O cessar-fogo em Gaza e o risco de um hotel de 'pós-luxo' no Maranhão
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🔸 Um acordo que oficializa o cessar-fogo em Gaza foi assinado ontem por líderes de EUA, Egito, Catar e Turquia. Donald Trump repetiu diversas vezes que a guerra havia acabado e que o acordo de cessar-fogo apresentado por ele era um acordo de paz. O Nexo explica que isso não é verdade e detalha as diferenças. Um cessar-fogo é um acordo formal, geralmente temporário, que interrompe hostilidades com objetivos, prazos, regras, monitoramento e procedimentos de resolução de disputas. Já um acordo (ou tratado) de paz encerra o estado de guerra e estabelece bases estáveis de convivência. Além do fim das hostilidades, prevê arranjos de segurança, reparações, eventuais fronteiras e normalização diplomática.
🔸 “O plano dos 21 pontos de Trump insere-se diretamente nessa tradição de soluções impostas de fora”, afirma Maurício Alfredo, mestre em Educação e professor de Geografia. Ele se refere ao plano apresentado pelo presidente dos EUA no final de setembro. Em artigo no Le Monde Diplomatique Brasil, ele argumenta que a história do Oriente Médio repete uma mesma lógica colonial: potências externas redesenham fronteiras e impõem “soluções” sem consultar os povos locais, negando especialmente a soberania palestina. “Embora o plano seja apresentado sob o discurso de ‘normalização’, ‘coexistência pacífica’ e desenvolvimento econômico, ele mantém Gaza sob supervisão externa e limita a autonomia real do povo palestino: Gaza permanece tratada não como território de um povo com direito à autodeterminação, mas sim como um problema humanitário a ser administrado”, afirma Alfredo. “O cerco a Gaza não é apenas físico: é também político, diplomático e simbólico. Ele traduz a persistência de um sistema mundial que naturaliza a desigualdade entre nações e legitima a violência quando exercida em nome da ‘estabilidade’.”
🔸 Quando o Congresso derrubou a medida provisória do IOF, as bets já tinham vencido a principal disputa. Na véspera da derrubada da MP que elevaria impostos sobre setores da economia para aumentar a arrecadação a partir de 2026, o relator Carlos Zarattini (PT-SP) havia recuado da ideia do governo de elevar de 12% para 18% a taxação sobre os lucros das casas de apostas esportivas. A Agência Pública revela que há digitais da bancada ruralista e do Instituto Pensar Agro, que promove o lobby do agronegócio, em emendas apresentadas por parlamentares no bojo da MP. Integrantes da Frente Parlamentar Agropecuária, buscaram suavizar ou até reverter o aumento. Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), por exemplo, propôs 16% ainda em junho. Jorge Seif (PL-SC), Soraya Thronicke (Podemos-MS) e deputados ruralistas repetiram a linha de “não comprometer a competitividade”. Já João Carlos Bacelar (PL-BA) e Gabriel Mota (Republicanos-RR) foram além: propuseram um corte dos atuais 12% dos lucros das casas de apostas para apenas 3%. Por fim, a Câmara retirou a MP da pauta por 251 a 193, e a medida perdeu a validade na semana passada.
🔸 Em resposta à derrota, o governo iniciou uma ampla ofensiva contra o Centrão. Com aval do presidente Lula, a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), já comanda o movimento de retaliação: ela estaria encarregada de rever cargos indicados por partidos considerados “infiéis”. A CartaCapital apurou que as mudanças atingem principalmente a Caixa Econômica Federal: 11 das 12 vice-presidências estão sob análise e podem ser trocadas nos próximos dias. As demissões já começaram, mas não deve haver mudança na presidência do banco – Carlos Vieira é uma indicação pessoal do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e não deve ser demitido.
🔸 O movimento ficou explícito quando o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), deu detalhes sobre a reação do governo. Em entrevista ao podcast As Cunhãs, na última sexta-feira, ele contou que participou de uma reunião com Lula e Gleisi Hoffmann. Segundo o deputado, as vice-presidências e as superintendências estaduais da Caixa são indicações do PP e do Republicanos, entre outros partidos, e a ministra vai “meter a faca” nos cargos do Centrão: “O Lula disse: ‘Gleisi, você agilize e mexa no vespeiro da Caixa Econômica para começar’. E, evidentemente, eles estão apavorados”. Guimarães afirmou ainda que Lula pediu tranquilidade aos ministros e defendeu que Fernando Haddad (Fazenda) “tem margem para buscar uma solução que não comprometa o orçamento”.
📮 Outras histórias
Nos bairros periféricos de Salvador, a falta de lixeiras leva os moradores a descartar o lixo em caçambas ou mesmo aos pés de postes. É o que conta o estudante Gabriel Santana, 25 anos, morador de Nova Sussuarana. Já nos bairros nobres ou turísticos, ele completa, “são encontradas lixeiras tanto no chão quanto [fixadas] nos postes e dispostas com frequência, enquanto nas favelas não há nenhuma”. A Entre Becos mostra que a história se repete no Alto das Pombas, bairro próximo de pontos turísticos como o Farol da Barra e circuitos do Carnaval. “É muito fácil na escola ter palestras de educação ambiental, mas quando você passa no seu bairro, que é viela, que é periférico, não tem a lixeira”, diz a moradora Marília Leão, 40 anos. Professor da Universidade Federal da Bahia, o sociólogo Ailton Ferreira afirma que a distribuição das lixeiras reforça estigmas históricos: “Hoje, o que nós temos em bairros periféricos são contêineres de lixo, também mal localizados. Os contêineres normalmente e estranhamente ficam em portas de escolas e de posto de saúde. Isso também é racismo ambiental, porque quando você chega em alguns bairros nobres, mesmo que em pouca quantidade, você encontra algumas lixeiras”.
