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O ouro do garimpo da Amazônia em Nova York e o Museu da Democracia
Uma curadoria do melhor do jornalismo digital, produzido pelas associadas à Ajor. Novos ângulos para assuntos do dia
🔸 Uma conexão entre o garimpo ilegal na Amazônia e Nova York. A apreensão de 35 quilos de ouro no Aeroporto de Manaus, em janeiro de 2020, pode ser a ponta de um esquema de transporte ilegal de minério para os Estados Unidos e para a Turquia, como revela a Repórter Brasil. Os nova-iorquinos Frank Giannuzzi e Steven Bellino e o goiano Brubeyk Nascimento foram abordados por agentes da Polícia Federal (PF) quando partiam para Manhattan, carregando uma remessa do minério hoje avaliada em R$ 10 milhões. Diziam que a carga era do reaproveitamento de joias derretidas, mas as perícias mostraram que o ouro vinha de garimpo, segundo a PF, da região do Tapajós, que abriga a Terra Indígena Munduruku. As barras foram apreendidas, mas os envios posteriores deram certo. A reportagem detalha o percurso do ouro ilegal e conta que havia dois destinos para o produto: a refinaria Gold Tower, localizada no Distrito do Diamante de Nova York, e a Istanbul Gold Refinery, em Istambul, na Turquia. Esta, aliás, foi citada na Bolsa de Valores dos EUA como fornecedora de ouro de centenas de empresas, incluindo gigantes de tecnologia como Apple e Microsoft.
🔸 Ainda sobre o garimpo ilegal: equipes do Ibama e de policiais foram recebidas a tiros na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Em março, foram dois episódios de confronto com garimpeiros, sem feridos. Mas a fiscalização e as operações de retirada de invasores na região ficam comprometidas. A Agência Pública apurou que os garimpeiros migraram a logística do meio fluvial para o aéreo, depois do bloqueio no curso do rio Uraricoera, um dos mais importantes do território. No mais recente ataque, na semana passada, dois helicópteros chegaram a um garimpo localizado na região do rio Couto de Magalhães. Lá, segundo a assessoria do Ibama, o garimpo estava “em pleno funcionamento”, e “vários garimpeiros conseguiram se evadir para a mata” com a chegada dos fiscais. Foi nesse momento que ocorreram os disparos.
🔸 A criação de uma “entidade autônoma” para supervisionar as plataformas digitais está entre as mudanças propostas pelo governo para o PL das Fake News. As sugestões foram entregues no final da semana passado ao deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto de lei 2.630/2020, que pretende estabelecer regras de funcionamento para essas empresas. O Aos Fatos explica que o texto é uma resposta do governo ao papel das plataformas na disseminação de conteúdos que levaram aos atentados de 8 de janeiro em Brasília. Na proposta, as empresas devem agir “em prazo hábil e suficiente” para prevenir ou mitigar práticas ilícitas. A reportagem destaca outro trecho da proposta, segundo o qual as plataformas podem ser “responsabilizadas civilmente pelos danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros” quando ficar demonstrado que tiveram conhecimento prévio da irregularidade e não agiram para contê-la. Tal mecanismo, porém, contraria o artigo 19 do Marco Civil da Internet – este, por sua vez, determina que as empresas não podem ser responsabilizadas por conteúdos de usuários, exceto se descumprirem ordem judicial. O Congresso em Foco traz a íntegra da minuta criada pelo governo.
🔸 Tem inspiração europeia a proposta apresentada pelo governo. Quando se refere, por exemplo, a “conhecimento prévio”, o texto indica que bastaria a empresa ter recebido denúncias de usuários que apontem claramente a violação daquele conteúdo. O Núcleo lembra que o formato é semelhante ao “notice and takedown” (“notificação e ação”, em tradução livre) adotado no NetzDG, a lei alemã de regulação de plataformas. A legislação europeia é considerada uma referência para a regulação de redes.
