A pensão aos órfãos do feminicídio e a proteção às línguas indígenas
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🔸 A partir deste mês, a lei que estabelece uma pensão aos órfãos do feminicídio começa a garantir um salário mínimo mensal para filhos e dependentes menores de 18 anos de mulheres vítimas do crime. O benefício é pago desde que a renda per capita familiar não ultrapasse um quarto do salário mínimo vigente. Para especialistas, num país em que cerca de 2 mil crianças se tornam órfãs de feminicídio por ano, trata-se de um avanço importante, mas não resolve o vazio na oferta de apoio psicológico e social. “A criança é vítima direta da violência psicológica, não só quando acontece a morte, mas também por crescer em um ambiente violento”, afirma a doutora em Direito Penal e especialista em violência de gênero Alice Bianchini. A Agência Pública lembra ainda que boa parte das vítimas presencia as agressões ou o crime – 71% dos casos de violência contra a mulher têm testemunhas, na maioria filhos – e que muitas se tornam órfãs duplas, já que o autor costuma ser o pai.
🔸 Com quase cinco meses de atraso, o Congresso aprovou ontem a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026, o que destrava a votação do Orçamento do próximo ano. O Congresso em Foco explica que a LDO funciona como um “manual de instruções” do Orçamento e fixa para 2026 um superávit primário de R$ 34,3 bilhões, equivalente a 0,25% do PIB. No centro da disputa política, estão as emendas: o texto obriga o governo a pagar pelo menos 65% das emendas impositivas até o fim do primeiro semestre, às vésperas do período eleitoral. A LDO também cria um piso para o Fundo Eleitoral, que deve repor a inflação desde 2016 e ainda ter aumento real de 2,5% ao ano, dentro do teto fiscal. As emendas Pix passam a ter valor mínimo de R$ 200 mil para obras e R$ 150 mil para serviços, e emendas coletivas poderão pagar pessoal ativo da saúde.
🔸 A propósito: ao aprovar a LDO de 2026, governo e Congresso fecharam as contas do Orçamento à custa de uma grande interrogação: a previsão de R$ 14 bilhões extras em arrecadação com medidas de “defesa comercial”. Segundo o Jota, a inclusão dessa projeção obedece a uma lógica primeira de fechar as contas do governo em um contexto de meta fiscal desafiadora. O valor serve para viabilizar emendas de comissão (R$ 12,1 bilhões) e compensar frustrações como a perda parcial da MP 1303, que previa aumento de tributos sobre investimentos e a revisão de benefícios fiscais. O problema é que, ao resolver uma questão orçamentária, criou-se um ambiente adicional de incerteza para o setor privado em 2026.
🔸 A decisão de Gilmar Mendes de restringir pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ao procurador-geral da República reacende o debate entre blindagem e proteção institucional. O magistrado suspendeu trechos da Lei do Impeachment de 1950 e também elevou o quórum para abertura desses processos no Senado, de 21 para 54 senadores, sob o argumento de evitar que o impeachment vire uma arma de intimidação em meio ao avanço da extrema direita no Congresso. O Nexo avalia a decisão com especialistas. Para Emílio Meyer, professor de direito constitucional da UFMG, o aumento do quórum faz sentido diante do risco de uso abusivo do impeachment. Mas ele critica tirar do cidadão a possibilidade de denunciar ministros. Já Caleb Salomão, professor de direito constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie, destaca que a liminar reforça a independência judicial ao concentrar a iniciativa no PGR e exigir consenso amplo no Senado, mas reconhece que a mudança alimenta a narrativa de um “tribunal intocável”.
🔸 “Nós temos hoje 81 pedidos de impeachment contra ministros. Isso jamais aconteceu no Brasil e em nenhum país do planeta Terra”, afirmou Flávio Dino ao comentar a decisão de Gilmar Mendes. O Metrópoles destaca que, segundo o ministro, é preciso distinguir o que tem fundamento do que faz parte da ofensiva política recente. A decisão de Gilmar está em vigor, mas ainda depende de referendo do plenário do STF. Dino evitou antecipar seu voto, previsto para 12 de dezembro, e disse esperar que o julgamento pressione o Congresso a legislar sobre o tema.
📮 Outras histórias
Aos 70 anos, Maria de Fátima Abade Barbosa, quebradeira de coco e filha de quebradeira de coco babaçu em Tocantinópolis (TO), concluiu a Licenciatura em Educação do Campo – Artes na Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT). Um retrato de sua trajetória de vida, sua pesquisa leva o título “Nunca é Tarde para Aprender: A história de vida de uma mulher preta que foi excluída do processo educacional de ensino”. A Revista Afirmativa conta que, na apresentação do trabalho, ela entrou com roupa de quebradeira de coco, depois pegou o saxofone – outro sonho realizado – e emocionou o auditório. “Acho que as pessoas entenderam que, quando a gente tem aquele sonho, luta para realizar”, disse.
