O perfil do novo papa e as mães brasileiras que lutam por justiça
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🔸 “A eleição de Leão 14 inaugura uma nova fase no catolicismo global. Ainda é cedo para saber quais caminhos seguirá esse pontificado, mas sua trajetória já indica uma disposição para ouvir, dialogar e caminhar com os que mais sofrem”, escreve Armando Alvares Garcia Júnior, professor da Universidade Internacional de La Rioja, sobre o cardeal Robert Francis Prevost, eleito ontem o novo papa. Em artigo no Conversation Brasil, ele revê a trajetória de Prevost. Aos 69 anos, com formação acadêmica ampla (estudos em matemática, teologia e direito canônico), ele é o primeiro papa dos Estados Unidos, mas atuou durante décadas no Peru, onde se naturalizou. “A eleição de um papa norte-americano com ‘alma latino-americana’ também altera o cenário geopolítico. Essa nova ponte entre as Américas tende a reconfigurar a percepção diplomática do Brasil em relação ao Vaticano”, afirma o professor.
🔸 O que esperar da Igreja sob o comando do novo papa? Em seu primeiro discurso, Leão 14 fez votos de paz, numa referência às diversas guerras em curso no mundo, e indicou que dará continuidade ao trabalho de seu antecessor. O Nexo conversou com quatro especialistas em teologia e religião para refletir sobre os possíveis rumos do catolicismo. “Prevost morou muito tempo no Peru e fez questão de falar em espanhol quando se apresentou. Ele pode ser benéfico para um diálogo entre a América do Sul e do Norte, defendendo os latinos que moram nos Estados Unidos e que estão sendo tratados como criminosos, deportados”, avalia Maria Clara Bingemer, professora de teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
🔸 Falando em Estados Unidos… A eleição de Leão 14 é vista como uma resposta à influência crescente da ala ultraconservadora do país, fortalecida durante o governo Trump. “O catolicismo norte-americano, embora politicamente influente – com 72 milhões de fiéis e um terço do Congresso se declarando católico – vive uma crise institucional profunda: queda nas vocações, diminuição do número de praticantes e cicatrizes abertas pelos escândalos de abuso sexual”, escreve Tabata Tesser, em análise no Intercept Brasil. A pesquisadora Laboratório de Antropologia da Religião da Unicamp lembra que, ao escolher o nome Leão 14, o novo papa remete à tradição da doutrina social da Igreja, sinalizando compromisso com os pobres e com uma “paz desarmada”.
🔸 “Essas mulheres nunca pediram para virar referências de luta. Foi a violência genocida que as impeliu a pressionar as autoridades para que a justiça seja feita.” Às vésperas do Dia das Mães, Jéssica Costa escreve sobre a luta de mulheres que perderam seus filhos para a violência policial. Em coluna na Ponte, ela homenageia Cecília Lopes, mãe de Lucas Lopes, espancado por PMs em Sorocaba (2019), e Evanira Aparecida da Silva, mãe de Eduardo, um dos jovens mortos no Massacre de Paraisópolis (2019). As duas morreram recentemente. “Encarando ameaças e muitas vezes abrindo mão de suas atividades profissionais, essas mães nem sequer podem contar com um acompanhamento psicológico especializado ao longo de suas trajetórias. Algumas tornam-se pesquisadoras com bolsa para poder sobreviver enquanto ativistas. Outras precisam fazer vaquinha. São mulheres da classe trabalhadora, que começaram a trabalhar ainda meninas, mães solos, e que têm o rumo da vida alterado de forma irreparável.”
🔸 A propósito: “É óbvio que deve ser um direito. Eu amo ser mãe. Mas ser mãe muda a sua vida. É responsabilidade, é tudo”, afirma Madalena (nome fictício). Ela tinha acabado de entrar na universidade quando decidiu fazer um aborto, aos 20 anos. Hoje, aos 57, ela lembra que nunca teve dúvidas sobre a decisão: “Não é algo que alguém faça com alegria, mas eu sabia que era o caminho certo”. O Portal Catarinas ouviu mulheres sobre como suas experiências com a maternidade fortaleceram a defesa do direito ao aborto legal, seguro e gratuito. Para elas, interromper a gravidez não nega o desejo de maternar. Ao contrário, defendem que ser mãe deve ser uma escolha consciente e responsável diante das exigências reais da maternidade.
