O Novo Ensino Médio e o direito à prisão domiciliar para mães
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🔸 O Ministério da Educação abriu uma consulta pública para avaliar e reestruturar o Ensino Médio. O modelo atual, aprovado numa reforma em 2017, vem sendo alvo de protestos em todo o país. “O Novo Ensino Médio (NEM) não está conectado ao século 21 e traz um aumento na desigualdade entre público e privado. Oferece um ensino técnico para os mais pobres e mais científico para os mais ricos”, define a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Bruna Brelaz. O ponto mais crítico do NEM seria a flexibilização do que o estudante aprende: o conteúdo é formado pela chamada Base Nacional Comum Curricular (BNCC), segundo a qual os alunos estudam disciplinas básicas, como Português e Matemática, e complementam com um “itinerário” de disciplinas com ênfases em áreas de linguagem, ciências da natureza, ciências humanas ou ensino técnico. O porém, como explica o Congresso em Foco, é que essa oferta de outras matérias depende das possibilidades de recursos e de funcionários de cada escola. “Os estudantes têm dificuldade para acessar o itinerário completo. Às vezes, tem que mudar de escola, mudar de bairro, para conseguir estudar o que precisa”, completa Brelaz.
🔸 O governo Bolsonaro sabia, desde 2021, da urgência humanitária na terra Yanomami, em Roraima. A Agência Pública revela um “plano estratégico” feito em dezembro daquele ano, documento que confirma que o Ministério da Justiça estava ciente dos casos de desnutrição, mortalidade infantil e malária que atingiam 22 aldeias do território indígena. À época, a pasta era comandada pelo delegado da Polícia Federal Anderson Torres, atualmente preso por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) sob suspeita de participação nos atos golpistas de 8 de janeiro. A reportagem mostra ainda que o governo também sabia que a atuação dos profissionais de saúde na região era difícil por causa do “ambiente hostil”, embora não cite a razão para a hostilidade. Desde 2019, mais de 20 mil garimpeiros invadiram e instalaram garimpos ilegais em diversas partes do território.
🔸 Os casos de trabalho análogo à escravidão aumentaram 174% em apenas dois anos. Segundo o Ministério do Trabalho e do Emprego, em 2022, foram 2.575 pessoas resgatadas dessa condição, maior número desde 2013. Já em 2020, eram 938. Como afirma ao Metrópoles o procurador do Ministério Público do Trabalho Italvar Medina, crise econômica, desemprego, insegurança alimentar podem explicar a alta de casos, mas não só. A ausência de reforma agrária e o aumento de atividades clandestinas, como o garimpo ilegal, entram na conta.
🔸 A propósito: crescem os casos, cresce também a lista suja do trabalho escravo no Brasil. Apenas no período de abril a outubro de 2022, houve o registro de 89 novos empregadores autuados. O número no período praticamente dobrou, se comparado ao ano anterior. Os setores que mais tiveram funcionários resgatados foram a indústria do fumo, a pecuária e a produção de carvão vegetal. A CartaCapital traz a íntegra da lista suja.
🔸 Mais de mil policiais cedidos estão no Rio Grande do Norte para reforçar o combate à onda de violência que atinge o estado desde a semana passada. Homens e mulheres da Força Nacional, de estados vizinhos, da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Penal Federal se somam ao contingente de 10 mil agentes de segurança potiguares. Segundo a Saiba Mais, após cinco dias de ações violentas, o estado contabilizava 273 atos criminosos, somando casos tentados e consumados. Quase 120 suspeitos de participar dos atentados já foram presos.
🔸 Os ataques no estado são atribuídos a facções criminosas, que reclamam de condições precárias nas penitenciárias, desde comida estragada à proibição de visitas. “Um problema na sociedade brasileira é que boa parte da opinião pública vê direitos de pessoas privadas de liberdade como privilégios. Então, enxergam uma visita íntima ou se alimentar adequadamente como algo desnecessário, naquela ideia de que a pessoa que está no cárcere precisa morrer”, afirma a pesquisadora Ludmila Ribeiro, que já coordenou diversos estudos sobre políticas de segurança pública e justiça criminal. Em entrevista ao Nexo, ela discorre sobre a estratégia dos detentos para chamar atenção ao problema, depois de terem tentado negociar internamente: “Eles pleiteiam pelos agentes prisionais, que se veem muito mais como policiais militares do que agentes de ressocialização. Ou junto aos promotores, juízes e defensores que muitas vezes têm essa visão punitivista. (...) Com os ataques eles criam uma percepção de que precisam ser vistos. É a maneira que as pessoas privadas de liberdade têm de colocar para fora as mazelas do sistema prisional”.
📮 Outras histórias
Dois meses se passaram desde a morte de jovens da etnia Pataxó, em Itabela, no Sul da Bahia, e a Força Nacional não chegou à região. Embora a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, tenha liberado o envio de agentes federais, o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), ainda não autorizou sua entrada no estado. Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos, e Nawir Brito de Jesus, 17 anos, foram executados na margem da BR-101, que delimita o território indígena, poucos dias depois da retomada de duas fazendas. Segundo a revista Afirmativa, o crime é mais um dentro de uma escalada de violência contra os Pataxó que vem desde junho do ano passado, quando iniciaram o processo de autodemarcação nas Terras Indígenas de Barra Velha e Comexatibá.
