O novo mote do governo Lula e a mudança do perfil religioso no país
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🔸 Com três ações sobre o aumento do IOF, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se o Congresso pode sustar decretos presidenciais em matéria tributária. Levantamento feito por advogados a pedido do Jota aponta que a jurisprudência da Corte tende a manter atos do Executivo, salvo em abuso de poder. Não é este o caso, já que a Constituição autoriza o Executivo a alterar alíquotas do IOF, imposto de caráter regulatório. Mas há divergências: o tributarista Daniel Szelbracikowski afirma que o aumento feito em decreto pelo governo visou a arrecadação, e não a regulação, o que justificaria a derrubada do ato pelo Congresso. Já Guilherme Elia, também tributarista, avalia que o governo pode vencer, mas não será uma conquista simples. “O Congresso vai defender dizendo que o intuito foi meramente arrecadatório, o que justifica a exorbitância do ato do Executivo sustado”, afirma Elia.
🔸 Impulsionado pela crise do IOF e de olho na eleição, o governo Lula decidiu intensificar a retórica de justiça tributária como marca política. O foco, segundo a CartaCapital, é a taxação dos “BBBs” – bilionários, bancos e bets –, historicamente pouco tributados no Brasil. O termo vai começar a aparecer em peças institucionais do governo, e o slogan “União e Reconstrução”, adotado no início do mandato, terá um novo mote centrado em “justiça social”. Ontem mesmo, no evento da Independência da Bahia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apareceu segurando uma placa com os dizeres “taxação dos super-ricos”, marcando a mudança de tom para reforçar sua identidade de governo popular. Pesquisas mostram que a tentativa pode ressoar em apoio popular: levantamento da Ipsos aponta que 69% dos brasileiros defendem maior tributação de grandes fortunas, enquanto um estudo de Oxfam e Greenpeace revela que nove em cada dez brasileiros apoiam a taxação para financiar saúde, educação e políticas climáticas.
🔸 Em audiência na Câmara dos Deputados, a ministra Marina Silva voltou a ser alvo de ofensas de representantes da Comissão de Agricultura da Casa. A chefe da pasta do Meio Ambiente passou horas respondendo a perguntas e na mira de ataques, que classificou como machismo. O Metrópoles conta que ela ouviu o deputado Evair de Melo (PP-ES) dizer que tem “comportamento de adestrada” e é “mal-educada”, enquanto Zé Trovão (PL-SC) afirmou que ela é “uma vergonha como ministra”. Marina apresentou dados sobre o aumento de secas e incêndios florestais. Alertou: “Qualquer pessoa que não seja negacionista sabe que temperatura alta e baixa umidade potencializam incêndios”. Em maio, a ministra já havia sido alvo de ofensas no Senado.
🔸 A propósito: pelo Partido Verde (PV), Marina Silva conquistou quase 20 milhões de votos para presidente. A legenda, pioneira na defesa ambiental, hoje enfrenta a perda de identidade e o apequenamento político. Em 2010, quando Marina foi candidata, o partido chegou a ter 15 deputados federais. Em 2025, tem apenas quatro cadeiras na Câmara e nenhum deputado estadual no Rio de Janeiro, seu berço histórico. O Eco resgata a história do PV, fundado em 1986 por ex-guerrilheiros como Alfredo Sirkis, Fernando Gabeira e Carlos Minc. “O partido acabou, hoje não existe mais”, afirma Ana Borelli, ativista ambiental e viúva de Sirkis. Pesam críticas à gestão centralizadora de José Luiz Penna, presidente desde 1999, acusado de barrar renovação interna e concentrar poder. Embora a pauta ambiental tenha crescido no debate público, o PV não soube crescer, tampouco incorporar causas populares além da ecologia.
📮 Outras histórias
“Eu fui criada aqui dentro, dava camarão e peixe. Era água limpa. Não havia comunidade por aqui, não havia nada.” Dona Maria da Rocha Robadey, 80 anos, relembra a infância às margens do Rio das Pedras, no Rio de Janeiro. Ela encontrou o grupo que participava do programa “Caminho das Águas - Tour nos Rios de Favela”. Apoiadora da iniciativa, a Agência Lume conta como funciona o tour guiado pelos geógrafos Adão Castro e Kessy Almeida, ambos integrantes do projeto Conexões Rios UFRJ. Eles mostraram a história do rio antes da poluição e alertaram para o distanciamento entre população e rios, transformados apenas em condutores de esgoto. Dados revelam a alta vulnerabilidade da região: 7% dos domicílios têm risco muito alto de inundação e mais de 3 mil casas têm alta vulnerabilidade a chuvas extremas. Já os níveis de poluição atuais foram classificados como intoleráveis para a saúde humana.
