A PEC das Drogas e os subprodutos da Nestlé no Sul Global
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🔸 O Senado aprovou ontem a PEC das Drogas, texto que criminaliza o porte de drogas independentemente da quantidade. Trocando em miúdos, a proposta de emenda à Constituição inclui na Carta um trecho da Lei de Drogas de 2006. Este, por sua vez, usa critérios subjetivos para diferenciar usuários e traficantes, como o local da ocorrência, a ficha criminal e a quantidade encontrada com a pessoa – sem parâmetros definidos, a depender da decisão de policiais e juízes. O Congresso em Foco lembra que a aprovação soa como uma resposta ao Supremo Tribunal Federal, que analisa a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. O placar por lá está em 5 a 3 pela descriminalização. O argumento que se impõe na Corte é o de que a falta de critérios objetivos leva à aplicação distorcida da lei e penaliza sobretudo pessoas negras e de baixa renda.
🔸 As estatísticas mostram que o racismo impera na guerra às drogas. Vale lembrar que bairros ricos e com população majoritariamente branca são praticamente imunes às entradas da polícia em busca de drogas, como mostrou pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgada no final do ano passado. A Alma Preta mostrou que, nas entradas da polícia a domicílios, 44,3% dos réus são negros, e 23,6%, brancos. Em São Paulo, as pessoas negras representam 56% dos presos por tráfico em “enquadros” policiais, segundo a pesquisa “Liberdade Negra Sob Suspeita: Pacto da Guerra às Drogas no Estado de São Paulo”, detalhada pela Ponte.
🔸 Já a Câmara aprovou urgência para o projeto de lei que prevê sanções a invasores de terras. A proposta é de autoria do deputado federal Luciano Zucco (PL-RS) e vem à tona em meio “Abril Vermelho”, nome dado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a Jornada Nacional de Luta em Defesa da Reforma Agrária. Segundo o Metrópoles, neste mês, 24 áreas em dez estados e no Distrito Federal foram ocupadas por integrantes do movimento.
🔸 A propósito: a aprovação vem um dia depois de o governo anunciar estratégias para acelerar a reforma agrária no país. Na segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou o decreto que cria o programa Terra da Gente, iniciativa que pretende beneficiar 295 mil famílias agricultoras até 2026, incluindo mil famílias assentadas, 221 mil reconhecidas ou regularizadas em lotes de assentamentos já existentes. A CartaCapital detalha os modelos propostos pelo governo.
🔸 Resgatada em 2020, Madalena Giordano foi submetida à escravidão em 1981, quando tinha apenas 8 anos e foi levada para a casa dos pais de Dalton César Milagres Rigueira. Em 2005, foi ele próprio quem a levou para sua residência. A Repórter Brasil conta que, agora, a família Rigueira foi finalmente condenada pelo crime – a mais de 14 anos de prisão, além de multas e indenizações de quase R$ 1,3 milhão à vítima. As penas, no entanto, não levam em consideração os 39 anos de trabalho escravo de Madalena, mas somente os 15 anos que ela cumpriu na casa de Dalton Rigueira. Ela não tinha salário, descanso, férias e só realizou o sonho da infância de ter uma boneca depois de ser resgatada.
🔸 No Rio Grande do Sul, a polícia resgatou trabalhadores que eram pagos com crack numa pedreira clandestina, em Taquara. O Sul21 informa que, além de receber o “pagamento” em drogas, as vítimas viviam em condições de vulnerabilidade, num local que era usado para extração, venda e transporte de pedras, extraídas no interior do município.
📮 Outras histórias
Uma escola de agricultura urbana para mulheres da periferia. O projeto pioneiro surge em Recife e vai formar cem mulheres que já atuam em iniciativas agroecológicas em comunidades da periferia da capital pernambucana. A Marco Zero explica que a Escola Marias terá quatro turmas ao longo de dois anos. Na ementa, estão conteúdos sobre segurança alimentar, saúde, geração de renda e melhoria da qualidade de vida. O projeto ainda vai acompanhar hortas em comunidades de Cabo de Santo Agostinho e de Recife. O lançamento está marcado para a próxima segunda-feira, Dia Mundial da Terra.
📌 Investigação
Área legalmente protegida e de usufruto exclusivo dos indígenas, a Terra Indígena Parakanã, no Pará, convive com 102 registros de Cadastro Ambiental Rural em seu interior, como revela levantamento da InfoAmazonia. Também existem 3.816 propriedades rurais registradas no entorno do território, a 10 quilômetros de distância dos seus limites legais. Embora não seja ilegal possuir imóveis a essa distância, a proximidade e a quantidade mostram a pressão sobre o território, que está majoritariamente no município de Novo Repartimento, destacado como “área de conflito” no relatório “Conflitos no Campo Brasil 2022”, da Comissão da Pastoral da Terra (CPT). A cidade é especialmente pressionada pela agropecuária e pela mineração.
🍂 Meio ambiente
Cerca de 88% do desmatamento de vegetação nativa dentro de Unidades de Conservação no Cerrado, entre janeiro de 2023 e fevereiro de 2024, aconteceram no Matopiba, região de expansão da fronteira agrícola brasileira entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Os dados são do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) Cerrado, levantados pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). A Eco Nordeste destaca que o Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba perdeu 7.908,7 hectares de vegetação no último ano, sendo 30% apenas em janeiro deste ano, o que indica um avanço recente do problema.
📙 Cultura
“Foi emocionante me ver nas câmeras. Interpretar eu mesma foi desafiador, foi como revisitar o meu passado”, afirma a atriz Deça Freitas, uma das protagonistas do filme “Elas do Capão”, dirigido por Carlinhos Periferia. O longa se passa principalmente no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, e nos bairros vizinhos como Jardim São Bento, Cohab Adventista, Campo Limpo e Vila Nagibe. A Agência Mural conta que a produção, lançada no último dia 31 de março, é inspirada na vida real de moradores das periferias e retrata a história de mulheres que enfrentam um cotidiano de violência, feminicídio e preconceitos, enquanto lutam para sobreviver.
🎧 Podcast
Suposta solução para vários problemas ambientais, a bioeconomia apresenta contradições, especialmente no conceito teórico. O termo ganhou destaque no último mês, quando o presidente da França, Emmanuel Macron, visitou o Brasil e assinou um projeto que promete investir 1 bilhão de euros – quase R$ 5,5 bilhões – na bioeconomia da Amazônia. O “Olho d’Água”, produção da Amazônia Latitude, conversa com Marcela Vecchione, pesquisadora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da Universidade Federal do Pará, para explicar como essa promessa se encaixa no complexo xadrez global das ações climáticas e quem realmente ganha.
🧑🏽⚕️ Saúde
Relatório inédito publicado ontem mostra como a Nestlé, gigante mundial do setor de alimentos, vende produtos com qualidade nutricional inferior em países do Sul Global. A pesquisa foi feita pela Public Eye, com colaboração da Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar, a Ibfan, e revela que na Suíça, sede da empresa, os alimentos voltados para bebês são vendidos sem qualquer adição de açúcar. No Senegal, um mesmo cereal contém seis gramas de açúcar adicionado por porção. O Intercept Brasil e O Joio e O Trigo reúnem as principais informações do relatório. Os pesquisadores apontam também que o Cerelac, conhecido no Brasil como Mucilon, e o Nido (Ninho) contêm teores de açúcar muito acima do recomendado para crianças menores de dois anos.