A corrida do petróleo na Amazônia e a saúde da população trans no SUS
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🔸 A Amazônia tornou-se uma nova fronteira global para a exploração de petróleo e gás: concentra quase 20% das descobertas feitas no mundo entre 2022 e 2024, especialmente na Guiana e no Suriname. Segundo dados do Monitor de Energia Global, a região abriga cerca de 5,3 bilhões de barris de petróleo equivalente. Existem atualmente 794 blocos petrolíferos na Amazônia, 70% ainda em fase de estudo ou disponíveis para oferta ao mercado. No especial “Até A Última Gota”, a Infoamazonia mostra que a nova corrida do petróleo avança sobre áreas protegidas: 81 blocos concedidos se sobrepõem a terras indígenas e 38 a unidades de conservação. A reportagem também revela o padrão de impactos deixado por décadas de exploração no Equador, Peru e Colômbia, com desmatamento, contaminação de rios e exclusão de comunidades. Grande parte do petróleo extraído é exportada, e os lucros pouco retornam às populações locais. Enquanto isso, o governo brasileiro, mesmo sob críticas de ambientalistas e técnicos, segue empenhado em explorar a margem equatorial, sobretudo na Foz do Amazonas.
🔸 Falando nisso… A Petrobras lidera o ranking de infrações ambientais federais no Brasil nos últimos 25 anos. Foram 2.705 autuações aplicadas pelo Ibama entre 2000 e 2025 – em média, uma multa a cada três dias. O valor inicial soma R$ 1,41 bilhão, mas o total pago não é informado. É o que revela a Agência Lupa, que analisou autos de infração lavrados pelo órgão ambiental nesse período. As infrações cresceram a partir de 2018, com pico em 2023, quando foram aplicadas 599 multas. A reportagem lembra ainda os dois maiores desastres ambientais atribuídos à Petrobras no ano 2000: o derramamento de 1,3 milhão de litros de óleo na Baía de Guanabara (RJ) e o vazamento de 4 milhões de litros nos rios Iguaçu e Barigui (PR). Ambos resultaram em multas milionárias: R$ 50 milhões e R$ 150 milhões, respectivamente.
🔸 “Agora temos que sair dos muros da Convenção do Clima. Porque muitas das decisões fundamentais, principalmente na área econômica, não é a Convenção do Clima que tem poder de fazer”, afirma Ana Toni, diretora-executiva da COP30 e secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente. Em entrevista à Sumaúma, ela defende que a implementação do Acordo de Paris exige mais do que discussões dentro da Conferência do Clima das Nações Unidas, marcada para novembro, em Belém. Para ela, é preciso envolver outros fóruns internacionais, como os de finanças e comércio, que influenciam diretamente a economia global e o financiamento da transição climática. Sobre a transição energética, ela é enfática: “A decisão de transitar para o fim dos combustíveis fósseis está dada”. E completa: “O que a gente quer saber é qual é o próximo passo para a implementação, por exemplo, da transição para o fim dos combustíveis fósseis ou acabar com o desmatamento. Qual é o próximo passo? Isso a gente vai pautar nas negociações”.
🔸 Tiros e sons de helicópteros acordaram as famílias na aldeia Vale da Palmeira, uma área retomada na Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, no último dia 20. Ao todo, 150 policiais civis e militares da Bahia deram início à Operação Pacificar, que buscava cumprir mandados judiciais contra supostos crimes ligados às retomadas de terras – prática combatida pelo governo de Jerônimo Rodrigues (PT) e usada há décadas pelos Pataxó para pressionar a demarcação de seus territórios. Segundo a Repórter Brasil, há relatos de violência, intimidação de crianças, destruição de bens e uso de balaclavas por agentes não identificados. Para a defensora pública estadual Aléssia Tuxá, há um padrão de repressão contra os povos indígenas com o aval do Estado, que silencia diante dos assassinatos e endurece contra as retomadas.
📮 Outras histórias
“Minha primeira militância está em ser professora. É uma relação hierárquica, não no sentido de mandar, mas sim de criar. De você contribuir com tijolos na construção daquele ser humano”, diz Cristina Adelina, criada no Jardim Samara, na zona leste de São Paulo. A Periferia em Movimento perfila a professora, figura importante na cultura periférica: atuou no grupo de teatro Dolores Boca Aberta e é cofundadora do Slam da Guilhermina, o primeiro slam ao ar livre no mundo. Desde 2015, Cristina coordena o Slam Interescolar, projeto que envolveu mais de 300 escolas em 2023 e venceu o Prêmio Jabuti. Naquele mesmo ano, foi nomeada conselheira do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS) do Governo Federal. Lá, ela trabalha para defender políticas de cultura nas periferias.
