As promessas do Brasil na pré-COP30 e os desertos alimentares nas favelas
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🔸 Na pré-COP30, com delegações de 67 países em Brasília, o ministro Fernando Haddad afirmou que o Brasil levará a Belém um plano para destravar o financiamento climático, com a articulação de fundos, bancos multilaterais, capital privado e reformas domésticas. Durante o encontro, na segunda-feira, o ministro voltou a apontar o Fundo Florestas Tropicais para Sempre como legado da conferência – com a promessa de que o governo federal fará o primeiro aporte, no valor de US$ 1 bilhão. O Eco detalha o pacote brasileiro de finanças climáticas e conta que os participantes do encontro em Brasília se depararam com outdoors e outras sinalizações pedindo que a eliminação gradual de combustíveis fósseis integre a agenda da conferência de Belém. A manifestação, realizada por organizações não-governamentais, lembrou que a queima de fósseis soma 75% das emissões que agravam a crise do clima.
🔸 Um apagão atingiu as cinco regiões do país na madrugada de ontem. A interrupção no fornecimento de eletricidade foi causada por um incêndio em um reator na subestação de Bateias, no Paraná. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico, a recomposição ocorreu em até uma hora e meia nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, e em duas horas e meia no Sul. A Eixos explica o que se sabe sobre o apagão e relembra casos anteriores. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), reforçou não se tratar de um problema de falta de energia, mas de infraestrutura de transmissão. “Quando se fala em apagão, a gente sempre liga para aqueles tristes episódios de 2001 e de 2021, que na verdade aconteceram por falta de energia e falta de planejamento. Hoje não. Hoje nós temos muita energia”, disse. Em 2023, cerca de 30 milhões de pessoas em quase todos os estados ficaram sem luz, em um apagão considerado o maior desde 2018.
🔸 Um incêndio de grandes proporções devastou quase 10% da Serra de São José, entre Tiradentes e São João del-Rei, em Minas Gerais. O fogo na semana passada consumiu cerca de 430 hectares de vegetação nativa, o equivalente a 400 campos de futebol, segundo o Instituto Estadual de Florestas. O Mais Minas informa que a maior parte do território atingido está dentro do Refúgio Estadual de Vidas Silvestres Libélulas da Serra de São José, uma unidade de proteção integral que abriga ecossistemas raros e espécies ameaçadas. Patrimônio natural e histórico, a serra perdeu campos rupestres e matas ciliares. Trilhas e pontos de visitação também foram destruídos.
🔸 Embora o Brasil tenha saído do Mapa da Fome, a desigualdade no acesso à comida persiste. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua sobre Segurança Alimentar em 2024, divulgada pelo IBGE, mostra que 2,2 milhões de lares voltaram a ter acesso regular à comida – e alerta para as desigualdades raciais, de gênero e regionais. Cerca de 18,9 milhões de famílias enfrentam algum nível de restrição. “A insegurança alimentar continua tendo rosto de mulher negra”, afirma ao Notícia Preta Maryellen Crisóstomo, especialista em Justiça Econômica e Direitos das Mulheres na ActionAid. O economista Francisco Menezes destaca que a inflação de alimentos (de 7,7% em 2024) pode corroer os avanços: “Se os preços continuam subindo, o poder de compra das famílias mais pobres se esvai e os ganhos recentes podem desaparecer”.
🔸 A propósito: moradores de favelas enfrentam barreiras combinadas para acessar comida fresca. Renda curta, distância dos pontos de venda e falta de tempo perdem para a oferta local dominada por ultraprocessados. O Joio e O Trigo visitou três comunidades em Belo Horizonte – o Morro do Papagaio, a Favela da Serra e a Comunidade Dandara – e mostra que as três localidades são desertos alimentares (áreas com pouca disponibilidade ou com dificuldade de acesso físico a estabelecimentos que oferecem alimentos in natura). No Morro do Papagaio, a memória de quintais deu lugar a um comércio miúdo caro e pouco variado. Lá, as famílias percorrem longos trajetos até supermercados ou “atacarejos” para economizar. “Fazer compras aqui no morro é fora da realidade. A gente ia no sacolão, via quanto estava o quilo das coisas”, conta Amanda Lima, moradora da comunidade. Os preços são mais altos quando comparados aos das maiores redes de supermercado de Belo Horizonte. “Compensa muito mais você pagar a passagem de ida e o Uber na volta, porque no final dá uma diferença de R$ 100, R$ 150.”
📮 Outras histórias
Em Jequié, no interior da Bahia, está o Clube da Leitura Preta, voltado para adolescentes quilombolas. Criado há três anos, o projeto promove o letramento racial e o fortalecimento da identidade por meio de autores e autoras negras. O público: jovens de 13 a 16 anos do Colégio Estadual Doutor Milton Santos, uma instituição de ensino quilombola. O Mundo Negro narra como a escritora e pesquisadora Jessika Oliveira concebeu o clube de leitura: quando estagiária na escola, ela percebeu que os alunos não se interessavam pelos livros disponíveis. Foi então que decidiu mudar a forma como a literatura era apresentada aos estudantes. O clube rapidamente se tornou refúgio de pertencimento para os adolescentes. “O que mais me impactou foi quando alguns deles me disseram que não sabiam que tinham escritores parecidos com os pais deles ou avós e começaram a desengavetar escritos também”, conta a pesquisadora.
