O papel do Conselho de Ética da Câmara e um cemitério indígena sob o lixo
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🔸 O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem o monitoramento integral do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), um dia depois de a Procuradoria-Geral da República (PGR) defender que a Polícia Federal vigie o cumprimento das medidas cautelares. Segundo a CartaCapital, a decisão mantém equipes da Polícia Penal do Distrito Federal em tempo real do endereço residencial de Bolsonaro. Moraes destacou que o monitoramento deve ser feito de forma discreta, sem “exposição indevida, inclusive midiática”. O julgamento do ex-presidente no STF, aliás, está marcado para a próxima terça-feira.
🔸 Com um discurso já voltado para as eleições de 2026, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usou a reunião ministerial de ontem para reafirmar que o governo brasileiro está aberto a negociar o “tarifaço” com Donald Trump, mas o Brasil não é subalterno nem aceitará “petulância de ninguém”. Tanto o presidente como seus ministros usaram o boné “O Brasil é dos brasileiros”, símbolo dessa posição em relação aos conflitos com os Estados Unidos. O Terra reúne os principais momentos do encontro, no qual Lula também criticou diretamente o deputado estadual Eduardo Bolsonaro (PL-SP), a quem intitulou de traidor da pátria por atuar nos EUA em prol da taxação do país.
🔸 A propósito: Eduardo Bolsonaro é um projeto de Steve Bannon, ideólogo de Trump no início de seu primeiro mandato e posteriormente escanteado, afirma a jornalista Natalia Viana. Em 2019, Eduardo foi escolhido para ser o representante do The Movement, movimento internacional de lideranças de extrema direita. Embora a iniciativa tenha esfriado, essa influência introduziu o terceiro filho do ex-presidente a outros grupos da direita norte-americana. Em coluna na Agência Pública, Viana analisa a atuação de Eduardo nos EUA à luz da relação com Bannon. “Em janeiro deste ano, Steve Bannon lançou a candidatura de Eduardo Bolsonaro durante a festa paralela realizada por Bannon durante a posse de Donald Trump. Bannon disse que o 03 seria presidente do Brasil ‘em um futuro não tão distante’. Eduardo disse que poderia ser o candidato se o pai quiser. Para Bannon, seria o coroamento de um plano que ele chocou há mais de cinco anos, o de ter influência direta sobre o presidente do Brasil.”
🔸 “Não vejo como um deputado pode defender os interesses de seu eleitorado ou da nação sem frequentar o Parlamento. Não tem nada mais elementar”, afirma Graziella Testa, professora da Escola de Políticas Públicas e de Governo da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para a pesquisadora, a ausência de Eduardo Bolsonaro na Câmara é motivo para cassação de mandato por quebra de decoro parlamentar. O deputado é alvo de quatro ações do tipo no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. O presidente do colegiado, Fabio Schiochet (União Brasil-SC), porém, já sinalizou que não pretende dar andamento aos pedidos. O Nexo ouviu especialistas sobre a demora do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), em encaminhar essas ações e a decisão de Schiochet. Na análise da cientista política Maiane Bittencourt, embora o Conselho de Ética seja em teoria uma instância de controle, na prática, funciona sob a lógica de barganha política: “É uma instância que funciona de uma forma seletiva, mais voltada à autoproteção dos parlamentares do que à punição deles”. Nos últimos cinco anos, 74% dos processos de cassação de deputados foram arquivados.
📮 Outras histórias
Sob o aterro sanitário de Foz do Iguaçu, está um cemitério indígena que resiste em meio ao apagamento dos povos originários. Não há informações sobre a origem exata do cemitério, mas uma comunidade guarani vivia na região e sepultava seus mortos no local. “Eu lembro que a gente tinha muitas flores em casa e minha mãe levava buquês porque lá estão enterrados meu avô, minhas tias e meus tios. Não tinham brancos [nessa área], éramos só nós”, conta a professora Joana Mongelo Vangelista. O H2Foz resgata a história do cemitério indígena que se encontra em meio ao lixo com o avanço da colonização e urbanização. De acordo com Clovis Brighenti, professor da Universidade Federal Latino-Americana (Unila), a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu na década de 1970 submergiu diversos locais sagrados e importantes para a memória indígena em Foz do Iguaçu.
