A operação mais letal da história do RJ e a 'febre do lítio' na Amazônia
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🔸 As forças de segurança pública do Rio de Janeiro fizeram ontem a operação mais letal da história do estado, nos complexos do Alemão e da Penha, conjuntos de favelas na zona norte da capital fluminense. A ação deixou ao menos 60 pessoas mortas, das quais 56 eram civis e quatro, policiais. A Ponte destaca que a operação superou o número de mortos da chacina do Jacarezinho (em 2021, quando 28 pessoas foram assassinadas) e ocorre seis meses depois de o Supremo Tribunal Federal ter encerrado o julgamento da ADPF das Favelas, ajuizada justamente em função da alta letalidade policial no estado. Na ocasião, a Corte declarou superado o “estado inconstitucional” da segurança pública no Rio. Batizada de Operação Contenção, a ação policial de ontem cumpriu 51 mandados de prisão contra suspeitos de tráfico de drogas que estariam nas duas comunidades, todos ligados à facção criminosa Comando Vermelho. Ao todo, a operação mobilizou 2.500 agentes, 32 blindados, dois helicópteros, drones e 12 veículos de demolição. As favelas viveram cenas de horror e tiveram serviços básicos suspensos: 48 unidades municipais de ensino foram impactadas – entre elas, 31 estão no Alemão e as demais, na Penha. O ativista Raull Santiago, morador do Complexo do Alemão, afirma que a segurança pública aplica nos territórios de favela uma lógica de “belicidade do conflito pelo conflito”: “Infelizmente, mais uma vez a gente vê a falência estratégica da política de segurança que usa o morador de favela como experimento de violências extremas”.
🔸 “O estado do Rio não tem política de segurança, tem um governador fraquíssimo, tem polícias que não conversam entre si. E, na hora de cumprir mandado, sobra para quem? Sobra para quem sai todo dia para trabalhar e fica na linha de tiro. Sobra para as crianças, que não conseguem nem ir para a escola.” Em vídeo no Fogo Cruzado, a jornalista Cecília Olliveira explica em cinco pontos o estado da segurança pública fluminense. Ela ressalta que a situação não é isolada ou uma exceção: “Para não me alongar, só no último fim de semana, foram muitos tiroteios na região da Tijuca, no Borel, com o Comando Vermelho invadindo um lugar chamado Casa Branca. Teve muito tiroteio também em Costa Barros”. Sobre a ação de ontem, ela lembra que ainda não se sabe o número de pessoas atingidas por balas perdidas. “O custo de verdade da operação jamais será medido”, afirma.
🔸 “Estou com medo porque não sei como está aqui. Estou trancada no quarto com meus filhos.” O depoimento é de uma moradora do Complexo do Alemão que mostra, em vídeo, o chão da casa coberto de sangue e paredes derrubadas. No Instagram, o Voz das Comunidades acompanhou a operação ao longo de todo o dia e mostra como estavam as ruas do Alemão, o funcionamento (suspenso) de clínicas de saúde, os protestos e relatos de moradores da comunidade.
🔸 “Hoje parece que estou em um filme de guerra tipo Rambo. Os policiais estão com ódio. Entram nos espaços já batendo nas pessoas e nem criança se salva dessa raiva toda deles. Esses caras parecem não ter alma”, descreveu um morador do Complexo da Penha. O Portal Terra reúne depoimentos de quem vive nas comunidades, alguns deles enviados à Defensoria Pública do Estado, e mostra como o horror tomou as favelas, mesmo em pontos mais distantes dos tiroteios. Uma moradora que diz ter sua casa “na zona sul do Complexo do Alemão”, longe do foco dos policiais, contou: “A gente não pode nem sair, a gente está em contato com os amigos, todos presos dentro de casa. Meu filho e minha neta chegaram, fiquei mais tranquila. Minha casa é muito próxima da rua, não estou ouvindo nenhum carro, está muito esquisito”.
🔸 O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), alegou ter pedido ajuda ao governo federal, que, segundo ele, negou o apoio. Assim, completou, o Rio estava “sozinho” na operação de ontem. “Tivemos pedidos negados três vezes: para emprestar o blindado, tinha que ter GLO [Garantia da Lei e da Ordem], e o presidente é contra a GLO. Cada dia uma razão para não estar colaborando”, disse Castro. A resposta do governo veio em seguida. Segundo a CartaCapital, o Ministério da Justiça informou em nota que “tem atendido, prontamente, a todos os pedidos” do governo do Rio para o emprego da Força Nacional, em apoio aos órgãos de segurança estaduais. “Desde 2023, foram 11 solicitações de renovação da Força Nacional de Segurança Pública no território fluminense. Todas acatadas.” Em tempo: o Palácio do Planalto convocou uma reunião de emergência na noite de ontem para tratar da megaoperação. O Metrópoles apurou que ministros e representantes da Polícia Federal se reuniram com o vice-presidente Geraldo Alckmin.