📌 Investigação
Trabalho análogo à escravidão, dopagem e agressões marcam o Centro Terapêutico Maanaim, em Paulista (PE). Dedicado ao tratamento para dependência química, a instituição é um dos 159 novos nomes incluídos na Lista Suja, cadastro do governo federal com nomes de empregadores responsabilizados por submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão. Segundo a Repórter Brasil, alguns dos resgatados trabalhavam como “monitores”, com tarefas que iam da preparação das refeições e limpeza à vigilância e contenção de internos “em surto”. Eles não recebiam remuneração nem capacitação adequada para as atividades, sob alegação de “laborterapia”. Além dos trabalhos forçados, eles relatam que, se tentassem sair, tomavam “garapa” – uma mistura de remédios psicotrópicos. Dopados, os pacientes afirmam que foram presos em um quarto por dias, muitas vezes amarrados à cama. Dono da comunidade terapêutica, Fernando Miranda é também réu por maus tratos, cárcere privado e falsificação de laudo dos bombeiros.
🍂 Meio ambiente
“Enquanto governos se sucedem e políticas públicas vêm e vão, um grupo permanece há séculos como guardião do litoral brasileiro. São os povos e comunidades tradicionais que, com seu conhecimento local e vínculo territorial, fazem a gestão costeira integrada das áreas costeiras muito antes do termo existir na legislação”, escrevem as pesquisadoras em oceanografia Luciana Yokoyama Xavier e Monique Torres de Queiroz, em artigo no Correio Sabiá. A partir do 15º Encontro Nacional de Gerenciamento Costeiro, elas ressaltam o papel da inclusão de indígenas, quilombolas, caiçaras, pescadores, marisqueiras, coletores e extrativistas para a preservação das zonas costeiras do país. As propostas debatidas no evento serão encaminhadas para o Grupo de Integração do Gerco, responsável pela articulação para o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, com previsão de lançamento em 2026. “O sucesso do novo plano nacional dependerá, em grande parte, de como as vozes que colaboraram com esse início da construção do plano serão traduzidas em ações concretas.”
📙 Cultura
Ícone da cultura negra e LGBTQIA+ brasileira, Madame Satã pode ter seu túmulo tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O corpo está enterrado no Cemitério da Vila do Abraão, em Angra dos Reis (RJ). Pessoa negra, nordestina e LGBTQIA+, o transformista João Francisco dos Santos nasceu em 1900, em Glória do Goitá (PE). Foi como migrante no Rio de Janeiro que se desenvolveu como artista e deu vida à Madame Satã. A Revista Afirmativa conta que o pedido está em análise no Iphan e foi coordenado pelo pesquisador Baltazar de Almeida. “Essa ação é sobre memória, dignidade e resistência. É sobre reconhecer que as histórias pretas, periféricas e LGBTQIA+ também são parte fundamental do que somos enquanto país. O tombamento é mais do que proteger um túmulo, é proteger uma história, honrar uma vida e afirmar que nossas existências importam”, escreveu nas redes sociais.
🎧 Podcast
“As mulheres negras publicam literatura de muita qualidade no Brasil desde o século 19. Desde que a Academia Brasileira de Letras (ABL) existe, existem livros importantes de mulheres negras publicados no Brasil”, afirma a escritora, professora e jornalista Bianca Santana. Em julho deste ano, Ana Maria Gonçalves, autora de “Um Defeito de Cor”, tornou-se a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na ABL, 128 anos após a fundação da instituição. O “Pauta Pública”, produção da Agência Pública, conversa com Santana, autora de “Como Me Descobri Negra” e “Apolinária, sobre o papel da escrita na cura dos traumas deixados pela escravidão e pelo colonialismo. “A literatura me parece muito importante para contar histórias ou silenciadas, ou que não foram suficientemente contadas. É como se a gente desse um passo na construção da nossa subjetividade.”
🙋🏾♀️ Raça e gênero
Mulheres vítimas de violência doméstica são mais suscetíveis a transtornos alimentares, com práticas como provocar vômitos ou deixar de comer. A relação é ainda maior entre vítimas de violência física. É o que revela estudo de pesquisadores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), publicado na Revista Brasileira de Epidemiologia. A Agência Bori detalha que a pesquisa coletou dados de 847 mulheres de Duque de Caxias (RJ) que autodeclararam envolvimento em relações românticas ou íntimas nos 12 meses anteriores. A violência física foi reportada por 17% das entrevistadas, e a psicológica, por 61%. Cerca de 20% exibiram ao menos um comportamento relacionado a transtornos alimentares. A prática mais comum é pular refeições ou comer muito pouco. Os resultados indicam a necessidade de atenção integrada de profissionais de saúde a mulheres em situação de violência.