📌 Investigação
Ao contrário do que as forças de segurança argumentam, o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) da ditadura brasileira não era uma estrutura isolada da Polícia Civil: havia um grande trânsito entre a polícia política e as delegacias comuns. Na série “As Fichas Esquecidas da Ditadura Militar”, o Intercept Brasil revela os documentos encontrados em sacos de lixo do centro de tortura do Dops no Rio de Janeiro. As fichas conectam policiais civis aos agentes da repressão, com intercâmbios, aprendizados mútuos e retroalimentação entre as violações aos direitos humanos dos opositores do regime e a violência cotidiana praticada pelos organismos policiais. Os documentos não só ajudam a montar o quebra-cabeça dos crimes cometidos pelos militares, como também mostram as trajetórias de policiais no Dops.
🍂 Meio ambiente
Em meio às oscilações extremas do nível do rio Acre, com cheias e secas intensas, o sistema de captação e fornecimento de água de Rio Branco (AC) beira o colapso. As bombas param de funcionar repentinamente, e as estruturas das Estações de Tratamento de Água (ETA), operadas pelo Serviço de Água e Esgoto de Rio Branco (Saerb), desmoronam com os processos naturais de erosão do rio – única fonte para abastecer mais de 80% dos 360 mil habitantes da cidade. O Varadouro destaca que o Plano Municipal de Saneamento Básico e o Plano Municipal de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima foram ignorados pelo prefeito Tião Bocalom (PL). “Atualmente as ETAs 1 e 2 não têm manutenção preventiva. Eles vão remendando canos atrás de canos. É tudo uma gambiarra. Eles pegaram as ETAs funcionando e hoje está uma bomba-relógio”, afirma Marcelo Jucá, secretário-geral do Sindicato dos Urbanitários do Acre.
📙 Cultura
Mais de 60% dos coletivos de incentivo à leitura no país, como saraus e bibliotecas comunitárias, não são formalizados e não possuem CNPJ, mesmo aqueles que atuam há mais de cinco anos. Os dados são da segunda edição da Periferia Brasileira de Letras (PBL), pesquisa que busca colaborar com a consolidação do Plano Nacional do Livro e Leitura a partir das perspectivas de trabalhadores e coletivos literários com objetivo de pensar na democratização da leitura. A Bahia é o estado com o maior número dessas iniciativas. O Nonada explica que a falta de um CNPJ pode dificultar o acesso a recursos públicos. Mais da metade dos entrevistados afirma que gostariam de uma redução da burocracia exigida para a formalização do trabalho, desejam a distribuição mais justa dos recursos da cultura e esperam mais incentivos para eventos e feiras literárias nas periferias.
🎧 Podcast
“Eu sempre trabalhei com o presente, com onde eu estou”, disse Heloísa Teixeira, escritora, crítica literária e um dos expoentes do feminismo no país, que morreu na semana passada, aos 85 anos. O “Escute As Mais Velhas”, produção da Rádio Novelo, traz uma entrevista inédita, realizada em junho de 2024, quando a imortal da Academia Brasileira de Letras já estava com um quadro de saúde agravado. Heloísa revisitou sua trajetória no movimento feminista e refletiu sobre a experiência do envelhecimento. Em seus últimos cinco anos de vida, ela abandonou o sobrenome do ex-marido – Buarque de Hollanda – para utilizar Teixeira, herdado da mãe.
👩🏾⚕️ Saúde
A saída de Nísia Trindade do comando do Ministério da Saúde e as pressões políticas da oposição travam o Programa de Atenção Especializada à Saúde da População Trans (Paes Pop Trans) há mais de três meses. Apresentado em dezembro, o projeto propõe a atualização da Tabela de Procedimentos do Processo Transexualizador do SUS. O programa também regulamenta a realização das cirurgias de readequação genital, reduz a idade mínima para procedimentos como mastectomia, de 21 para 18 anos, e autoriza o uso de hormônios a partir dos 16 anos, com consentimento dos pais. Segundo a Agência Diadorim, o Paes Pop Trans é visto por médicos e ativistas como um avanço na garantia de acesso à saúde integral para transexuais e travestis, ao ampliar tratamentos e formalizar um direito constitucional.