A pobreza energética no país e o auxílio-doença por vício nas bets
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🔸 O governo já tem base jurídica pronta para contestar no STF a derrubada do decreto do IOF, o Imposto sobre Operações Financeiras. A gestão petista deve alegar que o Congresso só pode sustar atos presidenciais que extrapolem a lei, mas não os que estão dentro da competência do Executivo. Segundo o Jota, há uma divisão dentro do próprio governo quanto à judicialização do caso. Parte defende o embate direto, avaliando que o projeto de Decreto Legislativo (PDL) representou uma ruptura institucional. Outra ala teme agravar a crise com o Congresso, que já está irritado com a atuação do Supremo Tribunal Federal em temas como as emendas parlamentares. Líderes políticos afirmam que, se decidir pela judicialização, o governo vai demonstrar que acabou de vez o diálogo. Por ora, a Advocacia-Geral da União informou, em nota, que ainda não há decisão sobre acionar o STF.
🔸 Em tempo: partidos de todo o espectro político, inclusive legendas da centro-esquerda aliadas ao governo, apoiaram a derrubada do decreto. O Congresso em Foco mostra como votou cada legenda. No PSB, partido do vice-presidente Geraldo Alckmin, 60% dos deputados votaram contra o decreto. Já no PDT, o índice chegou a 94%. A sigla se afastou do governo após a demissão do ministro Carlos Lupi.
🔸 Por oito votos a três, o STF decidiu que redes sociais e plataformas de internet podem ser responsabilizadas por não removerem conteúdo ilícito publicado por usuários, mesmo sem decisão judicial. A exceção são os crimes contra a honra, que seguem exigindo ordem judicial. O Metrópoles explica o que muda com a decisão. Com repercussão geral, ela estabelece novas obrigações às plataformas: sede e representante legal no Brasil, transparência nos relatórios, canais acessíveis para denúncias e autorregulação com relatórios públicos.
🔸 Cinco milhões de lares no Brasil ainda usam lenha, carvão ou resíduos para cozinhar. Segundo o Observatório Brasileiro de Erradicação da Pobreza Energética (Obepe), 56% das casas sem acesso ao gás de cozinha pertencem a famílias de baixa renda. O Notícia Preta detalha o estudo que mede a pobreza energética no Brasil. Entre os dados alarmantes, está o de que 1,3% das casas não têm energia em tempo integral, o que compromete a segurança alimentar e o bem-estar térmico das famílias. Segundo a pesquisa, um quarto das famílias brasileiras gasta mais de 10% da renda com energia elétrica e gás – um custo que pode aumentar com a decisão do Congresso de derrubar vetos do presidente Lula para barrar contratações compulsórias de usinas, como hidrelétricas, plantas de hidrogênio e energia eólica offshore. Com a derrubada dos vetos, a conta de luz para o consumidor final deve ficar mais cara.
🔸 Em tempo: o uso de lenha para cozinhar é um problema de saúde pública. Pesquisadora do departamento de Química da PUC-Rio, Adriana Gioda discorre sobre a qualidade do ar dentro das cozinhas que usam lenha como combustível principal. Em artigo no Conversation Brasil, ela conta que seu grupo de pesquisa realizou estudos em cozinhas de uma comunidade quilombola na Bahia. O trabalho mostrou que fogões rudimentares geram níveis alarmantes de poluentes que ultrapassam em até 40 vezes os limites recomendados pela Organização Mundial da Saúde. A substituição desses fogões por modelos ecoeficientes reduziu as emissões em até 60% e também o consumo de lenha pela metade, além de melhorar o bem-estar das famílias. “Políticas públicas de transição energética eficazes e de longo prazo precisam contemplar múltiplas frentes: viabilidade econômica, aceitação cultural e redução dos impactos ambientais”, afirma a autora.
📮 Outras histórias
“Eu sou a primeira pessoa da minha família a fazer faculdade e agora eles veem que o futsal pode mudar as coisas”, conta Thaíssa Menon, de 22 anos, lembrando que foi a partir de um projeto de futsal feminino do Colégio Estadual do Paraná (CEP), que a levou a se comprometer com os estudos. Hoje, ela cursa Educação Física. O Plural narra a história da iniciativa que transformou vidas e conquistou reconhecimento internacional. Liderado pela professora Daniely de Quadros, o projeto surgiu como um espaço de acolhimento e formação para meninas que sofriam com a falta de incentivo e o machismo no esporte. Atualmente, atende 120 alunas e já revelou atletas convocadas para a Seleção Brasileira. “Não é um trabalho só meu, não. É um trabalho feito a muitas mãos, com muita gente, muito esforço envolvido. E, de novo, a performance vem e a gente gosta de entrar para vencer, mas o projeto não é sobre isso, é sobre formação, sobre vidas”, diz a professora.
