A percepção do racismo no Brasil e o clube negro mais antigo do país
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🔸 Ainda que 81% dos brasileiros concordem que o país é racista, somente 11% reconhecem ter atitudes racistas. O paradoxo aparece na pesquisa “Percepções do Racismo no Brasil”, encomendada pelo Instituto de Referência Negra Peregum e Projeto Seta ao Ipec. A Periferia em Movimento detalha o estudo, que ouviu 2 mil brasileiros em 127 municípios em abril deste ano. Para 66% dos entrevistados, o racismo se manifesta principalmente na violência verbal, como xingamentos e ofensas. Embora as instituições de ensino sejam lembradas como espaços onde não há lugar para atos discriminatórios, 38% das pessoas que afirmam já ter sofrido racismo apontam a escola ou a universidade como locais onde essa violência ocorreu. As mulheres pretas são as que mais percebem que raça/cor é o principal motivador de violência nas escolas (63%).
🔸 “Uma pessoa pode até admitir que tem preconceito, mas não necessariamente que vai discriminar alguém. Admitir discriminação é um passo mais duro para a percepção do racismo, que o brasileiro e a brasileira ainda não têm.” Mesmo assim, a socióloga Flávia Rios destaca que a percepção sobre o racismo no país cresceu com relação a uma pesquisa dos anos 1990, que até então era usada como referência no assunto. A mudança é resultado de políticas de ações afirmativas nos últimos 20 anos e da ampliação do debate sobre racismo no país. Em entrevista ao Nexo, a diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora do Negra/UFF e do Afro/Cebrap lembra a queda de ações de combate ao racismo nas escolas e a importância de fortalecer esses projetos. “A escola pode fazer com que os dispositivos legais sejam conhecidos, pode criar princípios antirracistas. É algo preventivo”, afirma.
🔸 Neste momento, uma chacina está acontecendo em São Paulo. A Polícia Militar do Guarujá tem feito execuções nas favelas da cidade litorânea – e comemora as ações nas redes sociais. “Hoje as pessoas vão morrer/ Hoje as pessoas vão matar/ O espírito fatal/ E a psicose da morte estão no ar”, diz uma das mensagens compartilhadas por agentes ao lado de cenas da operação. As páginas policiais contabilizam 12 mortos até o momento e, segundo moradores, os PMs prometem chegar a 60 mortos. A Ponte conta que eles estariam se vingando da morte recente do policial Patrick Bastos Reis, de 30 anos, soldado da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), força especial da PM paulista. “São pistoleiros, assassinos autorizados pelo alto comando da polícia nos Estados”, afirma o historiador Douglas Belchior, cofundador da UneAfro e que está acompanhando famílias vítimas de violências nas favelas do Guarujá.
🔸 A descriminalização do porte de drogas para consumo próprio está na pauta da volta do Supremo Tribunal Federal, que retorna do recesso amanhã. O debate na Corte sobre o porte de drogas começou em 2011, como lembra a CartaCapital. Até agora, três ministros votaram: Gilmar Mendes, relator do caso, propôs que a posse de quaisquer drogas para uso pessoal não seja considerada crime; já Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram pela descriminalização da posse de maconha.
🔸 Também de volta do recesso, o Congresso Nacional entra agosto com mais de 14 medidas provisórias na pauta. O Congresso em Foco explica que as duas mais importantes são a que diz respeito à alteração na tabela do imposto de renda e a que aborda o reajuste do salário mínimo. O texto que se refere ao imposto isenta quem recebe até R$ 2.112 por mês. Para compensar a perda de arrecadação, o governo inclui a cobrança de brasileiros residentes no país que têm aplicações financeiras feitas no exterior.
📮 Outras histórias
O clube negro mais antigo do Brasil está no Rio Grande do Sul. “Mais antigo que a liberdade”, como anuncia seu slogan, a Sociedade Beneficente Cultural Floresta Aurora, em Porto Alegre, foi fundada em 1872 e uma de suas primeiras ações era ajudar a dar enterros dignos a negros cujo destino mais provável seriam as valas comuns e prestar assistência a viúvas e filhos. O Sul21 perfila o clube e a advogada Maria Eunice da Silva, cuja trajetória nos últimos 48 anos se confunde com a própria história da entidade. Filha de uma trabalhadora doméstica, ela foi a primeira de sua família a cursar o ensino superior e começou a atuar no grupo ainda nos anos 1970. “Eu vejo o Floresta Aurora como uma herança. Os ancestrais fundaram e nós devemos continuar”, afirma.
