A partida do papa Francisco e a tipografia ribeirinha na Amazônia
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🔸 Primeiro pontífice da América Latina, o jesuíta Jorge Mario Bergoglio, papa Francisco, morreu ontem pela manhã, aos 88 anos, vítima de AVC e insuficiência cardíaca. Argentino de origem simples, ele ocupou o posto de papa da Igreja Católica por 12 anos. “Na juventude, trabalhou em um laboratório químico, foi ajudante de limpeza numa floricultura e segurança de boate. Chegou a dizer que este último emprego ajudou-o a descobrir como atrair descontentes à Igreja”, escreve Ivan Esperança Rocha, em artigo no The Conversation Brasil. Cofundador da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR) e professor de História Antiga da Unesp, ele resgata a história de Francisco, primogênito de cinco filhos do ferroviário Mario Giuseppe Bergoglio Vasallo e da dona de casa Regina Maria Sivori Gogna. Inspirado por São Francisco de Assis, optou por uma vida austera e rompeu tradições ao defender causas como o acolhimento à população LGBTQIA+ e a reforma da Cúria Romana.
🔸 “Para Francisco, não há cristianismo sem que ele se envolva verdadeiramente com as questões sociais. É uma consequência direta da fé cristã”, afirma o pesquisador Gabriel Marquim, doutor em ciências da religião. A Agência Pública conta que, antes de ser papa, Bergoglio chamou a Igreja Católica à luta contra o capitalismo predatório. Por conviver com os pobres, era chamado de “villero” e rotulado de marxista, o que reverbera ainda hoje nos discursos da extrema direita, que o apontam como “comunista”. “Constrangedor seria se o pessoal da extrema direita o elogiasse. Jesus também foi perseguido o tempo todo. Todos os cristãos são discípulos de um prisioneiro político”, diz o escritor e frade dominicano Frei Betto.
🔸 O que Francisco mudou na Igreja Católica? Em mais de uma década de papado, o papa incluiu em seus discursos apelos constantes de proteção aos mais pobres. Também clamou pelo acolhimento de pessoas envolvidas com a crise migratória e de refugiados para a Europa ao longo dos anos 2010. “Precisamos de pontes, não de muros”, disse em oração feita na Praça de São Pedro, no Vaticano, em novembro de 2014. O Nexo lembra ainda que o pontífice nomeou 159 cardeais, priorizando países do Sul Global, abriu espaço para mulheres em cargos inéditos na Igreja Católica e ampliou a aceitação de fiéis LGBTQIA+ ao autorizar as bênçãos a casais do mesmo sexo e o batismo de pessoas trans.
🔸 Processo essencial para a escolha escolha do novo papa, o conclave reúne cardeais de todo o mundo na Capela Sistina, dentro do Vaticano. O Brasil conta com oito cardeais, dos quais sete estão aptos a votar – por causa da idade, Raymundo Damasceno Assis, 88 anos, não vai participar do conclave. O Congresso em Foco lista os brasileiros que vão ao Vaticano para a votação secreta. Ao todo, 24 cardeais latino-americanos participarão da escolha, enquanto a Europa segue com a maioria, com 55 votantes. Segundo as regras do Vaticano, o conclave deve ocorrer entre 15 e 20 dias depois do funeral do papa.
📮 Outras histórias
Depois das enchentes em fevereiro passado, moradores do Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo, temem a remoção forçada. A proposta da prefeitura prevê indenizações entre R$ 20 mil e R$ 50 mil, valor insuficiente para comprar um novo imóvel. Líderes de movimentos sociais e especialistas afirmam à Periferia em Movimento que as ações do prefeito Ricardo Nunes (MDB) se caracterizam como racismo ambiental. “Recuperar um rio sem levar em consideração o que vai acontecer com as pessoas, que são parte da natureza e do meio ambiente, e removê-las, não é justiça climática. Você na verdade está revitimizando essas pessoas”, diz Gisele Brito, que atua como coordenadora da área de Direito a Cidades Antirracistas do Instituto de Referência Negra Peregum.