📮 Outras histórias
Na periferia de Santo André (SP), Margarida Amorim, 52 anos, transformou o quintal agroecológico no Recanto do Ócio, um espaço de cultivo, acolhimento e lazer às margens da represa Billings. Vendedora em horário comercial, ela cultiva PANCs (plantas alimentícias não convencionais) e ervas medicinais como boldo, alfavaca e taioba, que usa no próprio sustento. A Agência Mural conta que, ao longo dos nove anos em que vive no recanto, Margarida plantou mais de 100 árvores. O espaço abriga trilhas e uma “prainha” na Billings, onde ela recolhe lixo e acolhe a comunidade. “Não é o ócio de não fazer nada, mas o ócio criativo, de ter um lugar em que se possa conhecer as plantas, a floresta, a represa”, diz. Ela agora tem planos de catalogar as espécies do local e ajudar a reflorestar parte da mata já desmatada.
📌 Investigação
Os registros de violência contra mulheres indígenas aumentaram 258% entre 2014 e 2023, enquanto a média nacional entre brasileiras de todas as raças no mesmo período foi de 207%. Levantamento da Gênero e Número revela que a violência sexual – que abrange casos de assédio, estupro, pornografia infantil e exploração sexual – é a mais discrepante em relação ao fator racial: o salto foi de 297% entre as mulheres indígenas. Já entre as brasileiras em geral, o aumento chegou a 188%. Os dados mostram também que metade das vítimas são meninas indígenas menores de 14 anos. Os números evidenciam a vulnerabilidade a que elas estão expostas, dentro e fora das aldeias, e às margens da proteção prevista nas legislações.
🍂 Meio ambiente
Cooperativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Bionatur é a única produtora de sementes de hortaliças agroecológicas no Brasil. Atualmente, a produção é de cerca de quatro toneladas ao ano, e as sementes vêm de mais de 120 famílias de assentados em seis estados. O Joio e O Trigo destaca que a Bionatur mantém 29 varietais de domínio público, como cebola, cenoura, couve, alface, tomate e abóbora, e guarda mais de 40 espécies crioulas, entre hortaliças, grãos e forrageiras, que podem ser trocadas ativamente com redes de outros estados e doadas. Esse trabalho é essencial para garantir a variedade genética da flora. “Com o advento dessa agricultura que eu chamo de sintética, a agricultura moderna, o processo de erosão genética estava muito acelerado”, explica o engenheiro agrônomo Irajá Antunes.
📙 Cultura
A artista visual Bruna Pereira começou a carreira como tatuadora e estendeu o trabalho para a pintura, a xilogravura, a gravura em linóleo e a animação. Segundo a Emerge Mag, ela se inspira na arte naïf – estilo caracterizado pela espontaneidade, originalidade e liberdade de expressão – para transformar sentimentos em imagens por meio de traços intuitivos e simbólicos. “Acredito que, ao expressar uma dor ou emoção através de metáforas, qualquer pessoa pode se identificar. Sentimentos são universais”, afirma. Um de seus murais está na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Thereza Maciel de Paula, em Santo André, na Grande São Paulo, e retrata o reencontro com a natureza, que se perde nas cidades. “Fazer uma pintura de grande dimensão numa escola pública é muito especial porque a interação das crianças com a obra é diária, e a reação delas é muito genuína.”
🎧 Podcast
Ao longo de décadas, o cientista e ambientalista gaúcho José Lutzenberger alertou sobre o modelo de sociedade pós-revolução industrial e como ela levaria o planeta ao limite. Seu ativismo pelo meio ambiente deu origem a diversas organizações da sociedade civil, como Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, que marcou o início do movimento ambientalista no Rio Grande do Sul, cerca de 50 anos antes do desastre que atingiu o estado em maio de 2024. O “Fim do Futuro”, produção do Matinal, em parceria com o Vós Social, resgata as ideias de Lutzenberger e como as enchentes do ano passado estão associadas ao passado e futuro da humanidade e sua busca pelo “desenvolvimento” e “progresso”.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
“Eu espero mais do que empatia. Espero ação”, afirma Leni Pires das Merces, mãe de uma das estudantes do Colégio Equipe, escola particular tradicional de São Paulo, que foi vítima de racismo numa abordagem feita pelo segurança de um shopping. O caso fez com que um grupo de mães do colégio organizasse um ato antirracista com a comunidade escolar. O Lunetas reúne depoimentos de mães negras sobre o que elas desejam que mães brancas entendam: “O racismo é como um vírus letal. E a vacina é o letramento racial. Não esperamos alguém pegar uma doença para vacinar – então por que esperar as crianças presenciarem racismo para começar a falar disso em casa?”, questiona Luana Genot, diretora-executiva do Instituto Identidades do Brasil.