A perseguição a uma atleta olímpica e a pesca em crise no Amazonas
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🔸 Por competir nas Olimpíadas, Flávia Maria de Lima teme perder a guarda da filha. Cada vez que deixa o país para uma competição, a velocista é alvo de processo pelo ex-marido, que a acusa de abandono para tentar obter a guarda da criança de 6 anos. O Portal Terra conta que a atleta de 31 anos vem compartilhando no Instagram a saga contra o machismo e a perseguição judicial da qual é vítima. “É aterrorizante saber que você é julgada por ter uma profissão muito bem-sucedida”, afirmou. Amanhã, ela vai representar o Brasil na primeira rodada dos 800 m rasos do atletismo nos Jogos de Paris.
🔸 No futebol, a seleção feminina se classificou para as quartas de final, mesmo depois da derrota para a Espanha por 2 a 0 ontem. O Brasil dependia das vitórias dos Estados Unidos e da Alemanha – e os dois venceram Austrália e Zâmbia, respectivamente. O Esporte News Mundo lembra que o time brasileiro entrará em campo novamente no sábado, desta vez sem Marta. Ela foi expulsa no jogo contra a Espanha e ficará de fora das quartas de final.
🔸 No surfe, o Brasil levou a Paris o mesmo número de homens e mulheres, mas nenhum atleta negro. Não que eles não existam, como aponta a Alma Preta. Suelen Naraísa, Noluthando Makalima, Tita Tavares e Danielle Black Lyons são algumas das referências do surfe no país. Suelen, por exemplo, é bicampeã brasileira, moradora de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo. Ela conta que, quando começou a competir, só havia uma categoria para mulheres, e a maioria das surfistas eram cariocas. A falta de representatividade, ela atribui à carência de incentivo: “As dificuldades são maiores por ser mulher. A gente precisa se impor mais. Ser mais autêntica, buscar ter voz ativa e mostrar o nosso talento verdadeiro, que não depende da cor da nossa pele ou de onde viemos”.
🔸 Os homens negros são a maioria das pessoas traficadas no país. Segundo relatório publicado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) com dados de 2021 a 2023, o trabalho análogo à escravidão é a principal razão para o tráfico de pessoas no Brasil, seguido pela exploração sexual. O Notícia Preta mostra que, quando se trata do resgate do trabalho em condições semelhantes à escravidão, as pessoas negras também são maioria (80%), enquanto as brancas representam 18% e os indígenas, 2%.
🔸 O ICMBio destruiu um terreiro no Parque Nacional da Chapada Diamantina. O território sagrado era liderado por Gilberto Tito de Araújo, conhecido como Damaré, e lá estavam mais de 10 casas onde residiam cerca de 35 famílias. Segundo a Revista Afirmativa, o movimento negro de Lençóis (BA) denunciou a ação como racismo religioso à Defensoria Pública. A gestão do parque alega que não identificou a área como espaço religioso no momento da ação. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, porém, admitiu o erro e afirmou que os agentes interromperam a demolição tão logo encontraram itens religiosos.
🔸 Na Amazônia, mulheres indígenas se veem forçadas a migrar em meio à crise climática e aos crimes ambientais na região. É o caso de sete famílias, formadas na maioria por mulheres, dos povos Kumaruara, da aldeia Muruari, no Pará. Os incêndios fizeram secar o igarapé local, mas não só: depois da pandemia, uma madeireira ameaçou abrir uma estrada dentro do território, uma via que facilitaria o tráfico de drogas na região. A Revista AzMina dá voz às mulheres indígenas que migram para evitar violência e fugir das mudanças climáticas em busca de melhores condições. No Acre, por exemplo, o aumento das enchentes afetou 93 comunidades indígenas. Edina Shinenawa, cacica da aldeia das mulheres Shanetatxakaya, no Acre, conta que foi preciso criar outra aldeia para sobreviver. “Ao mexerem na nossa terra, também mexem no nosso corpo humano. Nós, da floresta, já estamos sentindo essa diferença”, afirma.