📌 Investigação
Assistir a vídeos sobre fundamentos da integridade pública. Esta foi a “punição” do Instituto Chico Mendes (ICMBio) para o analista ambiental Marco Antônio de Freitas, responsável pela operação que destruiu o terreiro de jarê do Peji Pedra Branca de Oxóssi, em Lençóis (BA). O local sagrado tem matriz afro-brasileira com influência indígena e mistura elementos do catolicismo, umbanda e espiritismo desde o século 19. Sua destruição, em julho do ano passado, foi considerada por especialistas um episódio de racismo religioso. A Agência Pública revela que o servidor apenas assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e precisará fazer um curso online, que prevê certificação ao término do streaming dos vídeos, sem exigência de provas quanto ao conteúdo. O material contempla oito ciclos temáticos – e nenhum deles tem relação a racismo ou intolerância religiosa.
🍂 Meio ambiente
O aumento dos focos de calor em áreas de vegetação nativa na Amazônia entre agosto de 2024 e maio de 2025 já causa preocupação com a chegada do verão na região, de julho a setembro. Diante do recorde de secas severas e incêndios florestais do ano passado, o presidente Lula sancionou uma lei que facilita o repasse de recursos financeiros para ações de prevenção e combate à ocorrência de queimadas irregulares e incêndios florestais. Segundo o Amazônia Vox, a prevenção está entre as medidas mais importantes para o combate aos eventos climáticos extremos. “Se a gente já sabe que a maior parte dos incêndios acontece de agosto a outubro, com pico em setembro, então é muito importante agir antes que o problema aconteça”, diz a pesquisadora Joice Ferreira, Cofundadora da Rede Amazônia Sustentável (RAS) e coordenadora do Centro Avançado em Pesquisas Socioecológicas para a Recuperação Ambiental (Capoeira).
📙 Cultura
“Talvez o mais interessante seja imaginar que a grande influência (ou seria melhor dizer o grande exemplo?) de Leminski foi uma espécie de libertação da poesia, porque ele soube ser rebelde não apenas com relação ao que detestava (toda e qualquer amarra para sua paixão pela linguagem), mas também porque nunca se dobrou servilmente até ao que mais amava”, escreve o advogado e poeta Tarso de Melo. Em artigo na Quatro Cinco Um, ele analisa a trajetória poética de Paulo Leminski, homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que acontece no fim deste mês na cidade fluminense. Para Melo, Leminski, quase quatro décadas após sua morte, “continua sendo um dos nomes incontornáveis da poesia recente no Brasil”. E completa: “A oportunidade de vê-lo agora na vitrine da Flip só confirma que a poesia de Leminski é nossa contemporânea em dois sentidos precisos: é a porta de entrada de muitos (jovens e não apenas jovens) leitores no universo da poesia e o motivo pelo qual muitos se tornaram e se tornam poetas”.
🎧 Podcast
Os dados sobre religião do Censo de 2022 indicam que o país está em uma transição religiosa. Historicamente católico, o Brasil passa pelo crescimento significativo de evangélicos e pessoas sem religião desde os anos 1950. O “Diálogos com a Inteligência”, produção do Canal Meio, recebe Ana Carolina Evangelista, cientista política e diretora do Instituto de Estudos da Religião (Iser), que explica como as dinâmicas sociais e políticas têm alterado o perfil religioso do brasileiro. “O Censo é só um retrato, não nos permite identificar nuances nas práticas religiosas, mas nos mostra que esses campos agem e reagem às mudanças sociais.”
👩🏽🏫 Educação
A matemática é o campo do conhecimento mais desafiador para estudantes brasileiros que ultrapassa contexto social, região, cultura e idade. O Porvir ouviu professores e pesquisadores que refletem sobre a necessidade de mudanças metodológicas no ensino. Para Letícia Rangel, professora de matemática no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAP-UFRJ) e coordenadora do projeto Meninas Olímpicas do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), a questão começa já na formação de pedagogos, responsáveis por apresentar o campo na primeira fase do ensino básico. “Em algumas universidades, os cursos de pedagogia oferecem apenas duas disciplinas de matemática. É muito pouco. Essa distribuição é muito calcada na compreensão, ou no entendimento errado, de que o que será ensinado é fácil. Não é! Ensinar à criança todo o sistema de numeração é algo complexo, e o professor precisa de uma formação adequada para isso.”