A PEC aprovada e uma viagem até o direito ao aborto legal
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🔸 A Câmara, enfim, aprovou a PEC da Transição ontem, em segundo turno. A Proposta de Emenda à Constituição estabelece que o novo governo terá R$ 145 bilhões para além do teto de gastos, dos quais R$ 70 bilhões serão para custear o Bolsa Família de R$ 600 com um adicional de R$ 150 por criança de até 6 anos. O Sul21 lembra que, como o texto foi modificado, voltou ao Senado. A mudança principal foi na vigência da PEC: de dois para um ano.
🔸 Para o Centrão, tudo tem um preço. E a fatura pela aprovação da PEC será cobrada em cargos na Esplanada dos Ministérios. Os partidos já definiram o que querem do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como informa o Portal Terra. O União Brasil, por exemplo, cobiça Minas e Energia e Desenvolvimento Regional. Já o PSD quer o Ministério da Infraestrutura. Juntas, as três pastas terão cerca de R$ 70,6 bilhões para gastar em 2023, valor que pode aumentar após a aprovação da PEC e a redistribuição da verba do orçamento secreto. O PP de Arthur Lira, por sua vez, está de olho na Saúde, mas Lula já teria decidido que o cargo será de Nísia Trindade, atual presidente da Fiocruz. Os nomes dos futuros ministros devem ser anunciados ainda nesta semana.
🔸 Não só parlamentares e o presidente terão um robusto aumento salarial a partir de 2023. A Câmara aprovou ontem reajuste de 18% para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Os atuais R$ 39 mil passam para R$ 46 mil a partir de 2023. O Congresso em Foco destaca que a previsão de impacto orçamentário só para o ano que vem é de R$ 255,4 milhões. Apenas três partidos foram contrários ao aumento: o Novo, o Psol e o Podemos. O deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR) já havia se manifestado contra, afirmando se tratar de uma forma de supersalário em um momento em que a sociedade espera a redução de privilégios de gestores públicos.
🔸 A boiada segue passando: o Senado aprovou nesta semana o PL do Autocontrole. Traduzindo: trata-se de uma lei que autoriza os fazendeiros a fiscalizar suas produções de alimentos e criações de animais, trabalho que até então cabia ao Ministério da Agricultura. A CartaCapital explica ainda que a lei vai permitir às empresas do setor agropecuário o monitoramento da compra de matérias-primas, como fertilizantes e agrotóxicos, até o envio do produto para a venda. O texto é alvo de críticas de ambientalistas e entidades ligadas à auditoria do setor. O grupo aponta possível diminuição de rigor no controle de qualidade dos produtos, já que o próprio produtor atestaria a sua mercadoria, e vê um precedente para maus tratos a animais da cadeia produtiva.
📮 Outras histórias
Uma viagem até o direito ao aborto. Julia (nome fictício) foi vítima de estupro aos 38 anos. “Quando fiquei sabendo da gravidez, não acreditei. Queria parar de viver naquele instante”, conta. Ela tentou interromper a gestação com medicamentos comprados no mercado clandestino, mas não funcionou. Foi preciso viajar cinco horas até Minas Gerais para ter acesso ao aborto legal. A Gênero e Número narra a viagem rumo ao Programa Nuavidas (Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual), que funciona no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia. A reportagem explica como se dá o procedimento e também descreve a volta: Julia foi procurada por autoridades da Secretaria de Saúde de sua cidade e passou por um questionário que considera humilhante.
Sebastião Jovino da Costa, o Bastião, foi pai de santo por 19 anos. Trabalhava com as entidades Rei de Ouro, Rei de Prata, Rei de Bronze, Sultão da Mata e Oxóssi de Aruanda. Diz ter abandonado a umbanda quando o diabo quis recrutá-lo para as “linhas tortas” da religião. Hoje, o paraibano que fez a vida em Araci, no sertão baiano, pode ser encontrado no box 56, ao lado do mercado da farinha. Lá, oferece a cura para diversas doenças, por meio de 200 tipos de ervas, cascas de árvore, óleos e garrafadas. “O Fantástico Mundo de Sebastião” foi como o Meus Sertões nomeou duas reportagens especiais sobre ele. A história agora foi transformada em dois vídeos pela pesquisadora de cultura popular Helenita Monte de Hollanda e o jornalista Biaggio Talento.