📌 Investigação
Um hotel de “pós-luxo” ameaça a atuação de pescadores e coletores na Ilha do Caju, no município de Araioses (MA). Apesar de ser considerado um terreno particular há décadas, os cursos d’água no entorno da ilha são fonte de renda e alimentação para cerca de 2 mil famílias. O que mudou é que o empresário sueco Jimmy Furland e sua esposa, a ex-modelo cearense Natália Furland, assinaram um contrato de aforamento para ter o direito de uso da ilha. O Intercept Brasil detalha que o casal criou o primeiro hotel de “pós-luxo” do país – mercado em que produções e costumes de povos e comunidades tradicionais são apropriados por empresários e oferecidos com alto preço como “experiência” e “exclusividade” a clientes ricos. Eles pretendem instalar uma pousada com 50 leitos no local. Embora só tenham direito a usar 252 hectares dos cerca de 9 mil que compõem a Ilha do Caju, afirmam, sob a justificativa de preservação ambiental, que vão criar um projeto de descarbonização que deve incidir em 8.500 hectares. A reportagem ouviu catadores e pescadores que afirmam estar proibidos de frequentar e trabalhar nos cursos d’água do Caju.
🍂 Meio ambiente
A obra para a instalação da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Jaguaribe, na zona norte de Natal, já afeta o trabalho e a vida de pescadores e marisqueiras que dependem do mangue para se sustentar, conta a Saiba Mais. “Nós temos 200 pessoas que sobrevivem do marisco, do caranguejo, do guaiamum, da pesca”, afirma o geólogo Geraldo Pinto, que integra a equipe do sítio histórico e ecológico Gamboa do Jaguaribe. “As marisqueiras pegavam cada uma 5, 6 quilos de marisco [por semana]. A Gamboa produzia uns 50 quilos de marisco por semana. Isso dava a vida de 200 pessoas que moram ali embaixo, no Conjunto dos Garis, no Conjunto Potengi, aí a Caern vai lá e atravessa um tubo. O que acontece? As pessoas começaram a pegar 200g, 300g. Acabou a vida dessas pessoas. Elas só sabem fazer isso. Elas não querem emprego, não querem Bolsa Família, não querem nada. Elas querem o direito de pescar no rio.” De responsabilidade da Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte, a obra está localizada dentro da Zona de Proteção Ambiental número 8. Inicialmente a estação estava prevista para janeiro de 2025, mas deve entrar em funcionamento completo até dezembro.
📙 Cultura
Sem uma previdência social formal, mestres de cultura popular dependem de alternativas criadas pelas próprias comunidades, como vaquinhas, bingos, oficinas, apresentações e redes de apoio, para garantir a aposentadoria. Segundo a pesquisadora de cultura popular Amanda Rabelo, muitos mestres com mais de 50 anos continuam trabalhando como agricultores, pescadores ou em outras ocupações informais, sem um sistema de previdência que reconheça sua contribuição cultural. O Nonada destaca que os mestres são guardiões de bens culturais imateriais do Brasil e responsáveis por transmitir os saberes e práticas tradicionais às novas gerações. No entanto, a falta de políticas públicas dificulta que envelheçam com dignidade. “Não há nenhum tipo de aposentadoria ou benefício garantido. A realidade é difícil. O sustento vem de pequenos trabalhos e da solidariedade. A cultura nos dá orgulho, mas não nos dá segurança de vida”, afirma o carimbozeiro e puxador de Boi-Bumbá Mestre Robledo, 57 anos, que atua no Marajó (PA).
🎧 Podcast
Nos anos 1960, Goreth Suruí era uma menina indígena que foi raptada na Amazônia, no sul do Pará, e passou a viver com uma família de coletores de castanhas. O nome Goreth, aliás, foi dado por eles. Além de coletor de castanhas, o homem que a raptou era um caçador. A menina era protegida pelas mulheres de sua nova vida e, aos poucos, teve de deixar sua língua e sua cultura. O “Rádio Novelo Apresenta”, produção da Rádio Novelo, narra a história de Goreth e sua jornada para voltar a sua aldeia depois de décadas vivendo entre os não indígenas.
✊🏾 Direitos humanos
Em solidariedade ao povo palestino e repúdio às violações de Israel em Gaza, a Universidade Federal do Ceará (UFC), por meio do Conselho Universitário, publicou uma documento em que cancela o Acordo para Programa de Intercâmbio e Cooperação Acadêmica com a Universidade Ben-Gurion, de Israel. Segundo o Nossa Ciência, a UFC foi a primeira do Nordeste a tomar essa decisão, e o professor Ivânio Lopes de Azevedo Júnior, diretor do Instituto de Cultura e Arte, aponta que esse pode ser um estímulo para outras instituições da região. “Espero que essa posição da UFC contamine as demais instituições a se posicionarem claramente contra o genocídio causado e capitaneado pelo Estado de Israel.” Antes da UFC, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal Fluminense (UFF) já haviam tomado uma decisão semelhante.