📌 Investigação
“Nós vivemos sempre uma incerteza, sempre pedindo alguma coisa, pedindo para que venham nos ajudar com alimentos, que era direito nosso, uma cesta básica por mês. Sumiram, nunca deram notícia, ninguém sabe”, diz Fabiana Marques, que mora no módulo I05 com o marido e as filhas de 8 e 2 anos. Sua moradia é uma das casas temporárias fornecidas pelo governo do Rio Grande Sul em parceria com a Prefeitura de Porto Alegre às famílias que perderam tudo nas enchentes do ano passado. Segundo o Sul21, os moradores relatam casos de invasão, roubo e depredação de módulos provisórios e denunciam o abandono do poder público em um imbróglio sobre quem deve administrar os módulos. Ao mesmo tempo que o governo estadual passou a parte da habitação e assistência social para a prefeitura, o Departamento Municipal de Habitação afirma que não lhe compete “a gestão dos módulos (infraestrutura, segurança, água, energia) nem o atendimento socioassistencial”.
🍂 Meio ambiente
O desmatamento da Amazônia impacta a segurança alimentar dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. É o que revela uma pesquisa publicada na revista científica “Nature”, que alerta o declínio na disponibilidade de carne de caça, como paca, queixada e anta, em áreas desmatadas. O consumo desses animais é uma importante fonte de nutrientes e prática cultural milenar para as populações locais. A Agência Bori ressalta que, segundo o estudo, regiões com mais de 70% de desmatamento acumulado sofreram uma redução de quase 75% no número de animais caçados por pessoa. A perda é preocupante sobretudo porque a carne de caça é uma das principais fontes de proteína e micronutrientes como ferro e zinco para essas comunidades.
📙 Cultura
Desde 2010, o Inventário Nacional de Diversidade Linguística busca salvaguardar as diferentes línguas faladas no Brasil. O país possui 391 etnias e 295 línguas indígenas, segundo o Censo de 2022, das quais cerca de 190 estão em risco de extinção, como mostrou o “Atlas das Línguas em Perigo”, da Unesco. Há também línguas não-indígenas em risco de desaparecer, como o Iorubá, de matriz africana, e o Hunsrück, língua de origem alemã falada no Sul. Segundo o Nonada, sete línguas – seis delas indígenas – que poderiam ser extintas já foram inventariadas e reconhecidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) e pelo Ministério da Cultura como referência cultural imaterial. Outras 20 línguas aguardam esse reconhecimento. É o caso da Língua Brasileira de Sinais (Libras), o Iorubá, o Yanomami, língua indígena do povo de mesmo nome, e a Pomerana, de origem alemã e polonesa.
🎧 Podcast
“A mulher negra que trabalha na área rural precisa tomar conta da casa, do filho e do trabalho, e ganha um salário mínimo”, afirma a agricultora Elisangela dos Santos. Aos 48 anos, ela já trabalhou com agricultura familiar, plantio de arroz, tomate, cebola, pimentão, melão, melancia e manga. Atualmente, lida com o manejo da uva, na seleção de cachos, em escala de trabalho 6x1. Ao lado de cerca de 300 mil mulheres, Elisangela participou da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, na semana passada, em Brasília. O “Conversa de Portão”, produção do Nós, Mulheres da Periferia, acompanhou o evento e narra a força e reivindicação das trabalhadoras do campo, que enfrentam jornadas exaustivas, racismo, machismo e ainda assim transformam luta em resistência coletiva.
💆🏽♀️ Para ler no fim de semana
Em vídeo: durante séculos, os habitantes do Arquipélago do Marajó, no Pará, desenvolveram uma das cerâmicas mais sofisticadas das Américas. Criada por povos que dominaram a hidrologia da ilha, essa é uma arte marcada por símbolos e representações locais que seguem presentes na identidade cultural. O documentário “Códigos Ancestrais: Iconografia do Marajó e Conservação do Oceano”, produção do Correio Sabiá, mergulha nos ícones marajoaras, que não são apenas arte, mas a expressão de uma cosmovisão indígena ancestral na qual o ser humano e a natureza são tidos como inseparáveis. Esse pensamento se manifesta na vida cotidiana das comunidades tradicionais, que dependem do fluxo das marés e do ecossistema dos manguezais para sua subsistência e identidade.