📌 Investigação
Desde 2015, o governo federal abriu mão de R$ 9,55 bilhões em impostos das fabricantes de bebidas açucaradas e alcoólicas. Apenas as empresas de refrigerantes e outras bebidas não alcoólicas tiveram uma isenção fiscal de R$ 8 bilhões nos últimos dez anos. Levantamento d’O Joio e O Trigo revela que a mais beneficiada foi a Recofarma, da Coca-Cola, com R$ 4,55 bilhões. A empresa fabrica na Zona Franca de Manaus o xarope que abastece a produção de refrigerantes da Coca-Cola no país todo. Já o benefício fiscal a fabricantes de bebidas alcoólicas seria suficiente para cobrir os custos federais de hospitalizações e procedimentos ambulatoriais no Sistema Único de Saúde (SUS) relacionados diretamente ao consumo desses produtos. Enquanto esse custo foi de R$ 1,1 bilhão, as produtoras de malte, cervejas e chopes tiveram quase R$ 1,4 bilhão em renúncias de impostos.
🍂 Meio ambiente
Quatro em dez unidades de conservação ao longo da BR-319, que liga Porto Velho (RO) e Manaus (AM), perderam uma área de floresta de 962 hectares – o equivalente a mais de mil campos de futebol. O Eco explica que, ao sul da rodovia, predomina o desmate ilegal para formação de pastos, enquanto nas demais áreas, é maior a exploração ilícita de madeira e o aumento de focos de incêndio. “A cada sinalização de apoio governamental à rodovia, terras e negócios são valorizados, estimulando mais desmatamento”, afirma Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). “A vasta área aberta por estradas contém carbono suficiente para empurrar o aquecimento global para além de um ponto de não retorno.”
📙 Cultura
Nascida da necessidade de identificação de embarcações, a tipografia ribeirinha – a arte de pintar as letras dos barcos – é uma tradição passada de geração em geração. O Amazônia Vox mostra como esse ofício se tornou uma fonte de sustento e a atuação do Instituto Letras que Flutuam, que busca reconhecer e proteger o trabalho dos artistas da apropriação indevida. “Eu costumo falar que o nome do projeto que hoje é o nosso instituto foi escolhido a dedo. Porque as nossas letras flutuam pelos rios da Amazônia. Hoje estão aqui, amanhã estão em outra cidade. Então são realmente as letras que flutuam. E vir de lá do Marajó para cá, para mim foi um uma realização de um sonho de infância. Porque onde eu pintava, onde eu estava, o pouco que eu fazia, o meu desejo era um dia estar aqui [em Belém]”, conta o artista Donnys Leal, o Kekeu. Atualmente tramita na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) um projeto de lei para tornar a tipografia ribeirinha um patrimônio cultural imaterial.
🎧 Podcast
Das zonas de guerra no Iraque, no Afeganistão, na Síria, no Líbano e na Ucrânia aos ataques do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados no Brasil, a jornalista Patrícia Campos Mello tem uma longa experiência na cobertura de conflitos, embora não goste do título de “correspondente de guerra”. No “Fio da Meada”, produção da Rádio Novelo, ela revisita sua trajetória como jornalista mulher nessas áreas, sobretudo para abordar questões de gênero. “Lembro de inúmeras matérias que eu não teria feito se eu não fosse mulher. Por exemplo, abrigo de mulheres vítimas de violência.” Para a repórter, há uma “solidariedade terceiro-mundista” que faz com que os entrevistados estejam mais abertos à conversa com jornalistas do Sul Global do que costumam ficar diante de jornalistas norte-americanos e europeus.
🧑🏽🏫 Educação
“Os projetos de EJA alcançam melhores resultados quando estão integrados a iniciativas de mudança socioeconômica, como projetos de desenvolvimento rural ou cooperativas, a exemplo das associações de catadores de recicláveis em Florianópolis. A mudança social precisa ser oferecida como um horizonte para que essas pessoas se sintam motivadas a buscar a educação”, afirma a professora Maria Clara Di Pierro, especialista na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em entrevista ao Porvir, a pesquisadora analisa os motivos da queda da modalidade, que perdeu 1,2 milhão de matrículas em uma década. “É necessário maior controle social para garantir políticas públicas eficazes, como a oferta de refeições, transporte escolar, material de qualidade e professores bem formados. Essas condições são fundamentais para a permanência dos alunos.”