🔸 Em tempo: ontem foi o Dia Internacional da Checagem de Fatos. Diante da “plataforma de checagem de informações” recém-criada pelo governo Lula, Cristina Tardáguila escreve em artigo na Lupa que o site “não é apenas uma péssima ideia, por tentar igualar propaganda governamental ao instrumento que foi criado justamente para vigiá-la”. “É também um movimento perigoso que acontece em meio a outras possíveis mudanças no terreno em que a luta contra a desinformação se dá”, afirma ela, que é diretora da International Fact-checking Network (IFCN) e fundadora da Lupa. “A IFCN exige que aqueles que pretendem fazer checagem tenham uma política pública de correção (para se/quando errarem) e que não sejam partidários. Ou seja: fact-checking de governo é um paradoxo. Simplesmente não existe”, completa. Tardáguila cita o exemplo do governo mexicano, que criou duas plataformas que usam etiquetas de verdadeiro e falso “para oferecer aos cidadãos pura propaganda”.
🔸 Novo caso de trabalho escravo no Sul do país. Quatro pessoas foram resgatadas em Nova Petrópolis (RS). São todos argentinos, e um deles tem 14 anos de idade. Eles atuavam na extração de eucalipto, em condições insalubres e desassistidos, sem água, energia elétrica e banheiro, como informa o Su21. A denúncia partiu de dois trabalhadores que ficaram sem receber o pagamento e sem ter onde dormir e o que comer após serem abandonados pelo empregador. O intermediador dos trabalhadores foi preso.
📮 Outras histórias
Estudante de Medicina na Universidade Federal da Bahia (UFBA), o jovem negro David Libarino perdeu a vaga por cota numa canetada: a banca de heteroidentificação racial da instituição indeferiu sua candidatura, depois de ele ter cursado três semestres. Isso porque David já havia apresentado toda a documentação exigida, e a universidade lhe concedeu a condição de estudante regular, enquanto aguardava parecer da banca. Neto de pedreiro e filho de uma mulher trabalhadora assalariada, como descreve a Conquista Repórter, ele sempre estudou em escolas públicas e obteve nota no Enem para entrar na faculdade. A reportagem lembra que o processo da aferição racial é questionável e destaca que problemas como o da UFBA surgem na medida em que mais negros acessam instituições públicas de ensino superior por meio da Lei de Cotas, uma política de reparação social.
📌 Investigação
A internacional ultranacionalista da extrema direita mundial. Semelhantes às organizações criadas pela esquerda desde o século 19, as legendas ultraconservadoras europeias, como o Vox (Espanha) e o Chega (Portugal), têm tentado ampliar a influência sobre seus similares latinoamericanos. O ex-presidente Jair Bolsonaro foi convidado para participar do encontro desses partidos em maio, em Portugal. A revista piauí esteve em um encontro do Chega no município português de Santarém e descreve a estética dos palanques, as bandeiras mais populares e a história das facções de ultradireita na Europa. Embora a xenofobia seja um símbolo desses grupos, o Chega, liderado por André Ventura, vê os brasileiros como um ativo eleitoral. Um brasileiro legalizado pode se tornar eleitor em dois anos – atualmente são cerca de 330 mil com autorização de permanência, mais uns 200 mil ainda em situação ilegal. Considerando que há uma massa de bolsonaristas e de antipetistas entre eles, Ventura convocou brasileiros e portugueses para se manifestar, de forma barulhenta, contra a visita de Lula a Portugal, prevista para o final de abril.
🍂 Meio ambiente
Herança do governo anterior, a Câmara dos Deputados aprovou medida provisória que fragiliza a regulamentação do meio ambiente. A MP 1150/2022 adia o prazo de adesão ao Programa de Regularização Ambiental, um dos estágios para que proprietários de imóveis rurais se adequem às leis ambientais. Segundo O Eco, a norma sozinha já é um retrocesso, mas os deputados acrescentaram “jabutis” que afetam também a Lei da Mata Atlântica e o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). “Jabuti” é o nome dado a propostas inseridas por parlamentares sem relação com o texto legislativo original – o que já foi determinado pelo STF como inconstitucional. No caso da Mata Atlântica, por exemplo, empreendedores não precisam mais analisar se há vegetação primária na área em que se pretende instalar uma obra. Já quanto ao SNUC, a medida tira o poder do órgão regulador de definir as zonas de amortecimento ao redor de áreas que precisam ser protegidas.