📮 Outras histórias
Na Bahia, tramita um projeto para criar apoio imediato a vítimas inocentes de ações policiais. O texto na Assembleia Legislativa do estado prevê, entre outras reparações, renda emergencial de um salário mínimo por até 12 meses (e até cinco familiares), além de atendimento psicológico, médico e social e acesso à Defensoria Pública. O projeto de lei 25.771, de 2025, ficou conhecido como PL Ana Luiza. A Revista Afirmativa explica que o nome remete ao caso de Ana Luiza Silva dos Santos de Jesus, jovem negra de 19 anos, assassinada em abril no bairro da Engomadeira, em Salvador. Ela voltava para casa depois de visitar uma amiga quando foi atingida por um tiro nas costas durante uma ação policial. Os policiais envolvidos foram denunciados por homicídio. Segundo o Fórum Permanente pela Redução da Letalidade Policial na Bahia, 97% das pessoas mortas por ações policiais em Salvador, entre 2020 e 2022, eram negras.
📌 Investigação
O fator racial também é central ao analisar o número de mulheres que vivem sem descarte adequado de lixo e sem tratamento de esgoto – mais da metade das indígenas e quase metade das negras. A partir da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio Contínua, do IBGE, de 2022, a Gênero e Número revela as desigualdades raciais e de gênero no acesso ao saneamento básico. “É uma escassez seletiva, sem justificativa técnica, realizada pelos serviços de abastecimento, na qual ou se exclui a população majoritariamente negra do acesso à água ou se oferta um serviço de baixa qualidade”, afirma a pesquisadora Andreza Gouveia, que cunhou esse processo de “escassez hidrorracial”.
🍂 Meio ambiente
A “febre do lítio” – corrida pelo mineral estratégico para a transição energética – já avança sobre áreas protegidas na Amazônia. Segundo dados da Agência Nacional de Mineração, existem 53 requerimentos sobre o minério na Amazônia Legal, dos quais 48 foram registrados a partir de 2022, e mais da metade (29) estão sobrepostos ou a menos de 10 quilômetros de 21 territórios protegidos – cinco terras indígenas, oito unidades de conservação e oito assentamentos da reforma agrária. A Repórter Brasil ouviu especialistas que alertam para a intensificação de conflitos socioambientais na região. “Existe uma disputa bastante violenta por recursos estratégicos na Amazônia [como lítio, níquel e terras raras]. A ampliação da exploração mineral ali certamente vai provocar o aumento dos conflitos”, afirma a socióloga e geógrafa Elaine Santos, pesquisadora da Universidade de São Paulo. “O aumento de requerimentos para um mineral específico é preocupante. O lítio é essencial para a transição energética, mas seu avanço acontece sem a devida avaliação dos custos sociais e ambientais”, diz Pedro Igor Galvão Gomes, pesquisador da Universidade Federal do Tocantins e da Universidade de Nottingham, no Reino Unido.
📙 Cultura
Apesar dos avanços na representação, as princesas da Disney ainda reproduzem estereótipos e impactam a percepção de meninas sobre os papéis de gênero. A psicóloga Carla Mikulski reuniu adolescentes de 14 a 17 anos para assistir a diferentes filmes de princesas e as convidou para comentar livremente suas impressões durante a exibição. Os resultados do experimento foram compartilhados no livro “Para Além dos Contos de Fadas: Princesas e Gênero sob o Olhar de Adolescentes”. Em entrevista ao Catarinas, a pesquisadora compartilha o impacto dos conteúdos consumidos no público mais jovem: “As discussões que apresento no livro envolvem um público infantojuvenil e, nessa faixa etária, o consumo de conteúdos midiáticos é inevitável. O que faz diferença é o tipo de mediação que se estabelece em casa e na escola”. Para Mikulski, a obra “convida a refletir sobre o desenvolvimento das meninas, as mensagens presentes nas produções culturais e as transformações, ou a falta delas na forma como representamos o feminino”.
🎧 Podcast
A obsessão masculina com o tamanho do pênis é um fenômeno mundial e leva homens saudáveis a buscar próteses penianas, medicamentos para disfunção erétil, engrossamento por ácido hialurônico e outros tratamentos com riscos à saúde. A “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, destrincha como a objetificação do falo está atrelada a estereótipos machistas e expectativas irreais da pornografia. O episódio mostra como as redes sociais podem impactar esse fenômeno, além da busca por performance e das ilusões de potência máxima e “pênis ideal”.
👩🏾⚕️ Saúde
O governo federal almeja ampliar o uso da profilaxia pré-exposição (PrEP), medicamento preventivo contra o HIV, em 300% até 2027, mas as estratégias de comunicação ainda apresentam lacunas. Em artigo no Conversation Brasil, as pesquisadoras Claudia Mora Cárdenas, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e Simone Souza Monteiro, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), analisam os desafios da ampliação da PrEP e também da profilaxia pós-exposição, a PEP, como consequência da dificuldade de ações de comunicação com o público, como centralidade na figura do médico. “Apesar da sua importância, as implicações do uso das profilaxias no campo da sexualidade não são abordadas nas mensagens visuais e de texto”, afirmam. “Constatamos também que houve empecilhos na implementação da PrEP entre profissionais tidos como ‘conservadores’, indicando restrições de cunho moral na oferta dessa tecnologia preventiva.”