📮 Outras histórias
“Vi uma cena de terror! Tudo o que conquistei com muito suor foi destruído. Quebraram a porta, armário, teto de PVC, geladeira, jogaram meus materiais de trabalho na rua.” O relato, publicado no 8° Boletim Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça na Maré, ilustra a violação mais frequente no Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro – a invasão de domicílio. O Maré de Notícias detalha as violações que marcaram as 34 operações policiais no conjunto de favelas em 2023 e lembra que as perícias em casos de morte (obrigatórias) não foram feitas. Das oito mortes registradas nessas ações, quatro tinham indícios de execução. “Apenas através desse procedimento, conseguimos compreender como aconteceu as dinâmicas de mortes em operações como dessa semana. É inadmissível como o ‘não direto’ ao processo investigativo está colocado para os moradores da Maré”, diz Liliane Santos, coordenadora do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, da Redes da Maré.
📌 Investigação
“Bateram em mim para eu assinar um documento autorizando a internação”, relata o catador de recicláveis Jorge (nome fictício), que ficou quatro meses “preso” numa clínica em Araquari (SC), a cerca de 80 km de Balneário Camboriú. Ele recorda que foi pego à força por pessoas que descreveu como policiais. Os agentes estariam em uma van identificada como veículo da Abordagem Social, serviço da Prefeitura de Camboriú, na época do Natal de 2023. A Agência Pública revela que o poder municipal tem removido pessoas em situação de vulnerabilidade das ruas de forma violenta para promover internações forçadas em períodos que coincidem com a alta temporada, momento em que a cidade está mais cheia de turistas.
🍂 Meio ambiente
Moradores de municípios do sul do Amazonas às margens do rio Madeira viram minguar os estoques de peixes na última década. Acostumados com a fartura da bacia de maior biodiversidade da Amazônia, os ribeirinhos de Humaitá, Manicoré e Novo Aripuanã relatam que mal consegue suprir a demanda dos moradores por peixes frescos – em torno de 100 toneladas por ano em cada cidade – e vivem diante da insegurança alimentar e financeira. A Ambiental Media acompanhou uma expedição científica pelo Madeira em parceria com a Mongabay e explica que a escassez de peixes pode estar relacionada à construção de hidrelétricas e a outros fatores, como a crise climática que causa secas históricas na região.
📙 Cultura
Conceição Evaristo se tornou a primeira escritora negra a ter um acervo na Fundação Casa de Rui Barbosa. No último mês, a autora aceitou doar documentos ao Arquivo Museu da Literatura Brasileira, dedicado à conservação de registros de escritores que marcaram a história da literatura no país. Segundo o Mundo Negro, ela é reconhecida pela contribuição à literatura afro-brasileira e por seu ativismo pela igualdade racial e de gênero. “Fico honrada e envaidecida de ser a primeira escritora negra a ter documentos doados a este importante acervo. Mas é muito importante que não seja a única e que a minha entrada abra portas para muitas outras escritoras e escritores negros”, afirmou a autora durante o evento na fundação.
🎧 Podcast
Enquanto o agronegócio avança sobre o Cerrado por meio do uso criminoso do fogo, comunidades tradicionais e indígenas se mobilizam para resistir em seus territórios e até mesmo reverter os prejuízos causados pelos incêndios. O último episódio da série “No Rastro do Fogo: Agronegócio e a Destruição do Cerrado”, do “Guilhotina”, produção do Le Monde Diplomatique Brasil, recebe Janaina Ribeiro Apinajé, chefe da brigada voluntária de mulheres indígenas do povo Apinajé, em Tocantinópolis (TO), Maria Mareira, do Acampamento Dom Tomás Balduíno, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Formosa (GO), e Ivanessa Ramos, moradora do Quilombo São Bento do Juvenal, em Peritoró (MA). Elas são algumas das muitas mulheres na linha de frente do combate à devastação socioambiental do Cerrado.
🧑🏽⚕️ Saúde
“O processo de desmatamento e as queimadas têm impacto direto na saúde. Ainda estamos entendendo a dimensão do impacto das mudanças climáticas na saúde.” Lúcia Brum é médica, pós-graduada em Medicina Tropical pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e integrante da ONG Médicos Sem Fronteiras. Em entrevista à Marco Zero, ela explica como as doenças tropicais pelo mundo vão ser intensificadas pela crise climática. “Antes, a dengue tinha um período definido de ocorrência, agora se estende praticamente por todo o ano. Estamos vendo padrões epidemiológicos alterados para todas as arboviroses ou picos de casos fora das épocas em que eram tradicionais.” Lugares onde não havia ocorrência de doenças tropicais, como o Sul da Europa, também já têm registrado casos de dengue devido ao aumento das temperaturas.