📌 Investigação
Com a epidemia de bets no Brasil, aumentou também o número de auxílios-doenças concedidos mensalmente pelo INSS por causa do vício em jogos. O benefício com base no diagnóstico de ludopatia era raro e pontual. Entre 2015 e 2022, a média anual não passou de 11 benefícios. A partir do segundo semestre de 2024, os registros passaram a atingir com frequência duas dezenas por mês. Dados obtidos pelo Intercept Brasil revelam que, entre junho de 2023 e abril de 2025, foram concedidos 276 auxílios-doenças do tipo, um aumento de mais de 2.300%. As informações do Ministério da Saúde também indicam que os registros do SUS relacionados a doenças classificadas como “jogo patológico” e “mania de jogos de azar”, subiram de 65, em 2019, para 1.292 em 2024.
🍂 Meio ambiente
Indígenas impactados pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, devem receber uma compensação financeira pela exploração dos recursos hídricos e minerais em seus territórios. É o que determinou nesta semana, por unanimidade, o STF. A Corte referendou a liminar do ministro Flávio Dino, de março deste ano, que deu dois anos para que o Congresso regulamente essa participação. A Cenarium explica que a decisão respondeu a uma ação da Associação Yudja Miratu da Volta Grande do Xingu e outras seis entidades representativas dos povos indígenas que habitam o rio Xingu. O valor a ser recebido pelas comunidades é de 50% do total devido aos estados, Distrito Federal, municípios e órgãos da administração direta da União e vale para todos os empreendimentos com perfis semelhantes no país.
📙 Cultura
“O carimbó é mais do que um ritmo. É memória, é resistência. É roda, é força ancestral. E também pode ser urbano. São Paulo tem coco, maracatu, jongo – por que não carimbó também? Trazido por uma mulher preta, com história de luta”, afirma Rubenita da Silva, conhecida como Nita de Cotijuba. Crescida nas periferias de Belém (PA), juntou-se ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), aos 26 anos, enquanto procurava um irmão desaparecido, e sobreviveu ao Massacre de Eldorado dos Carajás. Ao Nós, Mulheres da Periferia Nita fala sobre seu recomeço na Ilha de Cotijuba após o episódio e a ida para São Paulo, onde começou a desenvolver sua carreira musical no carimbó. Neste mês, a ativista lançou o single “Carimbó de Roda” e realizou um show acompanhada de músicos e instrumentos tradicionais – curimbó, maracas, banjo e flauta – para dar uma sonoridade amazônida à capital paulista.
🎧 Podcast
Com o pretexto de combater a criminalidade durante os anos 1960, policiais do Rio de Janeiro começaram a fazer justiça com as próprias mãos e matar supostos criminosos das periferias e subúrbios. Assim nasceram os grupos de extermínio, hoje chamados de milícias. A “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, mergulha na origem desses grupos e como expandiram suas ofertas de serviços para além do assassinato de aluguel, com monopólio de gás, TV a cabo, segurança e transporte. As milícias não só se tornaram um “Estado paralelo”, como se embrenharam cada vez mais no próprio Estado, absorvendo líderes civis e se transformando em um modelo de “franquia” que invadiu e ocupou novas áreas.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
“Antes da gente se ver pela primeira vez, eu já tinha visto ele num sonho meu. Cheguei a ver ele todinho. No sonho vi que estava sentado, depois escrevendo e o resto já não me lembro mais”, afirma Expedita Maria de Morais, de 89 anos, sobre como conheceu seu esposo, Francisco Germano de Morais, de 85 anos. Moradores do Jardim Arco-Íris, em Diadema, na Grande São Paulo, o casal divide a vida há quase sete décadas. O Desenrola e Não Me Enrola reúne histórias de pessoas de diversos territórios periféricos e de diferentes gerações para entender a mudança na compreensão do que significa amor e como o tempo, à rotina e o esquecimento atravessam essas construções. “Me lembro, na infância, que eu amava quando minhas irmãs deitavam no meu colo [para] ficar horas mexendo nos cabelos grandes e crespo delas. Isso é uma referência que eu sempre tenho de afeto”, relata Onika Soares.