O novo Censo do IBGE e o racismo no Plano Diretor de SP
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🔸 O Censo de 2022 contabilizou 203,1 milhões de brasileiros. Os dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam uma população menor do que as prévias feitas pelo próprio órgão, que estimava em 213,3 milhões o número de habitantes do país. “Em 2022, a taxa de crescimento anual foi reduzida para menos da metade do que era em 2010 (1,17%)”, afirma o coordenador técnico do Censo, Luciano Duarte. O Portal Terra detalha os números por região – a mais populosa ainda é o Sudeste, com 41,8% da população –, estado e município. Houve uma redução do número de habitantes nas metrópoles, algo inédito no país, segundo o diretor de geociências do IBGE, Claudio Stenner. “Muitas vezes o município núcleo da metrópole perde população, mas as cidades vizinhas ganham. Isso tem a ver com o espalhamento do tecido urbano para além dos limites municipais e quer dizer que há expansões novas, até pelo esgotamento de área desse município”, afirma.
🔸 O município brasileiro onde a população mais cresceu. Senador Canedo, na região metropolitana de Goiânia, tinha 84,4 mil moradores em 2010. Em 2022, segundo o Censo, eram 155,6 mil – um aumento de 84%. O município está na contramão do país, que viu o crescimento populacional desacelerar. A revista piauí conversa com moradores e conta a história da transformação da antiga cidade-dormitório numa das mais importantes da região metropolitana de Goiânia, para onde as pessoas vão em busca de emprego.
🔸 O Supremo Tribunal Federal criminalizou a LGBTfobia em 2019. Quatro anos depois, o cenário ainda é de violência, somado à falta de dados sobre ela. A Gênero e Número solicitou, via Lei de Acesso à Informação, registros de LGBTfobia nos 27 estados. Somente três enviaram dados básicos sobre as vítimas que denunciam esses crimes. A reportagem visual organiza em gráficos as informações sobre a distribuição da violência e o perfil das vítimas e destaca que “a ausência de dados revela um cenário de invisibilização da violência contra essa população, além de barreiras na coleta de dados e na transparência pública”. Em 2022, houve pelo menos duas vítimas de LGBTfobia por dia, segundo registros de 12 estados.
🔸 Embora seja líder na violência contra pessoas trans, o Brasil está entre os países da América Latina mais favoráveis à presença delas nos cargos públicos. É o que mostra uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos, segundo a qual 57% dos brasileiros dizem se sentir totalmente confortáveis com a ocupação de cargos por pessoas trans. O Congresso em Foco informa que o percentual é maior que o de outros países latino-americanos: Argentina (49%), México (40%) e Colômbia (37%). “A vitória minha e também de outros parlamentares trans que batem recorde de votação traduzem um anseio popular por maior representatividade e diversidade no Parlamento brasileiro”, diz Duda Salabert (PDT-MG) à reportagem. Ela e Erika Hilton (Psol-SP) são as duas primeiras mulheres trans a ter mandato no Congresso Nacional.
🔸 Aprovada nesta semana, a revisão do Plano Diretor de São Paulo amplia o incentivo à verticalização com o aumento da rentabilidade para os empreendedores – e “significa o agravamento da segregação racial da cidade”, como avalia a Alma Preta, em artigo assinado por Gisele Brito, mestra em Planejamento Urbano, Pedro Rezende, arquiteto e urbanista, e Vanessa Nascimento, todos membros do Instituto de Referência Negra Peregum. Segundo eles, “abre caminho para mudanças perversas, com a transformação da habitação social em fonte de renda por meio da locação, beneficiando os investidores imobiliários – via de regra brancos – proprietários dessas unidades”. Os autores concluem: “Em São Paulo, planejar a cidade virou sinônimo de intermediar a organização para a moradia branca de classe média e alta. Vertical ou horizontal, os vencedores – moradores ou investidores imobiliários – sempre foram brancos”.
📮 Outras histórias
O influencer motivacional da favela. Com milhares de seguidores e milhões de visualizações nas redes sociais, Felipe Mineirinho, morador do Complexo do Alemão, tem um bordão: “Se liga na ideia”. Ele solta a frase sempre antes de iniciar a reflexão sobre algum tema cujo objetivo é motivar o espectador. O Voz das Comunidades conta que ele é Felipe Dias, 32 anos, nasceu em Minas Gerais e mora no Rio de Janeiro há 13 anos. Trabalhou como servente de pedreiro, cobrador de van e frentista. Depois de vencer um concurso de beleza negra no Facebook, virou modelo do Favela é Fashion, projeto de moda do CPX. Foi então que tudo mudou.
