Mais um projeto de paridade salarial e a rotina das entregadoras de delivery
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🔸 “Em pleno 2023, não é admissível que o país registre um feminicídio a cada sete horas, e um estupro a cada dez minutos. Isso tem que parar”, disse a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, ontem, em meio aos anúncios do governo federal no Dia Internacional da Mulher. Entre eles, a Agência Nossa destaca a retomada e a ampliação do Mulher sem Violência, para integrar os serviços públicos voltados às mulheres vítimas de violência. O programa prevê a implantação de 40 unidades das Casas da Mulher Brasileira e também a volta da Central 180, que registra denúncias e oferece orientações sobre qualquer tipo de violência de gênero.
🔸 O governo anunciou também um projeto de lei que estabelece paridade de salários. Segundo o texto, as empresas devem pagar o mesmo salário para homens e mulheres na mesma função, sob pena de multa por descumprimento. Além de pegar no bolso do empregador, para garantir que a lei será seguida, a proposta define mecanismos de transparência salarial e incremento da fiscalização. O Nexo apresenta o projeto, lembra que há outros semelhantes no Congresso e mostra que o problema da diferença salarial se repete em muitos países. De acordo com o IBGE, no Brasil, essa diferença é de 22%. Na Alemanha, de 18%, e em Portugal, 11,9%.
🔸 Os direitos sexuais e reprodutivos, como descritos em protocolos internacionais, garantem a liberdade de um indivíduo para exercer a própria sexualidade sem discriminação, o acesso à saúde sexual e reprodutiva e o apoio no planejamento em decisões sobre maternidade. A julgar por casos recentes, o Brasil retrocedeu e não cumpriu uma série de recomendações para a plena garantia desses direitos. O Aos Fatos aponta o que diz a lei sobre temas como gravidez, contracepção e aborto e expõe os retrocessos do país. Um exemplo: em agosto de 2020, o Ministério da Saúde publicou uma portaria que obrigava profissionais de saúde a comunicar casos de aborto legal à polícia. A medida foi, mais tarde, revogada.
🔸 Quase 90 mil mulheres trabalham como entregadoras em serviços de delivery. Os dados são de uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2022. Se a precarização é a marca desse tipo de trabalho, para as mulheres há camadas extras de sofrimento. “Trabalhar no período menstrual tem dificuldades por conta dos banheiros que a gente não pode entrar para as trocas de absorvente”, conta Cristiana Batista, de 37 anos, que faz entregas por aplicativo, em Petrolina, Pernambuco. O Projeto Colabora conversa com entregadoras como ela, que sofrem não só com o período menstrual, mas com a tripla jornada. Como descreve a reportagem, “a diferença entre Cristiana e os entregadores homens que cumprem a mesma jornada que ela, é que eles, quase sempre, ao chegar em casa, encontram a casa e as roupas limpas e a comida na mesa. Já a entregadora, que é mãe solo de uma garota de 10 anos, inicia outra jornada: a dos serviços domésticos”.
🔸 Não passarão. O Ministério Público Federal (MPF) pediu que o bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) seja responsabilizado pelo discurso transfóbico que fez na Câmara ontem, Dia da Mulher. Vestindo uma peruca loira, ele disse que as mulheres estariam perdendo espaço para “homens que se sentem mulheres”. Segundo a CartaCapital, o MPF demanda medidas de responsabilização cível (dano moral coletivo) e criminal. A conduta de Ferreira, de acordo com a procuradora, pode incidir em incitação à discriminação por motivo de gênero. Outro que esteve na mira do MPF foi Carlos Massa, o Ratinho. O órgão pediu que ele seja condenado a pagar indenização de R$ 2 milhões por falas preconceituosas sobre a deputada federal Natália Bonavides (PT-RN), em um programa da Rádio Massa transmitido em 2021. O Portal Terra relembra as falas do apresentador do SBT, que também é acusado de disseminar em rede nacional estereótipos de gênero.
📮 Outras histórias
Maria Francelina é um símbolo de luta contra a violência no Rio Grande do Sul. Ainda em 1899, ela foi vítima de um dos crimes de feminicídio mais conhecidos da história de Porto Alegre. Por ter sido degolada aos 21 anos pelo homem com quem mantinha um relacionamento (um soldado da Brigada Militar), ficou conhecida como Maria Degolada, “tornou-se santa popular, assombração e mito”, como escreve Fernanda Nascimento, em reportagem no Sul21. A jornalista resgata o dia do crime e também narra como a vítima foi convertida em santa – esta, aliás, não atende a pedidos de policiais. Diz o texto: “A mística em torno dessa interpretação da santidade está relacionada não só ao fato de ter sido assassinada por um policial, mas também porque o território em que ela faleceu é uma das regiões que mais sofre com a violência do Estado.”