📌 Investigação
O desmatamento e a degradação florestal vão além do garimpo na Terra Indígena Yanomami. O avanço da fronteira agrícola se intensificou no leste do território e aumenta o risco imediato à saúde das populações locais. Levantamento da InfoAmazonia, em parceria com o GT Geo-Yanomami, mostra que na região foram alterados mais de 729 km² da cobertura florestal entre 2017 e 2022. No mesmo local onde foram detectadas as maiores cicatrizes de queimadas e as áreas de desmatamento, estão também as novas áreas de pastagem nesse período. “Nós denunciamos muitas vezes as fazendas que destroem a nossa terra, mas as autoridades não escutam”, afirma a liderança Yanomami Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami.
🍂 Meio ambiente
Mesmo demarcada e homologada, a Terra Indígena (TI) Araribóia, segunda maior do Maranhão, é alvo das ações de invasores, como caçadores, fazendeiros e madeireiros. A extração ilegal de madeira é apontada por uma liderança – que preferiu não se identificar – como uma das atividades mais recorrente e danosa dentro da TI. O Le Monde Diplomatique Brasil informa que, de abril de 2022 a junho de 2023, foram apreendidas cerca de 760 m³ de madeira ilegal somente no estado, de acordo com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais do Maranhão (Sema).
“O problema ocorreu quando começamos a extrair comercialmente.” A oceanógrafa Sylvia Earle, exploradora da National Geographic, esteve pela quarta vez no Brasil, mas realizou apenas agora seu primeiro mergulho em águas brasileiras para conhecer o universo subaquático e rico das Ilhas Cagarras, no Rio de Janeiro, e águas do entorno. O Eco acompanhou esse mergulho e conversou com a oceanógrafa, que acredita que ainda é possível reverter o quadro de destruição nos oceanos. “Não podemos explorar tudo e ainda esperar que isso funcione.”
📙 Cultura
Trabalhadores do audiovisual pernambucano estão com o pagamento de parcelas do Funcultura, o maior fundo de investimento em cultura do estado, atrasadas, além de dificuldades para acessar os recursos da Lei Paulo Gustavo, viabilizados pelo governo federal. A revista O Grito! ouviu diretores, produtores, cineclubistas e estudantes de cinema da área para entender a dimensão do problema: “Essa situação tem impedido o desenvolvimento do setor, resultando na paralisação de festivais, mostras e cineclubes que aguardam os recursos já aprovados por edital e garantidos pela Lei do Audiovisual. A falta de prioridade e agilidade na liberação tem gerado um cenário de incerteza e estagnação no setor”, diz Wandryu Figueiredo, da Federação Pernambucana de Cineclubes (FEPEC).
“Raramente vemos pessoas da nossa idade nos eventos. São os jovens que nos seguem, comentam e dão ideias”, afirma Genilda, que, ao lado da irmã Genilza, tem um canal no Youtube sobre cultura geek – normalmente atrelada ao imaginário popular como um conteúdo de jovens e, principalmente, aos homens brancos. Ambas têm mais de 60 anos e compartilham o amor por livros, séries e histórias em quadrinhos. Ao Nós, Mulheres da Periferia as irmãs contam como surgiu o contato com esse universo e como nasceu o canal há quatro anos e que hoje tem quase 10 mil inscritos. As “Donas Gês” já acumulam mais de 80 mil seguidores no TikTok e 18 mil no Instagram.
🎧 Podcast
Em outubro de 1976, os escritores Marina Colasanti, Affonso Romano de Sant’Anna e João Salgueiro entrevistaram Clarice Lispector para o programa “Depoimentos para a Posteridade”, do Museu da Imagem e do Som (MIS) do Rio de Janeiro. O áudio foi restaurado pelo biógrafo da autora, Benjamin Moser, e publicado pela revista “The New Yorker”. No Brasil, o material histórico na íntegra é reproduzido pelo “451 MHz”, produção da Quatro Cinco Um, e que traz a segunda parte da entrevista, além de apontamentos do próprio Moser, ao lado da editora Mariana Delfini.
👩🏽💻 Tecnologia
Mulheres negras estão entre as principais vítimas do racismo algorítmico com imagens ligadas a termos pejorativos ou negativos nos buscadores. A Alma Preta reúne estudos que revelam como o ambiente digital é hostil especificamente com esse grupo. Segundo a tese de doutorado do pesquisador e PHD em Sociologia, Luiz Valério Trindade, por exemplo, mulheres negras correspondem a 81% das vítimas de discurso discriminatório nas redes sociais. Um dos principais especialistas em racismo algorítmico no país, Tarcízio Silva explica que a falta de transparência das plataformas digitais sobre o tema dificulta a elaboração de estratégias para combatê-lo.