📌 Investigação
A agricultura familiar domina a produção de alimentos no país, mesmo com pouca área de cultivo, pouco acesso a linhas de crédito e dificuldades no escoamento. A variedade de verduras, legumes e frutas, ou até mesmo a carne, que chegam ao prato da população é majoritariamente produzida por agricultores familiares. O Censo Agropecuário 2017 indicou uma queda – em relação ao de 2006 – no número de estabelecimentos e na quantidade de produtos, mas, na prática, ela pode não ser precisa, como explica O Joio e O Trigo. A lei que determina o que é agricultura familiar foi alterada, jogando o que antes era familiar para o patronal, e possibilitando distorções. Apesar disso, as dificuldades enfrentadas pelo pequeno agricultor podem, ao fim, fazer minguar essa produção nas próximas gerações.
🍂 Meio ambiente
O empreendimento Ponta dos Castelhanos, caso prossiga, pode tomar quase 20% da ilha de Boipeba (BA), uma das porções mais preservadas da Mata Atlântica e onde vivem povos tradicionais de quilombolas, pescadores e extrativistas. O Eco mergulha na história da licença para as obras do resort, aprovado pelo governo da Bahia, mas suspenso pela Secretaria de Patrimônio da União. As ilhas de Tinharé e Boipeba abrigam a maior faixa contínua de restinga arbórea do litoral do Baixo Sul baiano e cerca de 36 mil hectares de manguezais, importantes para proteger o clima e a reprodução marinha. “A experiência brasileira mostra que onde esses empreendimentos chegaram, o solo foi fatiado, a Mata Atlântica foi devastada, comunidades foram divididas, expulsas e submetidas à insegurança alimentar [pela privação de fontes de renda e alimentos]”, afirma Eduardo Barcelos, pesquisador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IF Baiano).
A área do Baixo São Francisco, desde a instalação da hidrelétrica de Xingó, entre Sergipe e Alagoas, tem lidado com desequilíbrios nos ecossistemas aquáticos. Sem ação de órgãos públicos até o momento, a Universidade Federal de Alagoas (UFAL) criou um grupo de trabalho (GT), a pedido da Reserva Mato da Onça, para investigar os dois principais problemas do território – a infestação dos mexilhões dourados e o ataque de pirambebas (também conhecidas como piranhas brancas) a seres humanos, que tem aumentado nos últimos anos. Segundo o InfoSãoFrancisco, o GT Canoa de Tolda possibilita a produção e disponibilização de informações para guiar tomadas de decisão sobre o problema.
📙 Cultura
“Vejo a arte LGBTQIAP+ como um recurso potente para ampliar e recriar as paisagens.” A afirmação é da escritora e pesquisadora de literatura Louise Queiroz. Ela é uma dos cinco artistas ouvidos pela revista Afirmativa sobre como a arte pode ser uma ferramenta para derrubar preconceitos e estereótipos e abrir espaço para as outras pessoas da comunidade LGBTQIA+, como descreve o cantor Hiran: “Quando um festival de rap coloca um ou dois artistas LGBT num line-up de 60, a mensagem que está me dando não é de inclusão”.
O cinema também é um espaço de descoberta e celebração das diversas sexualidades, como “Meninos Não Choram” (1999), de Kimberly Peirce. O filme foi citado pelo cantor Almério e pela atriz Sophia Williams como marcante em suas trajetórias de autoconhecimento. À revista O Grito! dez artistas compartilham depoimentos sobre obras cinematográficas importantes em suas vidas enquanto pessoas LGBTQIA+. “Sou filha da noite paulistana, da cena clubber e bebo das fontes mais antigas para construir o meu trabalho. Então, seria impossível não falar sobre ‘Dzi Croquettes’ (2009). ‘Homens’ que se vestiam de ‘mulheres’ em 1972 – não existiam tantos vocabulários para essas pessoas se identificarem como hoje. Mas, através da arte, usam seus corpos para criticar a ditadura militar, questionando a opressão sofrida pela população LGBTQIAP”, relata a cantora Jup do Bairro.
🎧 Podcast
Presente no imaginário popular quando se fala em aventura, o quinto longa da franquia “Indiana Jones” estreia hoje nos cinemas brasileiros, mais de 40 anos depois do primeiro filme, com sua estrela, Harrison Ford, aos 80 anos de idade. A “Rádio Escafandro”, produção da Rádio Guarda-Chuva, reflete sobre a trajetória da história que encantou gerações, mas também sobre como o protagonista é um personagem problemático, misógino e imperialista, representando o arquétipo de masculinidade branca das décadas passadas. Ao longo do episódio, é possível entender como a história vai se adaptar ao mundo atual.
🏃🏾♂️ Esportes
Tornar-se atleta profissional é um sonho de milhares de crianças e adolescentes no Brasil, mas a realização – principalmente para a população periférica – ainda é das exceções. A criação e manutenção de estruturas que propiciem a formação de atletas, inclusive psicologicamente, depende de investimentos. A Periferia em Movimento lembra que, entre 2013 e 2016, ano em que o país sediou as Olimpíadas, o governo federal investiu R$ 3,2 bilhões em esportes de alto rendimento. Já no período anterior aos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, o valor caiu 47%, chegando a R$ 2 bilhões, segundo o projeto Transparência no Esporte da Universidade de Brasília.