📌 Investigação
Multas a farmacêuticas por remédios com valores abusivos triplicaram com a pandemia: nos últimos três anos, foram 756 casos, que somaram R$ 276 milhões. O preço dos medicamentos deve respeitar os valores máximos estabelecidos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão chefiado pela Anvisa. Os principais prejudicados pela prática são prefeituras, estados e hospitais federais, que compram remédios em grandes quantidades para abastecer o Sistema Único de Saúde (SUS). A Repórter Brasil revela que, no mesmo período, o setor bateu recordes de lucros.
🍂 Meio ambiente
Conhecida como Lei do Mar, o Projeto de Lei 6.969 completa 10 anos de tramitação na Câmara em 2023. Nela, é instituída a Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro (PNCMar), com intuito de promover o uso sustentável dos recursos e ecossistemas marinhos, garantir a conservação da biodiversidade marinha e monitorar os impactos socioambientais. O Projeto Colabora conta ainda que sua implementação é essencial para que o país cumpra uma das metas da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) que prevê a conservação de pelo menos 10% das zonas costeiras e marinhas.
No sudeste do Piauí, está localizado o Parque Nacional da Serra da Capivara, uma unidade de conservação de proteção integral à natureza, além de abrigar a maior e mais antiga concentração de sítios pré-históricos da América. Com chapadas, cuestas e a Depressão Periférica, a paisagem do local é formada por conjuntos geológicos de eras diferentes. O Eco Nordeste detalha as nuances que fazem do Parque Nacional da Serra da Capivara um lugar único e de enorme importância para a Arqueologia e Ciências Naturais.
📙 Cultura
Com a composição do novo governo, renasce a oportunidade de formulação de políticas públicas para que a cultura brasileira faça parte do desenvolvimento sustentável do país. Os últimos anos significaram a jogada de escanteio da dupla natureza – econômica e cultural – do setor. O Le Monde Diplomatique Brasil relembra os pilares da Convenção da Unesco sobre Diversidade Cultural de 2005. O país não só aprovou as diretrizes, com outras 148 nações, como também as incorporou ao ordenamento jurídico constitucional brasileiro. Isso, porém, pouco frutificou em apoio à cultura.
Professores e pesquisadores da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) se mobilizam para que mestres e mestras populares recebam a certificação de Notório Saber em Artes, Ofícios e Cosmologias Tradicionais. Uma resolução da instituição de 2021 regulamentava o processo, mas foi suspensa. À Revista Afirmativa, a pesquisadora Beatriz Borges, que coordena a Equipe de Povos e Comunidades Tradicionais da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), afirma que o título é um modo de contribuir com a luta antirracista, valorizando as culturas afro-brasileiras e interculturalidade, em um espaço “que historicamente negou, e ainda nega, a sua presença”.
🎧 Podcast
Para presentes de Natal de última hora ou para boas leituras nas férias, o último episódio do ano do podcast “O que ler agora?”, produção do Plural, traz uma equipe de sete pessoas do universo cultural – jornalistas, escritoras e tradutores – para indicar livros para esse período. A lista passa por nomes como a italiana Natalia Ginzburg, a brasileira Sofia Nestrovski, a francesa Annie Ernaux e a zimbabuense NoViolet Bulawayo, com a exploração de leituras lúdicas, profundas, que expõem o contexto social de diversos países.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
O racismo não tira descanso. Instituição pública, vinculada ao SUS, o Hospital Geral de Bonsucesso, no Rio de Janeiro, coloca o “nariz negroide”, traço comum em pessoas negras, no mesmo patamar de tumores nasais, sequelas de trauma, malformações, rinomegalia e nariz fissurado para que uma pessoa seja elegível a uma cirurgia plástica gratuita. A Alma Preta conversa com médicos que afirmam que não há outra justificativa para o “nariz negroide” ser passível de correção senão o racismo e o padrão do nariz fino comum às pessoas brancas.