aqui na periferia, estão cortando árvores das praças para colocar bloco de concreto. O que vai de encontro a proposta da COP30 que é a preservação do meio ambiente. Os rios estão secando depois das obras, não é esse legado que eu quero”, afirma Bozo Cordeiro, morador do bairro do Paar, localizado no município de Ananindeua, na Grande Belém e membro da Central Única das Favelas do Pará (CUFA-PA). A Amazônia Latitude explora a situação das favelas e comunidades urbanas da sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas deste ano e destaca a contradição entre o megaevento voltado para a agenda ambiental e a injustiça socioambiental que mais da metade da população local enfrenta.
📙 Cultura
“Apesar de Maria Bonita não ter sido essa liderança feminista que muitas vezes se acredita que ela tenha sido, ela foi uma mulher que, para o seu tempo e sua época, rompeu com padrões”, afirma a jornalista e escritora Adriana Negreiros, autora do livro “Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço”. A obra inspirou a série “Maria e o Cangaço”, disponível no streaming. Em entrevista à revista O Grito!, Negreiros fala sobre o processo de aprofundamento no universo do cangaço que havia sido pouco explorado do ponto de vista das mulheres, buscando ir além de uma biografia convencional para construir uma narrativa coletiva por meio da figura de Maria Bonita. “Eu decidi então que Maria Bonita seria uma espécie de condutora para contar a experiência feminina no Cangaço, de um modo que, a partir dela, eu pudesse também contar as histórias de outras mulheres.”
🎧 Podcast
Trazidos pelos colonizadores portugueses, os bovinos colocam o Brasil atualmente em uma encruzilhada: a pecuária responde por mais de 70% das emissões de gases do efeito estufa do país, ao mesmo tempo que é uma das principais forças econômicas. O “Prato Cheio”, produção d’O Joio e O Trigo, resgata a história da chegada de bois e vacas ao território brasileiro e sua participação em diferentes ciclos econômicos para debater a redução do rebanho e do consumo de carne diante da crise climática. “A pecuária em escala industrial tem o movimento de ocupação do país, de um imaginário da produtividade e até como uma atividade civilizacional, ajudando a demarcar territórios como se não houvesse pessoas ali onde ela vai avançando”, afirma Marcela Vecchione, pesquisadora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (UFPA).
✊🏾 Diretos humanos
Crianças do povo Xetá, tradicional do noroeste do Paraná, foram raptadas por famílias não indígenas durante o processo de extermínio e expulsão dos indígenas de seu território a partir de 1950 para a expansão agrícola. Durante décadas, foi reforçada a narrativa de “extinção” da população. Espalhados pelo Paraná e outros estados, os Xetá lutam ainda hoje pelo direito de existir. “A voz corrente era: eles não têm memória, eles não se lembram de nada, como se criança não tivesse memória”, afirma a antropóloga Carmen Lúcia da Silva. “Criança tem memória, principalmente crianças que passam por trauma.” O Plural narra o reencontro de alguns sobreviventes, como Tikuein, Tuca e Kuein – raptados na infância –, em busca de resgatar a memória de seu povo e lutar por reparação.
https://fritzfreud.substack.com/p/cop-30-one-billion-dollar-to-make
que importante falar sobre a resistência Xetá no Paraná, esse estado tão árido e violento.
ressoou muito por aqui.