Na cidade de São Paulo, a mandata coletiva Quilombo Periférico, formada por lideranças do movimento negro, lançou um mapeamento para registrar alagamentos na periferia da cidade. O objetivo é comparar com os dados oficiais e catalogar as ocorrências para acompanhar a atuação da prefeitura para prevenir e criar planos de contingenciamento em relação às catástrofes. Ao Desenrola e Não Me Enrola a vereadora Elaine Mineiro, parte da mandata, aponta racismo ambiental nos casos de desastres, “quando os maiores prejudicados pelas catástrofes ambientais, pela falta de planejamento e contingenciamento de emergências são a população preta e periférica”. A iniciativa identificou, por exemplo, que as subprefeituras de Cidade Tiradentes, Guaianases, Sapopemba e Ermelino Matarazzo não possuem estações meteorológicas, importantes para o trabalho de prevenção de enchentes.
📙 Cultura
Novo romance do jornalista Bernardo Kucinski revolve os fantasmas da ditadura. “O Congresso dos Desaparecidos” ressuscita aqueles que não tiveram a oportunidade de suas últimas palavras e morreram solitários sem que ninguém soubesse. A obra relembra um poema do militante Alex Polari, condenado à prisão perpétua em 1970 por estar entre os sequestradores do embaixador alemão pela Vanguarda Popular Revolucionária. Anistiado pela Lei da Anistia dez anos depois, Polari reivindica “um congresso dos mutilados de corpo e alma”. A revista Quatro Cinco Um resenha o livro.
Curitiba quer erguer e sediar o Museu da Democracia. A capital paranaense é palco de episódios importantes na história recente da política brasileira. Foi lá o primeiro grande comício das “Diretas Já”, movimento popular que pedia a retomada das eleições diretas à Presidência da República no final da ditadura. A cidade foi também palco da Operação Lava Jato e onde o presidente Lula esteve preso por 580 dias. O Instituto Defesa da Classe Trabalhadora (iDeclatra) de Curitiba já havia idealizado um Museu da Lava Jato, com mais de oito mil fotos da vigília feita por movimentos sociais diante da prisão onde o petista ficou detido e mais de 30 mil itens entre documentos e pesquisas sobre a força-tarefa. O Le Monde Diplomatique Brasil conta que após as tentativas golpistas do dia 8 de janeiro, a iniciativa se transformou no projeto do Museu da Democracia, foi apresentado à ministra da Cultura, Margareth Menezes, e passaria também a reunir memórias de diferentes movimentos sociais na defesa do Estado democrático.
🎧 Podcast
O tráfico de animais pela internet está na Justiça. Desde o dia 21 de março passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) está julgando se um site de buscas de ofertas pode ser multado pelo Ibama por conter anúncios de venda ilegal de animais. O podcast “Silvestres”, produção do Fauna News, detalha o caso, que está em tramitação há mais de 10 anos. O órgão ambiental havia autuado a empresa digital. Esta, por sua vez, recorreu até chegar ao STJ. A situação deixa em aberto a discussão sobre a ausência do poder público no combate ao tráfico de fauna pela internet. No ano passado, o Ibama multou o Facebook em R$ 10 milhões pelo mesmo motivo. Foram identificados mais de dois mil animais em anúncios na rede social, que, apesar dos alertas, não criou medidas de enfrentamento ao problema.
✊🏽 Direitos humanos
Após 59 anos do Golpe de 64, a violência e a tortura contra pessoas negras permanecem. Durante a ditadura civil-militar, os militantes do movimento negro eram vistos como ameaça à segurança nacional. O Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR) – que se tornaria o Movimento Negro Unificado (MNU) – surgiu justamente nesse período, em 1978, em decorrência do assassinato cometido pela Polícia Militar contra um jovem operário negro. Acusado de roubo, Robson Silveira da Luz, de 21 anos, foi conduzido ao 44º Distrito Policial, de Guaianazes, na zona leste de São Paulo, onde foi torturado e morto. A revista Afirmativa lembra que ainda hoje essas ações acontecem contra a população negra. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 mostraram que 84,1% das pessoas mortas em intervenções policiais em 2021 eram negras. A situação se agrava em estados ainda mais negros: levantamento do Observatório de Segurança, publicado em novembro de 2022, revelou que, na Bahia, 616 pessoas foram assassinadas nas operações, 603 eram negras.
A propósito: no último sábado, familiares de vítimas da violência policial saíram para protestar e exigir o fim do genocídio da população negra e periférica. A Ponte acompanhou a 11ª edição do Cordão da Mentira, que percorreu as ruas da cidade de São Paulo para relembrar os crimes do Estado durante a ditadura e o modelo de intervenção que segue mesmo após a Constituição de 1988 quando se trata de pessoas pretas e pardas.