Moradora de um dos distritos de Correntina, na região oeste da Bahia, Maria (nome fictício) tem 55 anos e resiste a latifundiários que contratam pistoleiros para expulsar os integrantes das comunidades de fecho de pasto. Os fecheiros, como ela, há cerca de dois séculos vivem e preservam áreas do cerrado baiano. Maria chora ao lembrar que o filho mais velho foi embora depois de a ação de grileiros, pistoleiros e empresários ter acabado com as áreas de fecho de pasto. O Meus Sertões entrevista a agricultora e conta que já se vê um abismo geracional entre agricultores familiares e pequenos criadores de gado. Técnicas de preservação da natureza, que eram repassadas oralmente, estão se perdendo.
📌 Investigação
Quatro jornalistas denunciaram assédio moral nos setores de comunicação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Os casos aconteceram no Sistema de Rádio e Televisão Educativas da instituição. O Conquista Repórter conta que as denúncias vieram à tona neste mês, por meio do Sindicato dos Jornalistas da Bahia. A jornalista Aline Ferraz, por exemplo, relata ter sido impedida de convidar docentes e coordenadores da própria universidade e pessoas ligadas à sociedade civil organizada para o programa “Roda de Conversa”. Desde de que começou a questionar as proibições, passou a ser alvo de assédio moral.
🍂 Meio ambiente
Uma das principais iniciativas de defesa dos golfinhos, o Projeto Toninhas, em parceria com pesquisadores e instituições de Santa Catarina, Paraná e São Paulo, tem testado uma tecnologia inédita no país para preservar a espécie. O Eco explica que as toninhas, próprias do Atlântico Sul Ocidental, estão entre os animais com maior risco de extinção na América do Sul. Uma das principais ameaças é a captura acidental por redes de pesca. Com a ajuda dos pescadores locais, o projeto insere alarmes sonoros, conhecidos como pingers, nas telas para mantê-las afastadas. Os pesquisadores buscam entender se esses golfinhos se aproximam das embarcações para se alimentar e se há parâmetros ambientais para águas mais escuras.
Camadas de gelo, recifes de corais e a Floresta Amazônica estão entre os ecossistemas que podem atingir o ponto de ruptura com alterações irreversíveis nas próximas décadas, caso as mudanças climáticas não sejam atenuadas nos próximos anos. É o que indica estudo publicado na revista internacional “Reviews of Geophysics”. A Agência Bori detalha que 12 pesquisadores do Brasil, Canadá, China, Estados Unidos e Reino Unido mapearam as evidências científicas sobre os pontos de não retorno a partir de dez elementos, como mudanças em correntes oceânicas, liberação de metano do assoalho marinho e alterações em ventos de monções. As transformações nesses ecossistemas, por sua vez, influenciam os padrões climáticos ao redor do mundo.
📙 Cultura
Histórica na TV brasileira, Taís Araujo foi a primeira protagonista negra de uma novela da Globo sem ter a escravidão como tema. Também foi a primeira Helena negra do roteirista Manoel Carlos, antes só interpretada por mulheres brancas. Apesar do pioneirismo, a atriz viveu pesadelos racistas e machistas desde seu primeiro papel. A revista piauí perfila a personalidade histórica das telas, que enfrentou a sexualização de sua figura antes de chegar aos 18 anos. Nessa trajetória de busca por espaços, Taís também se tornou vítima de ameaças à medida que a extrema-direita teve sua ascensão no país.
Quase metade dos trabalhadores do setor da economia criativa no mundo são, na verdade, trabalhadoras. Mulheres trans e cis, porém, estão longe da igualdade de direitos: assédios, salários menores, poucos cargos de liderança e desvalorização em prêmios fazem parte desse cenário, segundo o relatório “(Re)pensando Políticas Culturais: Abordando a Cultura Como Um Bem Público”, da Unesco, em referência ao ano de 2022. No Brasil, não é diferente e se intensifica com o filtro racial – mulheres negras recebem em média um salário 70% menor que os homens brancos no setor criativo, de acordo com o boletim mais recente do Observatório Itaú Cultural. O Nonada esmiúça medidas que podem ser tomadas por governos e instituições para combater a desigualdade de gênero na cultura.
🎧 Podcast
Sobreviventes de massacres e doenças, os indígenas Manoki esperavam retornar às próprias terras ancestrais. Ao chegar, descobriram que aquela terra era, agora, propriedade privada. Enquanto lutam pela demarcação definitiva de seus territórios, no Mato Grosso, eles plantam soja para sobreviver, mas o desejo dos Manoki é poder voltar a viver de caça, pesca e agricultura tradicional. O “Prato Cheio”, produção d’O Joio e O Trigo, questiona o conceito de pobreza imposto pelos brancos aos povos indígenas e revela a pressão de fazendeiros e autoridades para abocanhar suas terras com o avanço da soja.
🙋🏾♀️ Raça e gênero
“Os homens são sempre maioria, então faz diferença buscar força de fora e referências de quem conseguiu prosseguir.” Nicole Pessoa, de 26 anos, é desenvolvedora back-end e relata como o ambiente da tecnologia pode ser solitário para mulheres, especialmente negras. Por isso, a jovem se apoia em referências como a cientista da computação, pesquisadora e hacker antirracista Nina da Hora. O data_labe narra a presença de mulheres negras nas áreas de ciência e tecnologia ao mesmo tempo que se aliam com seus “códigos ancestrais”, saberes sobre união e modos de enxergar a vida.