📌 Investigação
A “tropa de choque” de Bolsonaro na CPI da Covid. Ao longo da comissão, em 2021, a base governista adotou a estratégia de retórica científica para comprovar suas teses negacionistas. É o que revela o relatório feito pela Agência Bori e pelo Lagom Data, em parceria com o Instituto Serrapilheira. As 69 sessões da CPI foram transcritas e analisadas para localizar trechos de referências científicas nos discursos dos depoentes e dos senadores e, em seguida, identificar a que estudos eles se referiam. A maioria eram trabalhos ainda sem revisão dos pares ou até mesmo cartas de leitores enviadas para revistas científicas. A Agência Lupa detalha os dados levantados e mostra que o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que era suplente da CPI, atuou como uma espécie de líder dessa tropa de choque e bombardeava as sessões com informações vagas e de difícil verificação.
🍂 Meio ambiente
“A Amazônia é um centro de produção de agrobiodiversidade único.” O arqueólogo Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, encontrou informações essenciais sobre o papel dos povos indígenas na formação da floresta amazônica. Segundo sua pesquisa, durante séculos, na região da Amazônia Central – área nos arredores do encontro entre os rios Negro e Solimões –, fluiu uma diversidade enorme de espécies conservadas e manejadas pelas comunidades locais. O estudo está publicado no livro “Sob Os Tempos do Equinócio – Oito Mil Anos de História na Amazônia Central”. Em entrevista ao InfoAmazonia, Neves afirma que o agronegócio é o oposto dessa ideia, uma vez que busca a padronização por meio do monocultivo. Os efeitos disso são claros: “mudança climática e contaminações, como a poluição dos rios pelo agronegócio no Xingu”.
📙 Cultura
“Somos classe trabalhadora e precisamos de marcos legais que orientem nosso trabalho, que é distinto”, afirma Maria Marighella, nova presidente da Fundação Nacional das Artes (Funarte). Segundo ela, “65% do investimento de todo recurso de toda cultura no Brasil passa pela Funarte”. Daí a importância do órgão, pela primeira vez presidido por uma mulher nordestina. Vereadora licenciada de Salvador, como conta o Nonada, ela vem revendo experiências anteriores, como as das gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira, para torná-las “política de Estado”. Outra frente de trabalho é o Plano Nacional das Artes (PNA), que deve funcionar como um documento para balizar o fomento à cultura.
“Comecei a trabalhar como atriz de teatro. E, a partir dali, percebi o quanto as nossas oportunidades são muito limitadas, principalmente na TV.” Foi a percepção do racismo no audiovisual que levou a atriz e roteirista Natália Balbino a escrever. Aos 27 anos, cria da Vila Cruzeiro, na zona Norte do Rio de Janeiro, ela afirma ao Voz das Comunidades: “Era um olhar embranquecido e racista das nossas histórias. Com as nossas subjetividades anuladas e apagadas. E esse descontentamento foi me incomodando. E eu percebi que não dava só pra atuar. Se eu quisesse tirar esse descontentamento, eu deveria usar atuar em outras frentes”. Seu trabalho como atriz pode ser visto no recém-lançado “Medusa”, filme de Anita Rocha da Silveira, e, como roteirista, no longa “Escola de Quebrada”, disponível na plataforma Paramount+.
Patrimônio vivo de Pernambuco, a artista Lia de Itamaracá ganhou uma exposição no Paço do Frevo, em Recife. Aos 80 anos, Maria Madalena Correia do Nascimento, conhecida como Lia de Itamaracá, é um dos nomes mais importantes da cultura popular brasileira e uma das maiores cirandeiras do país. A revista O Grito! informa que a mostra entra em cartaz amanhã, com o show “Ciranda do Mundo” – comandado pela própria mestra cirandeira – e estará aberta ao público até 21 de junho. A “Ocupação Lia de Itamaracá” traz a trajetória da artista por meio de documentos, figurinos, objetos pessoais, imagens, videoclipes, além de materiais exclusivos, como uma entrevista e um ensaio fotográfico inédito, feito por Ytallo Barreto.
🎧 Podcast
Em meados de 2019, o site The Intercept Brasil começou a publicar as reportagens da Vaza Jato, como ficou conhecido o vazamento de conversas entre o então juiz Sergio Moro, o promotor Deltan Dallagnol e outros integrantes da Operação Lava Jato. No novo episódio da “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, o apresentador Tomás Chiaverini entrevista o jornalista Leandro Demori, que era editor-executivo do veículo na época da apuração. Juntos, eles refletem sobre o impacto da Vaza Jato para que a Justiça revisse seus procedimentos e até mesmo o mea culpa da imprensa no processo.
✊🏽 Direitos humanos
Desempregada, mãe e lactante, mas sem direito à prisão domiciliar. A Justiça de São Paulo decidiu manter em prisão preventiva Manoela (nome fictício), de 24 anos, acusada de furtar três potes de shampoo e 30 barras de chocolates – itens devolvidos ao estabelecimento –, no valor total de R$ 380. A Alma Preta explica que, por ser mãe solo de três crianças, em fase de amamentação, e por ter cometido um crime sem violência ou grave ameaça, a jovem preenche os requisitos legais para cumprir a pena em sua residência. O caso dela não é exceção: mais da metade das decisões judiciais são desfavoráveis em pedidos de prisão domiciliar para mães acusadas por crimes desse tipo.