📌 Investigação
O governo de Sergipe firmou uma parceria sem contrato formal com uma empresa de tecnologia para fornecer sistemas de reconhecimento facial e leitura automática de placas à Polícia Civil. Apresentada como uma colaboração “sem fins lucrativos”, a iniciativa não conta com documentos oficiais que detalham custos, responsabilidades ou medidas de proteção aos dados coletados. Na série “Quem Controla os Seus Dados?”, a Mangue mergulha nas condições da parceria e destaca que a ausência de contrato fere princípios de transparência e controle público, suscitando preocupação sobre o uso de informações sensíveis da população. “Se ele [poder público] não está informando isso para a população e dizendo como é que esses dados estão sendo coletados, quem está tratando, como está tratando, onde estão armazenados, quais são os requisitos de segurança (considerando que biometria é dado sensível), entendo que [a parceria] é uma operação irregular”, afirma Raquel Saraiva, presidente do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife.
🍂 Meio ambiente
O Cerrado superou a Amazônia em destruição pelo fogo mesmo antes do período mais crítico de seca. Entre janeiro e meados de agosto de 2025, foram registrados 17.326 focos de calor, quase o dobro da Amazônia, que contabilizou 9.184. O Eco explica que a maior parte dos incêndios começa e se espalha quando o fogo é usado para preparar áreas destinadas à agricultura ou à pecuária, ou ainda para abrir novas frentes de exploração, sobretudo em regiões de expansão do agronegócio. Especialistas defendem ações urgentes como fiscalização rigorosa, cumprimento da lei e adoção de práticas produtivas mais sustentáveis para preservar a biodiversidade e o abastecimento hídrico do país.
📙 Cultura
Criador do Búfalo-Bumbá e ícone da cultura popular do Marajó, Damasceno Gregório dos Santos, o Mestre Damasceno, tornou-se referência na preservação da memória ancestral por meio da música, poesia oral e festas populares. Nascido em 1954, na Comunidade Quilombola do Salvá, em Salvaterra, neto de indígena e descendente de homem negro escravizado, dedicou mais de cinco décadas à valorização das tradições. A revista Cenarium revisita a trajetória do Mestre Damasceno, que morreu ontem, em Belém (PA), aos 71 anos, com complicações de pneumonia e insuficiência renal devido a um câncer em estágio avançado em diversos órgãos. Com mais de 400 composições autorais e seis álbuns gravados, Mestre Damasceno levou o Marajó ao cenário nacional. Em 2024, participou do samba-enredo da Grande Rio, “A mina é Cocoriô!”, em homenagem ao Pará.
🎧 Podcast
Estar casado com alguém por muito tempo é revolucionário nos dias atuais para a atriz Fernanda Torres. “Você não fica casado com a mesma pessoa, você vai mudando. É um processo de amadurecimento muito legal”, conta em conversa com a psicanalista Vera Iaconelli, na estreia do “Isso Não É Uma Sessão de Análise”, produção da Trovão Mídia. A filha de Fernanda e Fernando, irmã do Cláudio, e esposa do Andrucha, aborda sua relação familiar sob diferentes perspectivas e reflete sobre a maternidade de meninos, sobre os papéis de gênero socialmente impostos e os impactos da menopausa. “O dia que eu fui ao médico e tirei zero no exame de hormônio, tive uma sensação de morte. Não achei que fosse ficar tão deprimida com aquilo, e é igual a morte. Você acha que não vai acontecer com você”, afirma.
🏃🏿♂️ Esporte
Considerado um ambiente hostil para mulheres e pessoas LGBTQIA+, o jiu-jitsu no Brasil enfrenta desafios de inclusão devido à reprodução de preconceitos e pouco acolhimento nas academias. Advogado e fundador do Piranhas Team – Defesa pessoal para Mulheres e LGBT’s, Halisson dos Santos criou o projeto para oferecer aulas de krav maga e jiu-jitsu gratuitamente durante sua atuação no Rio de Janeiro e em São Paulo, entre 2016 e 2024. À Periferia em Movimento ele fala sobre as dificuldades para implementar a iniciativa nas academias: “Fomos convidados a nos retirar de uma escola de krav maga por levar pessoas que não se vestiam de maneira adequada. Os instrutores [de outras instituições] não gostavam. Porque, segundo eles, o lugar ficou marcado como sendo o ‘lugar da aula para viado’”. Mulher trans, a atriz Ana Jovanovic conta que o apoio do grupo foi fundamental para se sentir mais confiante: “Só pelo fato de ser praticante, passamos a nos comportar e nos posturar de maneira diferente. Parece que no dia a dia isso afasta os agressores”.